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Perto do abismo
Falta de investimentos em energia e demora na privatização podem comprometer o crescimento do país
Embora seja advogado e bacharel em Ciências Sociais, Shigeaki Ueki sempre preferiu
outras áreas de atuação. Foi ministro de Minas e Energia do governo brasileiro e em
seguida ocupou a presidência da Petrobras, no tempo em que o mundo era sacudido pelos
choques do petróleo. Idealizador do Proálcool, programa que defende ardorosamente, Ueki
dedica-se aos assuntos de energia, fornecendo consultoria e participando de encontros no
país e no exterior.
O texto abaixo reproduz uma palestra (seguida de debate) sobre esse tema, realizada no dia
14 de agosto para os membros do Conselho de Economia, Sociologia e Política da
Federação do Comércio do Estado de São Paulo.
SHIGEAKI UEKI Faltam 900 dias para o ano 2000 e estamos assistindo a uma transformação profunda, que nos leva a fazer considerações de abrangência mundial sobre a economia e a política, naturalmente com grandes implicações no campo do petróleo. Há sete anos caiu o Muro de Berlim, em novembro de 1989, e parece que estamos caminhando, no mundo inteiro, para o capitalismo ortodoxo do século 19.
Há poucas semanas testemunhamos a volta de Hong Kong para o domínio chinês e agora se especula se a China terá um sistema econômico que seria uma mistura do capitalismo com o socialismo, como quase todos os países europeus e sul-americanos hoje. A hipótese de Hong Kong ser um território essencialmente socialista ou comunista está afastada. Parece-me, portanto, que o capitalismo de Adam Smith vai prevalecer, isto é, o sistema de Hong Kong, que tem custo menor para manter o setor público menos de 15% do PIB -, vai dominar progressivamente aquele superpaís de 1,2 bilhão de habitantes.
Recentemente, a Japan Airlines anunciou vôos para diversas cidades da China, e é interessante notar o texto do anúncio, que convida os passageiros a voar de Tóquio para Dalian, chamando essa cidade de Hong Kong do norte. E teremos Hong Kong do sul, que é Xangai, e depois Hong Kong do meio, e assim por diante. A China, sem dúvida, optou por se transformar em um país capitalista, e isso faz com que a Bolsa de Valores de Hong Kong adquira grande importância.
Este é, portanto, um momento muito importante no mundo e também no Brasil, porque não se pode negar que o governo hoje é dirigido por pessoas que durante sua vida sustentaram princípios do partido socialista, mas que hoje estão fazendo um esforço extraordinário para transformar o Brasil num país capitalista, com a concordância principalmente dos empresários. Esse é o movimento a que estamos assistindo 200 anos depois da Revolução Francesa, e os estudiosos poderão falar que essa mudança é irreversível, qualquer que seja o novo presidente da República. Nem Lula, se um dia se tornar presidente da República, poderá reverter o processo. Neste momento, não há nenhum outro sistema político e econômico que possa prevalecer sobre essa megatrade que vem se formando no mundo.
No setor do petróleo e energia, as empresas (sou conselheiro de várias multinacionais de petróleo) não têm mais grandes preocupações em relação a riscos políticos. Há três semanas, por exemplo, participei da board da segunda maior empresa de petróleo dos Estados Unidos, e nessa reunião foi tomada a decisão de investir US$ 1,2 bilhão na Rússia. Ninguém falou em risco político.
A História e o futuro
Há dez anos tive a oportunidade de jantar com o ex-chanceler da Alemanha, Helmut Schmidt. Conversando sobre a União Soviética, ele defendia a tese de que a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) tinha que reforçar o orçamento e investir mais em armamentos convencionais, não nucleares, porque a ameaça soviética era muito forte e a Europa capitalista estava correndo o sério risco de ter que confrontar os países comunistas em guerras localizadas. No jantar estava o presidente da Suíça, que discordava da posição de Helmut Schmidt e lhe perguntou se não estava sendo um pouco pessimista. "Não, eu não estou sendo absolutamente pessimista", respondeu. Nesse momento perguntei: "Quando as duas Alemanhas poderão se unir?" Ele disse: "Mr. Ueki, é um sonho meu. Mas em vida não vou testemunhar isso". Dois ou três anos depois caiu o Muro de Berlim. Vejam então que mesmo homens experientes, como Helmut Schmidt, cometem erros sobre o futuro. Porque nesta época não há tempo para escrever a História. Temos que pensar sobre o dia de hoje, esquecer um pouco o passado e projetar o futuro.
Ao discorrer, portanto, sobre questões energéticas, vou falar menos do passado e muito mais do futuro, que é o que nos interessa. A questão da energia é muito séria, em qualquer país do mundo, porque, dependendo do estágio de desenvolvimento do país, tem um peso entre 5% e 10% do PIB. Está mais do que comprovado que, se a oferta da energia não avançar mais do que o desenvolvimento da economia, não haverá possibilidade de crescimento nem melhoria de qualidade de vida para a população de qualquer país do mundo. Numa economia como a nossa, com perto de US$ 750 bilhões de PIB, o faturamento do setor energético alcançará cerca de US$ 50 bilhões.
Aliás, eu ainda sou considerado um dos entulhos do autoritarismo. Mas gostaria de dizer que sempre tivemos, pelo menos na área em que atuamos, uma preocupação muito grande de garantir oferta futura de energia, para que o desenvolvimento econômico do país fosse sustentado. Na crise de energia elétrica que aconteceu em São Paulo em 1950 as indústrias tiveram que comprar geradores próprios, porque a energia era insuficiente. Na arrancada para o desenvolvimento que aconteceu na metade da década de 50, Juscelino escolheu corretamente o binômio energia e transporte. Infelizmente, nos últimos anos houve pouco investimento nos setores de energia e de transporte. E esse é um fator negativo para o desenvolvimento sustentado acima de 4% a 5%, no mínimo, que o país precisa manter para reduzir o desemprego.
Faltou ousadia
A eletricidade é uma energia secundária, transformada, mas a maior fonte energética do mundo. O petróleo hoje corresponde a cerca de 40% das fontes de energia no Brasil. Com a decisão recente do Senado e com a assinatura do decreto de flexibilização do monopólio, o Brasil deu um passo muito acertado. Em minha opinião, deveria dar mais um passo, permitindo a privatização da Petrobras e abrindo ainda mais o mercado, para estarmos de acordo com aquela trade. Não a trade da Argentina ou do Chile, mas a trade da China, da Rússia. Deveríamos ter ousado mais na flexibilização do monopólio. Entretanto, a lei já foi publicada e vai prevalecer para os próximos anos, e estou mais do que convencido de que vai trazer um benefício enorme para o setor do petróleo.
A Petrobras, felizmente, continuou investindo, mesmo durante a década perdida. Por isso, apesar de o Brasil apresentar geologia difícil para a descoberta de novos campos petrolíferos, ainda vem aumentando suas reservas. Na década de 70, em plena crise do petróleo, nossas reservas eram de 860 milhões de barris. No início dos anos 80, conseguimos elevá-las para 1,3 bilhão de barris, e em meados da década de 80 nos aproximamos de 2 bilhões de barris. No início dos anos 90, elevamos para 2,8 bilhões de barris, e em 96 chegamos a 4,8 bilhões de barris. Há 30 anos eram menos de 1 bilhão e hoje estamos perto dos 5 bilhões de barris, mesmo com o monopólio e mesmo considerando a década perdida. Isso significa que a Petrobras vem investindo no setor de exploração, e este ano certamente a produção vai atingir 1 milhão de barris por dia. Considerando que em 1984 eram 500 mil barris, estamos duplicando a produção 13 anos depois, com a expectativa de chegar a 1,5 milhão de barris daqui a três anos.
Não podemos parar
Insisto em dizer, porém, que o Brasil tem uma geologia muito difícil e, infelizmente, as grandes descobertas têm sido feitas em águas profundas, no mar, onde o custo de extração é maior. Mesmo assim, ela ainda é economicamente viável, porque continuaremos sendo um país importador de petróleo. E não podemos parar, porque 5 bilhões de barris correspondem a menos de 0,5% da reserva mundial. Como já representamos aproximadamente 3% da economia mundial, sem dúvida precisamos da cooperação e da tecnologia das grandes empresas internacionais de petróleo para aumentar as reservas e a produção de petróleo.
Aliás, a lei recentemente aprovada não significa exatamente o fim do monopólio, pois a Agência Nacional de Petróleo vai regulamentar a indústria em todos os setores, na exploração, produção, transporte, refino e distribuição (ver encarte de Problemas Brasileiros no 322) . A esse respeito, um amigo meu, dos Estados Unidos, se manifestou assim: "Mr. Ueki, this is a warm ice-cream". A lei é um sorvete quente porque tem artigos que conservam fortemente o monopólio e cláusulas em que se estimulam a livre competição, a abertura de mercado, etc. Essa pessoa me perguntou se era um sorvete verdadeiro ou falso. Respondi: "A intenção do legislador é dizer que é sorvete". A tendência é ser sorvete, porque a Argentina, por exemplo, já produziu não somente um simples ice cream de baunilha, mas um sorvete com cereja em cima, isto é, muito atraente. Todas as empresas de petróleo na Argentina vêm apresentando resultados muito positivos. Isso é sorvete, e essa tendência é irreversível no Brasil.
Para concluir essa parte sobre o petróleo, gostaria de comentar o seguinte. Em relação à exploração e produção (upstream), a lei obriga a Petrobras, em 90 dias, a informar onde está atuando. Em 180 dias, já vamos ter os primeiros contratos assinados. O governo não quer perder tempo nessa área. No downstream refino, transporte e marketing -, a lei já não é muito clara. A Agência Nacional de Petróleo vai regulamentar o assunto, permitindo que empresas nacionais e estrangeiras atuem no setor quase com absoluta liberdade. A agência, que foi criada para regulamentar, na verdade vai desregulamentar a indústria de petróleo, de maneira ordenada, eu espero.
O preço e o custo
No mundo inteiro, as empresas de petróleo, como Esso, Shell, Mobil e outras, ganharam nos últimos dez anos muito mais dinheiro produzindo petróleo e gás natural do que transportando, refinando e distribuindo o produto. A Shell, por exemplo, no downstream tem retorno sobre o capital investido da ordem de 6%. No upstream o ganho tem sido acima de 12%. É evidente, então, que o interesse das empresas internacionais de petróleo de investirem no Brasil vai ser muito mais no upstream, na exploração e produção, porque o país é importador. Tem sido assim no mundo, e está acontecendo no setor de petróleo o que vem ocorrendo em quase todos os segmentos da indústria. Está havendo uma concentração maior e estão surgindo as megaempresas, que atuam no mundo inteiro. É evidente que, se um dia for criado e pode ser criado um oligopólio, poderá haver um protesto mundial, como aconteceu com a Opep. O preço do barril hoje está em torno de US$ 18, e muitos países produzem por menos de US$ 1 o barril. Vejam, o custo de produção é menos de US$ 1 por barril e se vende o produto por US$ 18. Isso demonstra que o preço no mundo capitalista não tem nada a ver com o custo. O preço é determinado pela oferta e procura, e se estabelece o equilíbrio. É evidente que a longo prazo o custo é um fator importante, mas a curto e médio prazo o preço e o custo têm pouca relação.
A lei de flexibilização foi oportuníssima, e podemos ter grandes investimentos de quase todas as empresas internacionais de petróleo na área de exploração e produção. E a Petrobras vai ter que competir, ser competente. Demos um passo muito importante e só podemos esperar resultados positivos.
A questão da competição
Quanto à energia elétrica, o processo de privatização teve início há pouco tempo. O melhor caminho, na minha opinião, é privatizar mais rapidamente para atrair capital com custo mais baixo de funding. Neste caso, as empresas brasileiras estão em desvantagem. A Cargill e a Bunge & Born, por exemplo, estão tentando comprar a Ceval. Como brasileiro sinto tristeza, porque a Ceval é uma grande empresa nacional, detém mais de 25% do mercado brasileiro, e é um dos grandes exportadores de óleo vegetal e de farelo de soja, com faturamento acima de US$ 3 bilhões. Mas pelo fato de a Ceval carregar o risco Brasil, o custo do funding é superior ao dos concorrentes. Como competir com a Cargill ou com a Bunge & Born?
Vejamos o setor bancário. O Hong Kong Shangai Bank assumiu a parte boa do Bamerindus por US$ 1 bilhão. Foi de graça, tendo em vista o número de agências existentes no país e a capacidade de funding, bem mais barato do que o de qualquer outro banco brasileiro, inclusive o Banco do Brasil. É como uma corrida de 100 metros entre dois atletas com mais ou menos as mesmas condições físicas, mas em que um deles leva 10 quilos de chumbo no cinto. Não há como competir. Voltando ao setor elétrico: será que o governo tem condições de sustentar as empresas de eletricidade, como Chesf e Furnas, diante do grande desafio de aumentar a geração, transmissão e distribuição de energia para atender a um país de 160 milhões de habitantes? Não tem, e um pouco por culpa nossa, por falta de disciplina fiscal. Pelo menos nos governos de que participei, o setor público tinha uma poupança positiva, da ordem de 4% do produto, que era canalizada para investimento. Hoje, o setor público tem uma poupança negativa, o déficit chega a 8% do PIB, são US$ 60 bilhões a US$ 70 bilhões a menos que teríamos para investir. Assim, lamentavelmente, não temos mais capacidade para fazer face às necessidades de investimento do setor elétrico. Para conseguir um quilowatt de energia, o custo é de US$ 3 mil a US$ 4 mil, considerando geração, transmissão e distribuição. Um aparelho de ar condicionado é vendido por US$ 600, mas o setor de energia elétrica, para atender o consumo desse aparelho, tem que investir US$ 3 mil.
Se tivéssemos poupança positiva no setor público e fôssemos menos consumistas, teríamos capital suficiente para manter as empresas de eletricidade. Aliás, o grupo espanhol que comprou uma empresa brasileira de eletricidade recebeu financiamento subsidiado do governo de seu país para realizar a aquisição. A Electricité de France também recebeu financiamento subsidiado para comprar uma empresa brasileira. Isso acontece porque Espanha e França têm condições de subsidiar as suas empresas de eletricidade para fazer compras no exterior. No Brasil isso não é possível, o que nos deixa diante de um dilema: ou ficamos sem energia elétrica e estaremos criando um grande obstáculo para o desenvolvimento do país, ou admitimos a desnacionalização das empresas, transferindo-as para grupos estrangeiros que têm capacidade de conseguir o dinheiro a um custo mais baixo. Ou levantamos uma bandeira nacionalista e aumentamos o número de desempregados, ou então atraímos mais ainda o capital externo para aumentar a oferta de energia elétrica.
Passo gigantesco
Fui responsável pelo setor de energia elétrica no Brasil por cinco anos. Nesse período o setor deu um passo gigantesco. Na década de 50, o que o país gerava e consumia de eletricidade por ano era mais ou menos o que os Estados Unidos consumiam em uma semana. Eu me lembro de que São Paulo era uma cidade escura. Nessa época, visitando Buenos Aires, fiquei impressionado com a iluminação da cidade. Chegando de volta a São Paulo, à noite, percebi quanto éramos subdesenvolvidos. Mas fizemos um esforço e até fomos considerados (o presidente Geisel e sobretudo o seu ministro das Minas e Energia) loucos, porque tínhamos projetos faraônicos como Itaipu, Tucuruí, etc. Hoje estou mais do que convencido de que o Brasil é muito maior do que esses projetos faraônicos, porque o país se aproxima da casa de 300 mil gigawatts/hora de consumo, com 60 mil megawatts de capacidade instalada, o que representa mais do que quatro semanas de consumo nos Estados Unidos. Significa que demos um passo muito positivo no setor elétrico.
Fator São Pedro
Mas o mercado está crescendo 5% a 6% ao ano. E não temos mais nenhuma usina nova, nenhuma linha de transmissão, nenhum investimento no setor de distribuição. Então o estrangulamento é previsível. E mais de 90% de nosso sistema é baseado na hidreletricidade, que depende sobretudo de São Pedro. Se antes de resolver a questão da falta de investimentos tivermos um ano seco, vamos ter sérios problemas.
Esta questão é muito mais séria do que a do petróleo. Estamos andando perto do abismo. O tempo está contra nós, e devemos apressar as decisões. A privatização tem que ser acelerada para que se possa aumentar a oferta de energia elétrica no país. Não há nenhum impedimento de ordem legal. Aliás, há dez dias estive em Manaus, conversando com o secretário da Indústria e Comércio do estado, que me disse: "Meu maior problema é energia elétrica". Manaus já está com fornecimento de eletricidade racionado, e o racionamento é a pior coisa que pode acontecer para a economia de um país. O impacto macroeconômico é muito forte. Espero que isso não venha a acontecer entre nós.
O debate
JULIAN CHACEL Tenho três perguntas. A primeira refere-se às reservas mundiais de petróleo. Em termos de hidrocarbonetos como um todo, teríamos condições de agregar as reservas de petróleo às de gás natural? A segunda pergunta se refere à energia elétrica. Concordo com o senhor em gênero, número e grau em relação à incapacidade do Estado brasileiro de financiar a continuidade do seu programa elétrico. Se houver realmente uma crise do setor elétrico, e aí vem a segunda pergunta, não seria talvez uma resposta de curto prazo utilizar as termelétricas a gás? Por último, uma pergunta mais provocativa. O ciclo que começou em 1940 foi dominado pela energia barata, que era o petróleo. Esse ciclo aparentemente está encerrado, porque o período atual está baseado nos chips da microeletrônica. Então qual seria a projeção do conteúdo de energia no PIB, digamos, 30 a 40 anos à frente, no caso brasileiro? Parece-me que por unidade de produto o consumo de energia deveria cair e, em conseqüência, as projeções de demanda e de oferta talvez precisassem ser revistas, dentro de um padrão tecnológico inteiramente novo.
UEKI Com referência à reserva mundial de petróleo, na década de 50 o volume
era suficiente, considerando o consumo anual daquela época, para 30 anos. Nessa década,
porém, se acendeu uma luz de advertência: "Estamos no fim da era do
petróleo". Mas, depois de dez anos de consumo crescente, novos dados indicaram que
ainda havia petróleo para 35 anos. Quando veio a crise do petróleo, tínhamos reservas
para 30 anos, sempre considerando o consumo do ano. Na década de 80, chegamos a 40 anos
de reservas. Hoje, com 1 trilhão de barris de reservas, ao consumo atual estamos
igualmente perto dos 40 anos de reservas. Isso em termos de petróleo e gás natural,
transformado em barril equivalente. Aliás, considerando gás natural ultrapassamos 1
trilhão de barris. O que indica que o mundo ainda tem muito petróleo e muito gás no
subsolo. Outro dado é a redução do custo de produção. Na década de 70 surgiram as
sondas que perfuram horizontalmente. Depois do furo vertical, fazem uma curva quase de 90
graus para continuar a perfuração horizontal. Para a indústria do petróleo, foi uma
descoberta fantástica. Hoje, furar horizontalmente é muito comum.
A grande questão é que as reservas de petróleo se concentram em algumas regiões. A
Venezuela, por exemplo, é um país riquíssimo em hidrocarbonetos. O Oriente Médio já
é conhecido, e na área central da Rússia estão acontecendo grandes descobertas. Essa
concentração das reservas faz com que as empresas de petróleo comecem a investir
também em países importadores, como o Brasil. Por quê? Porque o prêmio, com a
descoberta do petróleo e a produção, é o preço médio. Num país importador, o custo
será sempre menor do que num país exportador, porque o petróleo já está dentro do
mercado consumidor. Quanto ao gás natural, terá peso cada vez maior no energy mix, não
somente no Brasil, mas no mundo inteiro.
Com referência à necessidade de produzir energia elétrica com o uso de gás natural,
trata-se de assunto da maior importância. Não podemos esquecer que somos ainda um país
devedor. Temos o maior déficit em conta corrente do mundo, este ano perto de US$ 34
bilhões. Por isso precisamos aproveitar os recursos naturais que o Brasil tem para gerar
energia elétrica, mesmo com baixo poder calorífico. E é também por essa razão que
defendo o álcool com grande ardor, além de tudo porque sou o responsável pelo
Proálcool. Concordo, então, Chacel, com o uso de gás natural importado para gerar
energia elétrica, mas somente para atender a uma emergência. O senhor sabe muito bem que
o problema hoje no Brasil no setor elétrico é energia de base. Temos que gerar 24 horas
por dia. Para atender a ponta há usinas hidrelétricas supermotorizadas, porque o consumo
de energia não é constante, em determinadas horas aumenta e depois cai. As usinas estão
preparadas para atender o consumo de ponta. Mas o que é preciso é a base. E para a base,
a primeira opção é o carvão mineral nacional. A segunda alternativa vou ser
mais provocador ainda é a energia nuclear. A terceira, carvão vapor importado.
Quarta opção, óleo combustível ou óleo pesado da Venezuela. E quinta alternativa,
gás natural. E não o contrário. Hoje, todo mundo diz que para resolver o problema de
energia elétrica no Brasil a solução é gás natural. Quanto vai custar essa conta para
o povo brasileiro?
CHACEL E o próprio álcool. A primeira visão que se tem quando se fala em turbina a gás é que ela utiliza gás de refinaria. Pode-se usar o álcool.
UEKI Perfeitamente. Coloco o gás, portanto, como última alternativa, só para
atender a uma emergência.
Quanto a sua questão sobre como estará a situação daqui a 30 ou 40 anos, não sei
responder. Digo apenas o seguinte: numa economia desenvolvida consome-se menos energia,
para cada US$ 1 de produto, que em economias menos desenvolvidas. Em países como Estados
Unidos, Alemanha e Japão, o crescimento da economia está muito mais na área de
software, microchips, cujo consumo energético é menor. Com uma renda per capita em torno
de US$ 4 mil, ainda vamos precisar de muita energia para alavancar nosso progresso.
JOSUÉ MUSSALÉM Se além da quebra do monopólio, privatizássemos a Petrobras, não estaríamos reforçando um gigantesco cartel internacional de grandes produtoras de petróleo? Segunda pergunta: sou pernambucano e no meu estado divulgou-se que a Shell está estudando a instalação de uma usina termelétrica de grande porte em Suape. O investimento estimado é de US$ 2 bilhões, maior até do que o previsto para uma refinaria de petróleo, que é uma disputa antiga, até hoje não resolvida. O gás viria do Rio Grande do Norte. O senhor vê o gás natural como a quinta opção em termos energéticos alternativos ou complementares ao petróleo, mas no nordeste essa opção não seria mais barata, já que o gás vem do Rio Grande do Norte?
UEKI A Shell está investindo bilhões de dólares na Nigéria para liquefazer o
gás natural e está procurando mercado para esse produto. É lógico que a Shell pretende
vender a quem pagar preço maior. Como no nordeste também precisamos de melhor preço, a
vantagem é instalar uma usina termelétrica em Suape e outros locais da região. Montar
uma usina termelétrica a gás não é difícil. O capital necessário é baixíssimo. Mas
o combustível é caro. No início nos beneficiamos com custo de capital baixo por
quilowatt, mais ou menos US$ 300, mas vamos ficar a vida inteira pagando em dólares o
gás natural. Eu não faria isso.
O Brasil é o maior exportador de minério de ferro do mundo mais de 100 milhões
de toneladas e um grande exportador de grãos. Os graneleiros vêm vazios. Podem
trazer carvão da Colômbia, da África do Sul ou da Austrália. Certamente o custo em
dólares será menos da metade em relação ao gás natural. Nos Estados Unidos novos
projetos para geração de energia elétrica são a carvão.
MUSSALÉM Mas o carvão tem restrições ambientais.
UEKI Se os Estados Unidos ampliam suas usinas elétricas com base no carvão, vamos ser mais ambientalistas que os norte-americanos? Se o Japão constrói novas usinas a carvão, vamos ser mais ambientalistas que os japoneses? Consumir energia elétrica tomando dinheiro emprestado para comprar uma fonte de energia mais cara tem sentido para um país devedor?
MUSSALÉM Mas, ministro, esse gás não poderia ser do Rio Grande do Norte, que tem uma grande reserva?
UEKI Quem construiu o gasoduto no estado fui eu. Aliás, contra a opinião dos técnicos. Quando vi gás queimando nos campos de petróleo do Rio Grande do Norte, defendi a idéia de construir o gasoduto e chamei aquilo de Nordestão. Os geólogos diziam que não tínhamos gás suficiente para pagar o investimento do gasoduto. No entanto, hoje está mais do que provado que recuperamos o investimento, e ainda temos gás. Mas ele é insuficiente para sustentar uma usina térmica por muito tempo, já que muitas empresas fizeram investimentos com base no gás natural e a Petrobras assumiu o compromisso de entrega por um certo período. Gás natural exige contratos de longo prazo. Então toda a produção está comprometida.
ROBERTO PENTEADO O Brasil apresenta hoje outra crise: o Proálcool. O agricultor brasileiro mostrou eficiência e o país se tornou um mar de cana. Mas o álcool produzido destinou-se ao motor de ciclo Otto, de aproveitamento calórico baixíssimo, um motor deficiente. Nosso problema é o diesel. O motor a álcool nunca saiu da prancheta. Com toda a certeza, as montadoras tinham plena convicção de que um dia o programa seria paralisado. E as usinas de álcool, vão produzir aguardente? Como fica a situação?
UEKI Quanto à questão do diesel e do álcool, o diesel é um middle
distillated. Destilado é nafta, gasolina e LPG. O óleo combustível é bottom. Para
máquinas pesadas, caminhões, ônibus e tratores, o diesel é o melhor combustível. A
esse respeito, gostaria de dizer o seguinte: fui o responsável pela dieselização do
país, junto com o presidente da Mercedes-Benz na época. Em 1969/70, a grande maioria dos
caminhões do Brasil utilizava gasolina. Em 1970, o Brasil tinha 1% da capacidade de
refino com destilação atmosférica, 2% da capacidade mundial de destilação a vácuo
para buscar mais destilados e 5% da capacidade mundial de craqueamento catalítico. O
nosso mercado constituía 1% do mundial. Então, o mundo ou o país, um dos dois estava
errado. Chamamos a Mercedes-Benz, cujo presidente me disse: "Senhor Ueki, com o
preço do diesel próximo ao da gasolina, é mais barato comprar caminhões a gasolina,
porque por tonelada transportada sai mais barato. O motor diesel é mais caro". E ele
sugeriu aumentar o diferencial para 30%, que seria o ponto de equilíbrio. Se a gasolina
custa US$ 1, o diesel deve custar US$ 0,70. Chegando-se a 35% de diferencial, cria-se um
incentivo ao consumo. E se chegássemos a 35%, ele assumiria o compromisso de montar uma
grande fábrica de caminhões e ônibus a diesel no Brasil. Falamos com o presidente
Ernesto Geisel, que determinou: "Vamos começar com 35%, e depois chegamos a
30%". Seguimos isso por mais de dez anos e deu certo. Mas os governos que nos
sucederam chegaram a vender o diesel por menos de 50% do preço da gasolina. O diferencial
de preço era tão grande que até para uso menos eficiente o diesel passou a ser mais
conveniente. Esse erro de política de preços do governo fez com que hoje o consumo de
diesel no país seja desproporcional.
Também foi um erro misturar álcool no diesel ou na gasolina, porque temos regiões que
não produzem álcool, como o Rio Grande do Sul. Por que misturar o álcool em Porto
Alegre, onde se produz MTBE, que é um aditivo para melhorar a gasolina? A Copersul
exporta esse produto para os Estados Unidos, mas temos que levar álcool de São Paulo
para Porto Alegre porque uma lei obriga a colocar 22% na gasolina. As soluções técnicas
não devem ser definidas por lei. Aliás, o grande problema no Brasil é a lei, lei em
excesso.
ROBERT APPY Para mim, os malogros do ministro Ueki aconteceram em dois setores: nos contratos de risco e na energia nuclear. Acho que a Petrobras fez o que pôde para impedir o contrato de risco. Gostaria, agora que Ueki não é mais ministro, que explicasse esse malogro. Quanto à energia nuclear, sou bastante favorável a ela na França, mas não no Brasil, porque aqui ela até agora não existe. Angra I funciona só de vez em quando.
UEKI Um velho ditado inglês diz que nobody is perfect. Cometi muitos erros, mas
nesses dois assuntos não concordo com Robert Appy. Acertei no contrato de risco e também
na energia nuclear. Vou explicar. Não foi fácil vencer a batalha do contrato de risco.
Mas como sou teimoso, corri o risco e consegui. Na Petrobras muitos discordavam e
trabalharam contra. Tive que demitir um diretor e outros superintendentes. Depois de oito
ou nove meses, cobrava sempre do general Araken de Oliveira, presidente da Petrobras:
"Como é que vai o primeiro contrato com a British Petroleum? Preciso do primeiro
contrato para consolidar essa abertura". E o general ganhava tempo: "Ainda não
veio o documento. Vamos apreciar". Já íamos comemorar um ano da abertura do
contrato de risco e não tínhamos um sequer assinado. Convoquei o general Araken:
"Se o senhor não assinar esse contrato com a British Petroleum até o dia tal, está
demitido. Se o presidente não aceitar sua demissão, eu me demito". Um dia antes da
data fatal, o general me ligou à noite, confirmando a assinatura. Assinamos mais de cem
contratos de risco, com empresas que investiram centenas de milhões de dólares, porque
acreditavam que tinham chance de encontrar petróleo. Infelizmente, a única descoberta
foi um pequeno campo de gás, feita pela Shell. É o risco. Então não foi um fracasso.
Quem fracassou foram os que estão no governo hoje, que em 1988 meteram o monopólio na
Constituição, e já são dez anos que o Brasil deixou de receber investimentos em
petróleo das empresas estrangeiras, o que agora conseguiram alterar.
Quanto à energia nuclear, é evidente que naquela ocasião, com a crise do petróleo, o
Brasil tinha que buscar alternativas. O mundo todo estava utilizando energia nuclear. Quem
decidiu a construção da primeira usina nuclear foi o general Costa Cavalcanti, que era
ministro de Minas e Energia no governo Costa e Silva e comprou um reator da Westinghouse,
esse que está sendo chamado de vaga-lume. A empresa estava vendendo esse reator para
vários países do mundo. É de água leve, um pressurized light water reactor. O urânio
enriquecido era monopólio do governo americano, na época. A Europa fazia um esforço
para se livrar desse monopólio, buscando tecnologia para enriquecer urânio. A França e
a Alemanha depois se juntaram num consórcio, uma história parecida com a do Airbus.
Quando a Eletrobrás trouxe o programa, previam-se oito reatores nucleares até o ano
2000, contando com um desenvolvimento que não houve, depois da década perdida. Assim,
foram postergando a conclusão das obras de Angra II e III. Talvez tenha sido um sonho de
um imbecil, mas sempre sonhei com este país grande. Levei o programa ao presidente. O
objetivo era fazer um projeto com um país parceiro. E fazer também um programa de
investimento em que o índice de nacionalização dos reatores fosse progressivamente
maior, com componentes brasileiros. Se eu quero ter um país desenvolvido, será que é
sonho pensar em um programa importante como o nuclear?
Outro dia, o deputado Delfim Netto me disse o seguinte: "Sabe quanto era o custo do
pessoal no ano em que deixamos o governo? Era de 9% do PIB". Hoje é 16% a 17% do
PIB. Loucura não é a energia nuclear, é essa farra de remuneração de funcionários
públicos. Pode haver um crime maior do que isso em um país pobre como o nosso? Em vez de
consumir 8% do PIB for nothing, eu preferiria ter 20 reatores KWU a US$ 5 mil por
quilowatt instalado. Hoje, se alguém defende as nucleares, é mandado para o hospício.
Enquanto isso, França, Estados Unidos, Japão, Alemanha e outros países continuam
projetando, construindo e operando novas usinas nucleares. Será que eles estão errados e
nós certos?
APPY Não era para falar tanto do passado, mas do futuro. Existe possibilidade de desenvolver a energia nuclear no Brasil?
UEKI Se a racionalidade prevalecer, a energia nuclear vai ser desenvolvida no país.
PENTEADO Mas o parque hidrográfico, o solo, os rios, tudo aqui é diferente da França.
UEKI Já aproveitamos tudo. Não temos mais.
AMÉRICO CAMPIGLIA O vale do Ribeira ainda é a região menos desenvolvida do estado de São Paulo. No início da década de 70, já fazia dez anos que o governo tinha um projeto de construir uma barragem no rio Ribeira, com a finalidade principal de combater as inundações, o alagamento e o mau aproveitamento das terras férteis do vale. No exercício da presidência do Banco de Desenvolvimento do Estado de São Paulo, tive a oportunidade, em Paris, de travar conhecimento com os representantes da internacionalmente famosa Nobel Bosel, campeã em produção mundial de ferro-liga. E a empresa estava disposta a instalar no vale do Ribeira uma usina para fabricação de ferro-liga, comprometendo-se a plantar 3 milhões de pés de eucaliptos e a utilizar a ferrovia Santos-Juquiá para escoar a produção. O governo do estado faria a barragem no rio Ribeira, que era uma das exigências da Nobel, sendo que a empresa, entretanto, construiria, às suas expensas, uma usina hidrelétrica para gerar a energia necessária a seu funcionamento. O projeto foi encaminhado ao então ministro das Minas e Energia, que não era o senhor Shigeaki Ueki. Mas para nossa surpresa o ministro estabeleceu uma exigência que inviabilizou a execução do projeto. Pela água que seria consumida na usina, a empresa teria que pagar um preço tal que o custo do quilowatt, gerado em usina própria, fosse equivalente ao preço do quilowatt no mercado brasileiro. Assim perdemos a oportunidade, e até hoje o vale do Ribeira permanece mais ou menos na mesma condição em que se encontrava naquela época. Pergunto ao senhor qual teria sido o fundamento que prevaleceu nesse parecer do Ministério de Minas e Energia.
UEKI Professor Campiglia, é lamentável que o projeto não tenha sido aprovado. Por que não foi? Tenho uma pequena experiência de Brasília, onde fiquei por 17 anos. Acho que, em Brasília, qualquer proposta que vem de São Paulo é suspeita, porque este é o estado mais desenvolvido, mais rico e, na ótica brasiliense, quer ser cada vez mais rico e mais poderoso. Então um projeto do estado de São Paulo recebe menos atenção. Se fosse do Piauí, por exemplo, a história seria diferente. O Congresso é na sua maioria antipaulista. Não tenho condições de lhe dizer por que o ministro não autorizou. O que posso dizer é que, quando estive no governo, aprovei todos os pedidos da iniciativa privada.
IRANY NOVAH MORAES Por que a unidade em petróleo é barril, se, no caso do vinho, a unidade usada é tonel?
UEKI Um barril tem 159 litros. Mas para responder a sua pergunta vou contar o que aconteceu com Leopoldo Miguez, o pai da petroquímica no Brasil, numa reunião na Escola Superior de Guerra. Leopoldo Miguez falava de petróleo, de barris, etc., quando um tenente-brigadeiro se levantou e disse: "Quero lavrar um protesto. Os senhores ficaram duas horas conosco falando em barril de petróleo, mas o Brasil adotou o sistema métrico decimal. Então os senhores deveriam dizer tantos metros cúbicos ou tantos litros. Por que barril?" O doutor Leopoldo respondeu: "Eu concordo com o senhor, mas é a linguagem que nós, homens do petróleo, usamos, e só assim nos entendemos. Mas aceito transformar tudo em metros cúbicos se os senhores começarem a voar também em metros. Por que sempre falam em 10 mil ou 20 mil pés de altura?"
IRANY Eu queria também saber se é verdade que os Estados Unidos abrem um poço e fecham para comprar de fora, que é mais barato.
UEKI Isso me faz lembrar a colocação que Paulo Maluf me fez na casa de Delfim Netto: "Tenho provas de que existe petróleo em São Paulo, porque vocês, da Petrobras, furam, acham petróleo e gás natural, depois tapam com concreto porque não querem produzir, porque aí o poderio de São Paulo cresce, e isso não está dentro da política do governo federal e nem da Petrobras". Eu respondi: "Governador, o senhor acha que, com o Brasil importando 85% do petróleo que consome, iríamos tapar poços em São Paulo para não produzir? Sabe por que tapamos com concreto? Para não cair gente ou um animal no poço, pois na superfície o diâmetro é maior. É para evitar acidentes. E também sempre há uma pequena emanação de gás". Nos Estados Unidos, nunca uma empresa de petróleo faria isso, porque, embora tenham sido auto-suficientes por um pequeno período, hoje importam 50% de seu consumo. Consomem mais ou menos 17 milhões de barris de petróleo por dia e importam 8 milhões a 9 milhões de barris. Agora, quando a produção cai a um nível muito baixo, é melhor fechar o poço, porque a despesa não compensa a receita.
SAMUEL PFROMM NETTO O senhor se referiu à China, onde estive há pouco tempo. A China me comove, me fascina e também me preocupa. Entre outras razões, porque os chineses enfrentam imensos problemas e desafios na área da educação. Problemas que são, aliás, muito piores do que os nossos, tanto do ponto de vista quantitativo como do qualitativo. Minha pergunta, no entanto, se refere ao petróleo. Em fins de julho, a revista Time prognosticou a ocorrência nos próximos anos de uma nova crise mundial no preço do petróleo, semelhante àquela que ocorreu em 1974 ou ainda pior. E a revista relaciona essa nova crise ao crescente envolvimento da China na economia do petróleo mundial. Há uma previsível influência chinesa na ruptura do atual equilíbrio de preços. Gostaria de saber a opinião do ministro sobre esse perigo chinês.
UEKI Participo de quase todas as reuniões importantes que se fazem sobre petróleo no mundo. Em todas essas reuniões, quando se fala em mercado de petróleo, por mais de 50% do tempo se fala da China. Por quê? O Brasil tem, para cada mil pessoas, cem automóveis. A China, por mil habitantes, ainda não tem seis veículos. Se a China chegar a ter 50 veículos, o que não é nada, para não dizer cem, haja petróleo no mundo. A China está crescendo este ano novamente na casa dos dois dígitos. A crise dos Tigres Asiáticos em grande parte se deve à transferência de Hong Kong para a China. Tailândia, Indonésia, Filipinas e Malásia têm condições de competir com a China? Se ela continuar registrando crescimento de dois dígitos, em cinco anos dobrará o consumo de petróleo. E não só de petróleo, mas de óleo vegetal, de carne de boi, de frango, de milho, de tudo. Assim, vamos ter crise de soja, de café, de açúcar. Oxalá os chineses consumissem 1 quilo mais de açúcar cada um, porque o consumo deles é baixíssimo. Seria nossa grande chance.
FLÁVIO PÉCORA O senhor fez uma referência a uma hierarquia de aplicações de energia começando pelo carvão nacional, o que me surpreendeu porque sempre ouvi dizer que nosso carvão é pobre. Segundo ponto: quanto custa, afinal, um barril de petróleo brasileiro? E a terceira pergunta é a seguinte: como o senhor vê a importação de energia elétrica do Paraguai e da Argentina?
UEKI O custo de produção de petróleo, quando estive na Petrobras e hoje não deve ser muito diferente -, era em torno de US$ 5 a US$ 6 por barril no mar e, em terra, menos de US$ 2,5 a US$ 3. Esse deve ser o valor, incluindo o custo de capital. Não está incluído o custo do investimento para descobrir o petróleo, a exploração. Esse custo, dependendo do ano, está entre US$ 3 e US$ 4 por barril. Com referência à importação, trazer gás natural da Bolívia, apesar de o pagamento ser em dólar, não nos assusta, porque temos um vaso comunicante com esse país. Importar do Paraguai, da Argentina e da Venezuela também não assusta.
ISAAC JARDANOVSKI Uma pessoa que teve que sair antes desta reunião deixou uma questão que diz respeito aos contratos de risco. É voz corrente que eles falharam, principalmente porque as reservas do Brasil estão em águas profundas, que exigem grandes investimentos, alta tecnologia, tornando o risco muito maior. O senhor acha que, com a flexibilização do monopólio, as empresas estrangeiras virão para modificar esse quadro?
UEKI Hoje estou mais do que convencido de que as empresas virão em grande número, muito interessadas, mesmo em águas profundas, porque a tecnologia desenvolveu-se muito.
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