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Marcha reduzida

Renasce a polêmica do Programa Nacional do Álcool, que já foi considerado o salvador da pátria

MIGUEL ROBERTO NÍTOLO

São duas situações de forte contraste: numa, de cada cem automóveis montados pela indústria automobilística brasileira 96 são movidos a álcool hidratado; noutra, os veículos saem da linha de produção equipados exclusivamente com motores a gasolina. O primeiro panorama, que fez a felicidade de usineiros e bóias-frias, data de 1985; o segundo, malvisto por todos os segmentos econômicos que investiram tempo e dinheiro para viabilizar o combustível da cana-de-açúcar, pertence aos dias atuais. Para os mais pessimistas, aqueles que não acreditam numa "volta por cima", o Proálcool morreu. Para os otimistas, sempre de plantão e prontos a pintar de rosa o mais negro dos quadros, o programa do álcool experimenta um profundo sono hibernal, apenas e tão-somente isso.

Não é demais lembrar que em outras épocas, da mesma forma que agora, sua morte foi anunciada com convicção por críticos de unhas afiadas, que ainda hoje se batem ferozmente contra o programa. No final da década passada, quando a oferta do álcool não conseguia acompanhar a demanda e o país se via obrigado a importar metano, foram inúmeras as vozes que se levantaram contra o combustível. Diziam que o petróleo era e continuará sendo - pelo menos até meados do próximo século - o único combustível técnica e economicamente viável. Também afirmavam que o carvão mineral é o sucedâneo natural do petróleo e seus derivados, uma vez que as enormes reservas desse material sólido e negro ao redor do mundo conduzem a essa conclusão. Ou seja, para o álcool, segundo esses entendidos, não sobra espaço.

Pelo sim, pelo não, o fato é que ao longo dos últimos anos o dia-a-dia do Programa Nacional do Álcool - que o governo Ernesto Geisel, seu criador, batizou pomposamente de Proálcool - transformou-se numa sucessão de trombadas com as turbulências que acompanharam os passos da economia até meados de 1994. O Proálcool nasceu num momento de grande comoção nacional, quando, por conta do custo elevado do petróleo importado, as pessoas tinham a sensação de que a nação se achava à beira de um abismo. "O choque do petróleo, movimento desencadeado pelos países árabes ao elevarem bruscamente os preços do combustível, passou uma rasteira nas finanças das nações dependentes do produto fornecido especialmente pelo Oriente Médio, caso do Brasil", recorda o professor Júlio Maria Martins Borges, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, um especialista nas áreas de política econômica e projetos de investimentos. Borges, que é diretor da JOB Economia e Planejamento, uma empresa de consultoria, lembra que em 1973, ano em que a confusão teve início, o preço médio do barril de petróleo saltou de US$ 2,5 para US$ 10,5, chegando a atingir US$ 35 ao longo da crise fomentada pela então maquiavélica Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).

Sangria

O Brasil, é certo, não pertence ao time de nações que vive integralmente à custa do produto alienígena. No entanto, ainda dependemos da importação para saciar parte de nossas necessidades, notadamente as representadas pela frota circulante de 25 milhões de veículos. Por mais que a Petrobrás alardeie que a auto-suficiência está próxima, é correto supor que ela está cada vez mais distante. A produção da estatal é, atualmente, de 900 mil barris diários, oferta que exige a importação de outros 550 mil barris para dar conta das necessidades da nação a cada período de 24 horas.

A compra externa de petróleo e seus derivados motiva, mensalmente, a sangria de US$ 400 milhões a US$ 500 milhões em divisas, uma fortuna para uma nação às voltas com crescente déficit na balança comercial. A Petrobrás, informa a direção da empresa, tem planos de investir US$ 10 bilhões para elevar sua produção anual em 600 mil barris nos próximos cinco anos. Isso não quer dizer que a auto-suficiência está ao alcance de nossas mãos. Daqui a cinco anos, a frota nacional de veículos, que cresce a um ritmo alucinante, estará - por razões óbvias - requerendo um volume maior de combustível. Previsões das montadoras apontam para a produção anual de 2,5 milhões a 3 milhões de veículos na virada do século, de 700 mil a 1,2 milhão de unidades além da oferta atual.

Se a questão é problemática ainda hoje, quando as vendas externas do país (apesar de pouco representativas em termos globais) são superiores às registradas nos anos 70 - ou seja, o gasto com o petróleo deixou de ser um bicho-papão e passou a ser apenas mais um dos muitos itens de peso na pauta de nosso comércio internacional -, imagine o rebuliço que a elevação desmedida do preço do barril pela Opep provocou em nossas finanças 20 anos atrás. Nos anos 70, nossas reservas não roçavam os US$ 60 bilhões de agora, e a dívida externa - que crescia como um bolo carregado de fermento - era um complicador a mais para o governo. Foi então que Brasília teve a feliz idéia de estimular o desenvolvimento de alternativas locais capazes de substituir, em parte, o petróleo importado. Diante da gravidade da situação, isso significava que o Brasil teria de resolver seu problema por conta própria.

A decisão de criar o Proálcool data de 1974, primeiro ano do mandato do general Ernesto Geisel na presidência da República. A implantação efetiva começou no ano seguinte, mas a passo de cágado. Nos primeiros anos, a produção era de álcool anidro, usado em substituição ao chumbo tetraetila (agente altamente poluidor) como aditivo antidetonante da gasolina. Há 23 anos, quando o programa do álcool ganhou vida, a Petrobrás consumia nessa mistura 300 milhões de litros de álcool anidro.

"A rigor, pode-se dizer, o Proálcool foi um mal necessário, um remédio utilizado pelo Brasil para contornar a delicada situação da balança de pagamentos", diz o professor Borges.

Seja como for, o fato é que o programa foi saudado com muito foguetório; a importância da ocasião justificava tais arroubos. O Brasil - festejava a opinião pública - estava dando uma resposta madura aos xeques da Opep. No entanto, sabiam as pessoas responsáveis pela execução do Proálcool, não havia espaço para a embriaguez da euforia. Em 1979, deu-se o segundo choque do petróleo, e a elevação dos preços do barril pegou o Brasil mergulhado numa forte crise cambial e sob a ameaça da falta de combustíveis. O programa acabou sendo ampliado e estendido, agora prevendo o incremento da produção e uso do álcool hidratado para ser queimado diretamente no motor dos automóveis.

Os anos 80 foram marcantes para o Proálcool. A década começou com uma grande onda de incentivos. Para os usineiros instalarem suas usinas de produção foram abertas linhas de crédito de onde jorravam milhões de dólares, dinheiro que deveria ser restituído aos cofres das instituições financeiras em prazos longos e a juros baixos. O estímulo para os consumidores modificarem os motores de seus carros para o uso do novo combustível era o preço na bomba, 50% inferior ao da gasolina. A bem da verdade, é preciso ressalvar que, além de arcar com um alto custo de produção, que o torna oneroso em relação à gasolina, o álcool tem ainda a desvantagem de apresentar poder calorífico menor. Isto é, ele não será competitivo, por exemplo, se for vendido a um preço igual ou superior ao da gasolina.

Conversões sofríveis

O sucesso do programa era um fato inquestionável, e as campanhas publicitárias encomendadas pelo governo se incumbiam de passar à sociedade a informação de que a investida tinha tomado o atalho certo. Nem mesmo as péssimas transformações de motorização (gasolina para álcool) dos primeiros tempos chegaram a representar uma ameaça para o programa. No entanto, os críticos do Proálcool não viam com bons olhos a concessão de fortes incentivos e a destinação de grandes áreas agrícolas, anteriormente ocupadas pela cultura de alimentos, para o plantio da cana-de-açúcar. Além de tudo, o preço do petróleo começava a cair no mercado internacional, enquanto o do álcool se mantinha estável. Nessa época, mais do que nunca, ampliou-se o tom dos ataques contra o combustível. "O Proálcool deveria ter acabado por volta de 1981, quando a produção e a venda dos carros a álcool estavam estagnadas em 10%", esbraveja um outrora influente empresário do setor automotivo.

O fato é que, mesmo com as benesses governamentais, o Proálcool, que já andava mal das pernas, começou a rodopiar. Mas não levou o tombo que os contras ansiosamente aguardavam. O programa ainda vive e não são poucos os movimentos realizados aqui e ali em nome de sua revitalização. Por isso, é errado imaginar que o programa do álcool saiu de cena. Mas é certo que a indústria automobilística deixou de oferecer ao mercado modelos movidos com o combustível por total ausência de pedidos. As pessoas se desinteressaram por eles porque, segundo dizem, perderam a confiança no Proálcool. Contudo, as usinas persistem despejando o produto na praça: ele continua sendo adicionado à gasolina e, conforme informações da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), fazendo rodar pouco mais de 4 milhões de veículos da frota nacional que utilizam o combustível. Ou seja, o Proálcool - que para muitos é um caso encerrado, uma página virada da política energética nacional - continua cumprindo com suas obrigações no plano energético. Apenas adormeceu por uma série de razões que começam agora a ser discutidas e reavaliadas. Revivescer os números e as conquistas de outrora, no entanto, não é uma tarefa fácil.

"Sob muitos aspectos, é inegável que o desenvolvimento da produção e o uso intensivo do álcool carburante foram um sucesso no Brasil", ressalta o professor da Fundação Getúlio Vargas Plínio Mário Nastari, consultor para recursos de biomassa (exceto madeira) do Conselho Mundial de Energia (CME). Nastari diz que na safra 96/97 foram produzidos e consumidos, respectivamente, 238 mil e 249 mil barris diários de álcool anidro. O técnico do CME salienta que "o Proálcool, que demandou investimentos de US$ 12 bilhões, possibilitou a criação de centenas de milhares de novos empregos e, até o final do ano passado, permitiu ao país economizar mais de US$ 32 bilhões em divisas, montanha de dinheiro que teria sido consumida com a importação de petróleo e derivados se o programa não tivesse saído do papel". Nastari argumenta que a permanente perspectiva de elevação do preço do petróleo mantém vivo o caráter estratégico da alternativa renovável. Infelizmente, segundo o técnico do Conselho Mundial de Energia, "chegamos a uma dramática condição: o consumo de álcool é um fato no Brasil, mas não há mercado para o combustível. Não há dependência, não há valorização do álcool como produto junto ao consumidor".

Pés de barro

Felizmente, aumenta a cada dia o número de pessoas que se batem contra a desativação do programa. Elas dizem que, dando continuidade ao projeto, a Petrobrás e os usineiros, o Estado e a iniciativa privada, por si e sob a coordenação do governo e a vigilância da sociedade, podem trabalhar de forma construtiva e complementar em nome da reativação do Proálcool. Uma coisa os defensores do combustível da cana-de-açúcar não podem contestar: o programa do álcool é, na atual conjuntura, um gigante com pés de barro. Apesar disso, não deve ser desativado, ainda que seja, conforme recomendações feitas no passado por especialistas da área, apenas para manter estável a demanda do combustível. Não tem lógica desprezar um investimento como o que foi feito. E não se pode simplesmente chamar os donos de carros a álcool e dizer que tudo acabou.

Era evidente que, mais dia, menos dia, acabaríamos chegando à situação de hoje, observa o presidente da Anfavea, Silvano Valentino, chairman do Grupo Fiat no Brasil. "O consumidor rejeita o automóvel a álcool, cujo custeio de combustível é superior ao do similar a gasolina." Ele conta que no primeiro quadrimestre deste ano foram vendidos apenas 157 veículos leves a álcool, de um total de 525 mil unidades montadas no período. Diz que a retomada do mercado está na dependência de algumas medidas de importância capital. "A primeira delas deveria contemplar o barateamento do veículo a álcool. Outra, que entendo imprescindível, seria a garantia de compensação da diferença energética entre o álcool e a gasolina. Ou seja, com o preço do combustível da cana-de-açúcar fixado em, no máximo, 75% do preço da gasolina. Hoje esse percentual é de 82%." Valentino também apontou outros dois estímulos que considera primordiais para o incremento das vendas: vantagens no licenciamento anual e confiança plena na disponibilidade do combustível. "Dominamos a tecnologia e a produção do veículo a álcool carburante, sabemos produzir o combustível, e o público, se incitado, voltará a responder bem ao produto, como garante o histórico do programa." O presidente da Anfavea revelou que tem um triste presságio a respeito da retomada do programa. "Sinto que parte do governo está concluindo que o programa não deve ser reativado. Se esse raciocínio estiver correto devo concluir, infelizmente, que o carro a álcool está chegando ao fim, como mostram os números do mercado."

É claro que Valentino está sendo catastrófico além da conta. O mesmo acontece com alguns políticos, que não usam meias palavras para dizer que as autoridades ainda não assimilaram a gravidade da situação. "As medidas adotadas até agora pelo governo para o fortalecimento do Proálcool são frágeis", reclama o senador do PFL de Alagoas, Guilherme Palmeira. "O programa encontra-se em decadência e corre o risco de extinção por falta de apoio do Estado." Ele salienta que nunca é demais lembrar que o setor é hoje grande empregador de mão-de-obra em sua região. "Em Alagoas, 30% das pessoas empregadas trabalham na produção de álcool e açúcar." Palmeira afirma que o governo queria liberar em novembro do ano passado os preços do álcool. No entanto, diz, por não dispor de um mecanismo alternativo ao atual sistema de subsídios cruzados, adiou o início da liberação.

Produção cara

A safra de más notícias para o programa do álcool tem tido o condão de mexer com a sensibilidade das pessoas. "Já foram liberados os preços dos fretes de combustíveis e as margens de revenda e de distribuição, medidas que incentivaram a concorrência entre as diversas empresas que atuam na área", comenta Henry Joseph Jr., presidente da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA). "Está próximo o dia da liberação dos preços básicos - a desregulamentação nas bases primárias -, que são aqueles cobrados diretamente pelos produtores, o que fará com que os preços dos derivados de petróleo, principalmente a gasolina, venham a ser praticados em níveis internacionais, ou seja, despidos dos subsídios." Joseph argumenta que, independentemente do efeito benéfico que tais medidas venham a trazer à livre concorrência e ao consumidor final, a pergunta que se faz é a seguinte: o álcool combustível terá chances de competir, apesar dos significativos aumentos de produtividade alcançados pela indústria sucroalcooleira e diante do fato de o setor continuar amargando custos de produção superiores ao da gasolina? "Sem a regulamentação, a liberação dos preços pode colocar o Proálcool a pique, só que desta vez definitivamente."

É errado supor que Brasília está assistindo a tudo isso de braços cruzados. O presidente Fernando Henrique Cardoso por diversas vezes pronunciou-se a respeito do assunto dizendo que é de seu interesse patrocinar o fortalecimento do programa. FHC deixou a retórica de lado em agosto último, quando recomendou a constituição do Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool (Cima), com o objetivo específico de "assessorar e propor medidas visando ao desenvolvimento do setor sucroalcooleiro". Capitaneado por Francisco Dornelles, titular do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo (MICT), o Cima é formado por representantes de todos os ministérios relacionados aos assuntos do segmento e - através do Comitê Consultivo para a Política Sucroalcooleira - assessorado por pessoas envolvidas com o cultivo da cana e a produção de açúcar e de álcool. Para ser mais preciso, o Cima ganhou vida para dar respostas às dúvidas que pairam ameaçadoras sobre o futuro do Proálcool. O governo sabe que não pode consentir com o esfacelamento de um programa que, segundo fontes oficiais, dá emprego a mais de 1 milhão de pessoas. "Já começamos a perder esses empregos e estamos na iminência de perder mais 200 mil, 300 mil, 500 mil", lastima-se o presidente do Sindicato da Indústria de Fabricação de Álcool no Estado de São Paulo, Oscar Figueiredo Filho.

É claro que a indústria alcooleira encolheu nos últimos anos por conta do recuo do programa, mas a situação está longe de poder ser comparada com a de outras culturas, como a do algodão, citada por Figueiredo. A Sociedade dos Produtores de Álcool de São Paulo (Sopral) informa que apenas nos primeiros quatro meses do ano o consumo de álcool hidratado caiu quase 20% em relação a 1996. No entanto, o álcool anidro - aquele adicionado à gasolina - vem registrando demanda crescente. Menos mal, já que uma coisa pode em parte compensar a outra.

Afinal, do que estamos falando? Onde está a crise do Proálcool? Onde se esconde o perigo do desemprego em massa? Como falar que o programa do álcool morreu ou está em acelerado processo de desmantelamento se as usinas operam, se não a plena carga, pelo menos próximas disso? "Para os produtores, o ideal seria que 40% dos carros fossem movidos a álcool", disse um conhecido empresário recentemente à imprensa. Mas - é a nossa vez de perguntar - há disponibilidade de álcool para movimentar milhões de carros novos? É certo que não. O parque fabril atual tem condições de oferecer ao mercado um excedente de produção de somente 2 bilhões de litros, a exata diferença entre a capacidade instalada e a demanda. Nada mais. Investir maciçamente como outrora no incremento da produção é, pelo menos de imediato, impensável.

Nó górdio

A grande questão, no momento, não é necessariamente aumentar a oferta do setor, mas tratar de manter inalterados os números atuais de produção e de demanda, conforme proposta do professor Nastari e de boa parte das pessoas que se batem pelo revigoramento do programa. É preciso evitar que, por conta do sucateamento natural de parcela da frota circulante, cada vez menos álcool carburante seja vendido nas bombas dos postos de abastecimento. É aqui que reside o nó gordio do problema. E é nesse campo que vão centrando esforços, por exemplo, o Cima e a constante Frente Parlamentar Sucroalcooleira (FPS), movimento que surgiu há dois anos e reúne 250 membros, entre deputados federais e senadores. "Estamos falando da maior frente já instituída no âmbito do Parlamento brasileiro", assegura o deputado federal pelo PMDB de São Paulo Hélio César Rosas, coordenador da FPS. Rosas, que também responde pela coordenação da bancada pluripartidária de São Paulo, é um defensor intransigente do Proálcool. "A frente parlamentar não nasceu para amparar o lobby do setor alcooleiro. Veio ao mundo para ajudar a defender o meio ambiente, a saúde do povo e o emprego." Ele conta que a FPS tem procurado organizar seminários, editar livros, trabalhar com o objetivo de acelerar a prática da co-geração de energia elétrica pelas empresas do ramo (a partir do bagaço de cana) e elaborar idéias que permitam a ativação do programa do álcool. Dois importantes projetos de lei em tramitação - a criação da "frota verde" e a adição de álcool ao óleo diesel - são filhos da FPS, segundo Rosas. O primeiro reza que o poder central só poderá adquirir veículos novos movidos a álcool, exigência também aplicável nos casos de compra de carros com incentivos. O segundo procura repetir com o diesel a mistura bem-sucedida do álcool à gasolina. Esta, aliás, é uma das principais reivindicações dos produtores que integram o comitê executivo do Cima.

O presidente da Associação dos Produtores Autônomos de Álcool, Gustavo Maranhão, que integra o conselho constituído pelo MICT, afirmou a um jornal de São Paulo que, se efetivada, a aprovação dessa mistura se refletirá diretamente na balança comercial com a redução da importação de óleo diesel. "Ela também ajudaria a dar destino ao excedente de produção de álcool." Técnicos dos diversos ministérios que participam do Cima já estão avaliando a possibilidade da mistura de até 15% de álcool ao diesel.

Diante das boas novas para o setor sucroalcooleiro temos o seguinte: se a frota oficial na esfera federal passar a contar exclusivamente com carros a álcool - de acordo com o raciocínio do deputado Rosas -, as montadoras terão de responder pela produção anual de 300 mil novas unidades dessa modalidade de veículo. Se adicionarmos a esse volume a soma dos carros comprados com incentivos (táxis, por exemplo), teremos um número próximo da quantidade de automóveis da frota circulante a álcool anualmente sucateados. Estaria, em tese, solucionada a questão do nó gordio: manter intactos os números que medem a oferta e a demanda do combustível.

"Se conseguirmos sustentar a produção atual, o Proálcool estará a salvo", profetiza o economista Borges, da USP. Ele salienta que o programa, antes de qualquer coisa, é estratégico. E, por conta dessa condição, deve ser estimulado em nome da tranqüilidade da nação, do desenvolvimento técnico experimentado até aqui, dos vultosos investimentos já realizados, da mão-de-obra empregada e da conservação do meio ambiente. A iniciativa brasileira na área, pioneira em escala mundial, começa a despertar o interesse de outras nações, que também enxergam no álcool hidratado um grande aliado da natureza por ser um produto neutro em termos de poluentes e capaz de contribuir para a redução de emissões de dióxido de carbono, hidrocarboneto e óxido de nitrogênio. Os Estados Unidos, que têm despachado para o Brasil governadores, parlamentares e empresários curiosos para ver in loco as conquistas do Proálcool, estão arquitetando um programa semelhante, só que utilizando o milho como matéria-prima. "O programa brasileiro é uma referência para investidas análogas em outros quadrantes", ressalta Jim Johnson, secretário de Administração do governo de Wisconsin. "Estamos orgulhosos de compartilhar com o Brasil o esforço para melhorar a qualidade do ar e garantir um futuro econômico mais saudável."

Imposto verde

O desmantelamento do Proálcool, portanto, seria uma tragédia. Para transformar em triunfo um programa que só ganha elogios no exterior é primordial resolver a questão do preço do combustível, sabidamente bem mais oneroso que a gasolina mas que nestes anos todos tem sido comercializado em condições mais vantajosas para que pudesse ser mantido em evidência. Não há mágica nesse procedimento, apenas o subsídio arcado pelos donos de carros a gasolina, que pagam na bomba um diferencial em favor da conta álcool. O que fazer? A resposta do governo para essa indagação tem um nome: imposto verde. Também denominado imposto ambiental, ele poderá ser cobrado já a partir do próximo ano, de acordo com informações passadas à imprensa pelo secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Bolivar Moura Rocha. Antes, porém, deverá ser objeto de emenda constitucional. Grosso modo, pode-se dizer, o novo imposto substituirá uma série de contas que embaralham a fixação dos preços dos combustíveis e dificultam sua liberação. Para o consumidor, garante Rocha, nada mudará. Será como trocar seis por meia dúzia. "Mas uma troca que vai render um ganho significativo", assevera o técnico do Ministério da Fazenda. "E permitir uma reorganização na composição dos preços dos derivados de petróleo." Rocha explica que o dinheiro arrecadado com o imposto verde vai ajudar a pagar a produção do álcool carburante, de modo que seu preço fique equiparado ao da gasolina. O tributo em discussão, segundo o ministro Pedro Malan, da Fazenda, vai dar maior transparência à conta álcool. Não apenas isso. Vai colaborar para o revigoramento do programa, colocando-o novamente na linha de frente das prioridades nacionais no campo energético.

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