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Evento
Mundão invade Santo Amaro

Por mais que se procurasse, não haveria nome mais apropriado que este. Mundão em referência ao tamanho imenso, ao encontro das gentes desta e de outras nacionalidades, à mixórdia cultural e à profusão de atividades. Mundão também é referência do sertanista à seara, que foge um cisco das trilhas conhecidas. Para os jagunços de Canudos, podia ser Salvador ou a Europa. Para o Sesc, Mundão foi um projeto minuciosamente planejado, mas cujo resultado ocultava-se incógnito, desvelado somente ao fim de 10 dias e 120 horas de confluência inédita, de uma babel inacreditável que, enfim, permitiu à globalização, termo tão em voga, alcançar a acepção mais benfazeja. Serviu também para marcar o pré-lançamento da futura unidade Sesc Santo Amaro, instalada em uma antiga garagem de ônibus de sete mil metros quadrados, onde se aproveitou os motivos dos veículos para ornar o amplo espaço. "A região não poderia esperar por três ou quatro anos, até que definíssemos o projeto arquitetônico e outro tanto para edificá-lo", afirma Danilo Santos de Miranda, Diretor-Regional do Sesc São Paulo. "Essa opção estratégica de aproveitamento das estruturas antigas e sua incorporação cultural é socialmente mais justa com a numerosa população da região." Às 17h, do dia 27 de novembro, portanto, a apenas uma hora da abertura do evento, o trabalho para arrematar os últimos detalhes seguia intenso e um rápido passeio pela unidade já passava a idéia do que seria no futuro o Sesc Santo Amaro. Restava, ainda, tentar antecipar o que viria pela frente, nos dez dias do evento. Fora da unidade, o público já se aglomerava à espera do horário oficial de abertura. Pontualmente às 18h, num tablado em frente ao palco, uma comovente apresentação do coral infantil de índios guaranis da aldeia de Montes Claros, São Paulo, marcou o início do Mundão. O evento começou nostálgico, por trás dos nossos ancestrais pré-portugueses. Numa alegoria do real, Mundão, que abraçou gente de todo o planeta, nasceu pela voz do povo pioneiro, habitante primeiro destas plagas. E o espetáculo abre-alas atraiu de pronto as pessoas que foram se aprochegando aos poucos e aplaudindo bastante. Só no fim da apresentação dos curumins, a idéia matutada pelo Sesc começava a ser assimilada. Como num foguetório, quando os primeiros rojões estouram em intervalos mais longos para, no êxtase, acelerar o ritmo das explosões, o evento engrenava serenamente as atrações cuidando em não inibir o público que aportava sequioso. Assim foi o show do The Karnak, na arena, que englobou ritmos de vários países e os recompôs numa salada (russa?) musical e performática muito divertida. O show marcou o estopim do Mundão. Por volta das 19h, todos os ambientes - teatro, lanchonete, quadras poliesportivas, palcos, telões, área de convivência - já apresentavam algum tipo de atividade que Ricardo Fernandes, coordenador da programação cultural, resume como "resultado da fragmentação, da velocidade e da dissolução que regem, de fato, as apresentações". Por todo o espaço, os visitantes se deparavam com instalações artísticas, fotógrafos curiosos, artistas circenses, além do legítimo faquir indiano Sadu Baba, que se recusou a dar entrevista. Ele alegou, muito justamente, ter feito um voto de silêncio que o impedia de tornar públicas suas opiniões. Não haveria espaço para comentar as 1500 atrações que fizeram o Mundão nesses dez dias. Até porque, elas não se repetirão. Afirmar que o show de Arnaldo Antunes foi excelente ou que a performance do dançarino indiano Balakrishna seduziu o público seria redundante. No lugar do texto, as imagens do evento matam saudades de quem esteve lá e estimulam os ausentes a conferir a futura unidade de Santo Amaro. Mais importante foi o Mundão ter provado que culturas distintas, de procedência múltipla - popular e erudita - podem compartilhar o mesmo espaço, sem cizânia. Em uma região carente de equipamentos culturais e esportivos, a maciça presença do público mostra que interesse existe, basta vontade política e alguma iniciativa. Depoimentos: Herbert Viana, músico: "Chamaria o Mundão de Primeiro Mundão. Fez-me lembrar os Grandes Festivais Europeus, a multiplicidade, a originalidade e o nível das apresentações. O Paralamas adorou ter apresentado o show acústico para um público que foi devorar cultura. Parabéns ao Sesc São Paulo." Hugo Possolo, grupo Parlapatões, Patifes e Paspalhos: "O mais importante da iniciativa do Sesc foi a possibilidade de juntar uma diversidade enorme de pessoas e atividades culturais ao mesmo tempo e num único espaço. O Mundão serviu para atrair o público de uma região carente." Pedro Luis (Pedro Luis e a Parede) " O Mundão transferiu as fronteiras do planeta para o Brasil, no coração de São Paulo." "Espetacular. Nunca vi nada tão extraordinário em termos culturais. Essas pessoas todas juntas. A garotada do bairro participando. Isso aqui vai dar um impulso muito grande na região, que é muito carente." Maria de Fátima Siqueira, professora primária. "Olha, faz tempo que sonhava com um lugar como esse para o bairro. São tantas atrações que eu nem sei bem para onde olhar e essa idéia de aproveitar as partes dos ônibus para fazer as mesas e bancos da lanchonete foi genial", Wanderley Ribeiro, médico. "Nunca pensei que uma garagem de ônibus virasse uma coisa tão bonita. Mas o melhor mesmo foi o ônibus da Rosi Campos." Pedro Francisco Garcia, estudante Orlando Costa, múscio - Lasca Mão (sexteto percussivo) "Adorei. Foi maravilhoso. Eu gostaria que o Mundão fosse na Bahia. Tivemos a oportunidade de nascer e a honra de nos batizarmos no Mundão." Tom Zé, músico: "Foi emocionante, um sucesso. O evento realmente colocou o bairro no mundo. O governo devia seguir o espírito do Sesc, no sentido de valorizar a cidadania. O Mundão foi como uma caravana com 200 reis magos que chegava em Santo Amaro e achava a manjedoura e fazia um milhão de cristos-crianças (mesmo os que já aparentavam 40 anos) presenteados, localizados em sua solidão e convidados para uma grande feira pública no oásis da arte."