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São Paulo
Descobrindo os segredos de São Paulo

Uma pessoa sai todos os dias de sua casa, pega o ônibus (metrô, carro ou qualquer outro meio de transporte) e começa o seu dia. Trabalho, escola, cinema. Com uma rotina dessas é fácil deduzir que ela conhece a cidade onde mora e trabalha. Mas a realidade não é bem assim. O cotidiano puxado deixa todos tão absorvidos numa realidade mecânica que a cidade passa despercebida. Sim, temos o Masp, o Parque do Ibirapuera, o Estádio do Pacaembu. Com um esforço de memória, listam-se outras atrações. Mas, e a alma de São Paulo? Aquela essência particular que faz o objeto especial e único. Walter Benjamin, sociólogo alemão, salientava a aura única da obra de arte, que a diferencia das reproduções. A comparação pode soar um pouco exagerada, mas a aura paulistana anda camuflada por baixo do desmazelo. Parece, inclusive, que o paulistano desistiu de procurá-la e mantém com ela uma relação formal e fria, em busca de sustento e sobrevivência. Descobrir o próprio hábitat é desvendar suas minudências e pequenos segredos, estabelecendo uma cumplicidade entre morador e cidade, que reorienta o sentido de cidadania. Um relacionamento saudável de proximidade e conhecimento enseja respeito mútuo - do cidadão com a cidade onde vive e da cidade com seu habitante. Se, por um lado, esse movimento é incipiente, por outro, nota-se o interesse dos paulistanos em readquirir a intimidade que há algum tempo se perdeu. Prestar atenção nos detalhes arquitetônicos de São Paulo, conhecer suas histórias, lendas e até alguns segredos que os edifícios e logradouros guardam é descobrir um lugar profundamente interessante. Porém, manter uma cidade atraente para visitantes é um processo que começa de dentro para fora, ou seja, "não é possível que uma pessoa que venha de fora goste da cidade, aprecie os lugares e tenha satisfação em visitá-los, se o próprio morador não gostar, não prestigiar e não se sentir satisfeito com ela", aponta Marco Antônio Ramos de Almeida, presidente executivo da Associação Viva o Centro, um movimento de revitalização do centro antigo da cidade. Marco Antônio ressalta, ainda, que São Paulo é uma cidade cujo crescimento dificulta o acúmulo de experiências e a criação de um vínculo entre os moradores e os equipamentos históricos, culturais e de lazer. "Mas eu acho que aos poucos isso começa a mudar", anima-se. "Hoje, além dos lugares tradicionais como o Teatro Municipal ou o Pátio do Colégio, há o Museu de Arte Sacra e outros que são muito apreciados pelas pessoas". Marco Antônio adianta que estão reservados vários projetos para tornar o centro antigo, novamente, um grande pólo atrativo. Entre eles, a reforma da Estação Júlio Prestes, que será a sala de concertos oficial da Orquestra Sinfônica do Estado. O Prédio dos Correios, no Vale do Anhangabaú, será transformado em um centro cultural, o edifício da Eletropaulo será um shopping e, em breve, uma sucursal do Museu de Arte Moderna, o Masp, também fará parte dos atrativos da região. "É sempre lindo andar na cidade de São Paulo..." Na tentativa de atrair os turistas e, principalmente, os próprios paulistanos, iniciativas privadas e órgãos públicos promovem roteiros e passeios cujo objetivo é incentivar a descoberta da cidade. A Anhembi Turismo e Eventos é um exemplo. O órgão centraliza todos os assuntos referentes à divulgação da cidade como pólo de atração turística. Francisco Antônio Fraga, gerente de turismo da Anhembi, afirma que é difícil medir o nível de conhecimento que o paulistano tem da própria cidade. "São Paulo é uma cidade multifacetada do ponto de vista social, econômico, cultural e educacional", analisa. "Isso torna difícil dizer se o paulistano conhece sua cidade ou não". Mesmo com esses desencontros, a Anhembi preocupa-se em oferecer aos interessados maneiras de percorrer a cidade e descobrir seus encantos. São três roteiros que exploram diferentes aspectos: o São Paulo Verde (das 9h30 às 14h30), que leva os grupos ao Sesc Interlagos e Jardim Botânico, Centro Ecológico do Tietê e Horto Florestal ou Pico do Jaraguá e Parque do Ibirapuera. O segundo, Roteiro Cultural (das 10h00 às 14h00), leva para um tour que começa pelo Memorial da América Latina, passa pelo Instituto Butantã, Casa do Bandeirante, Palácio dos Bandeirantes e Jóquei Clube. Finalmente, o terceiro, Roteiro Histórico (das 13h30 às 17h30), leva ao Pátio do Colégio, Solar da Marquesa, Mosteiro de São Bento, Monumento às Bandeiras, Monumento da Independência, Casa do Grito e termina com o Museu Paulista. Todos saem do Centro de Informação Turística (CIT) da Praça da República, um dos dez espalhados por pontos estratégicos da cidade, e se alternam a cada domingo. Assim como a Anhembi Turismo, o Metrô de São Paulo também resolveu colaborar para a redescoberta da cidade. Ainda um tanto tímido em suas investidas em turismo, porém com a vantagem de ser o meio de transporte mais viável e inteligente da cidade, o Metrô descobriu que poderia atingir o objetivo de aumentar o número de seus "clientes" no finais de semana promovendo o turismo de um dia. "Na verdade, nós não somos estruturadores de turismo", enfatiza Jader Silveira Araújo, gerente de marketing do Metrô. "O que nós fazemos é incentivar as pessoas a utilizarem o metrô também para turismo". A campanha Metrô no Fim de Semana - Fácil, Rápido e Divertido tem como objetivo aumentar a demanda e incentivar o lazer. Para isso, estabeleceu parcerias institucionais com entidades de lazer e órgãos culturais e passou a divulgar os equipamentos de lazer que se situam próximos às estações. São eles o Masp, o zoológico, o Centro Cultural São Paulo, os cinemas da Paulista e as cantinas do Bixiga. Turismo social Desenvolver o sentido pleno de cidadania faz parte da filosofia do Sesc. E o respeito à cidade e o conhecimento de sua história reforça o espírito cívico. O turismo social visa reforçar o vínculo do paulistano com sua cidade, por meio de métodos de educação informal. As visitas tornam-se um complemento de um trabalho de conscientização da população que se baseia em palestras e monitoramento especializado. Assim, os técnicos do Sesc Paraíso já desenvolveram vários roteiros pelos equipamentos turísticos da cidade. "Na realidade, são vários projetos com passeios de um dia", começa a explicar Marcos Scaranci, um dos organizadores. "Nós fazemos o Caminho das Artes, um convênio da Secretaria Estadual da Cultura e do Sesc, voltado para o público do interior; e o DiverSãoPaulo que encontra entre a clientela da unidade e demais interessados da capital seu principal público." O Caminho das Artes foi desenvolvido originalmente para visitar os museus da cidade. Pensado para as crianças, contou desde o começo com maciça presença do público de terceira idade. O projeto já atendeu cerca de 35 mil pessoas desde que foi criado há um ano e meio. "Há toda uma filosofia por trás do trabalho do Sesc", explica Marcos. "É muito mais do que simplesmente colocar as pessoas dentro de um ônibus e levar para um lugar. Nós passamos todo o histórico do local: quando foi construído, por que é tombado, qual o valor histórico e arquitetônico, além das palestras realizadas antes da saída de cada ônibus. Somamos a isso o know-how de turismo do Sesc e a descontração de um passeio turístico". Flávia Roberta Costa, técnica do Sesc Paraíso, acrescenta: "Essa é a filosofia do Sesc. Promover excursões que, além de terem baixo custo, nos dá a chance de conferir ao trabalho esse caráter educativo". O Caminho das Artes tem como principal objetivo possibilitar aos moradores de outras regiões uma visão mais ampla do espaço urbano de uma metrópole. As reações são as mais surpreendentes. "O que ouvimos com mais frequência nesses passeios são pessoas espantadas dizendo que nunca imaginavam que São Paulo pudesse ser assim", conta Marcos. O que se percebeu ao longo do processo de trabalho do Sesc é que a ignorância do paulistano vai muito além de uma simples questão de vontade. "Existe uma série de fatores que influem nessa questão", explica Flávia. "Ou as pessoas não querem vir sozinhas ou simplesmente não sabem da existência de um local ou então pensam que é muito caro. No caso do interior, soma-se aquele pensamento de que São Paulo é a grande capital cultural do país, enorme, complicada, cheia de perigos... O interessante é oferecer a essas pessoas formas de acesso à cidade que elas jamais teriam sozinhas." Mesmo para os paulistanos da gema, o Sesc percebeu que existe uma grande demanda de público disposto a conhecer a cidade e a custos baixos. Os primeiros a serem contemplados foram as crianças, que ganharam passeios especiais para as férias. Depois foram lançados o Caminhando pela Paulista, o Redescobrindo o Ipiranga, o Luz Cultural e o Centro Velho. Da união desses roteiros surgiu o DiverSãoPaulo. Alguns roteiros Entre os passeios mais apreciados promovidos pelo Sesc, o São Paulo dos Imigrantes é um dos mais emocionantes e disputados. O roteiro leva ao Museu do Imigrante, no bairro do Brás. O prédio, construído há 110 anos, funcionou como uma hospedaria que recebia os imigrantes oriundos de várias partes do mundo em busca de emprego. Os navios traziam milhares deles e, de trem, "subiam" do porto de Santos até a hospedaria. A maria-fumaça original foi preservada e mesmo hoje em dia, os visitantes saem em pequenos passeios na "velha senhora". Uma marinete, pequeno carro de transporte, também passeia pelas ruas do Brás levando pessoas que, no íntimo, têm a sensação de viver a mesma situação de seus antepassados. O bonde dá o tom urbano ao passeio e também desliza sobre os trilhos reproduzindo os ruídos originais. "Ah! Esse barulho me fez lembrar de quando eu ia para a escola de bonde", recorda-se uma senhora. "Lembro-me de que o ruído dos trilhos não deixava ninguém dormir", comenta outra. No museu, uma sala com um computador fornece informações sobre as famílias que lá se hospedaram no passado, um curioso encontro entre uma São Paulo histórica e a que hoje se apresenta como um grande centro urbano. Muitos não encontram os nomes de seus antepassados, mas os que conseguem se emocionam, mesmo com a possibilidade de estarem diante de uma mera coincidência. O Palácio dos Bandeirantes é outro roteiro muito solicitado. "Todas as vezes que lançamos um roteiro para lá, há um alvoroço total", brinca Flávia. "Tem até gente que liga perguntando se o governador vai estar lá, se a gente vai poder vê-lo. É muito engraçado." Em janeiro, mais um passeio fará parte dos roteiros temáticos do Sesc, o São Paulo do Samba, que pretende, por meio de palestras sobre a história do ritmo e visitas a ensaios das escolas, provar que São Paulo, ao contrário do que diz o ditado preconceituoso, não é túmulo do samba. "Tínhamos receio quanto a esses passeios temáticos", comenta Marcos. "Quanto a inclusão da palestra, acreditávamos que as pessoas não iriam querer, em seu dia de folga, ficar sentadas ouvindo uma pessoa falando por horas. Mas, pelo contrário, percebemos que há um grande interesse na fundamentação teórica sobre o que será visto", conclui. De fato, as palestras agradam muito o público. Um exemplo pode ser tirado da pequena aula ocorrida antes do roteiro São Paulo dos Imigrantes, quando uma senhora, num ímpeto de espontaneidade, resumiu o pensamento de todos os presentes. Diante do receio do palestrante em atrasar o passeio, sorridentemente ela arremedou: "Pode ficar o dia inteiro aqui que ninguém reclama!" Uma ou duas coisas curiosas sobre São Paulo É verdade que soa como uma sessão "você sabia", mas é irresistível quando se trata de testar os conhecimentos sobre São Paulo. Ruas, viadutos, praças e edifícios, todos têm, na origem de seus nomes, uma pequena história para contar. A rua Líbero Badaró, por exemplo, aquela logo depois do Viaduto do Chá, tem esse nome em homenagem ao médico e jornalista que, junto com Benjamim Constant, lutou por causas republicanas. O nome do excelso cidadão é, na verdade, João Batista Badaró. O "líbero" é por conta de suas "idéias liberais". Aliás, o próprio viaduto próximo a essa rua, famoso local onde já foi cobrado pedágio de quem passava, tem esse nome por causa da fazenda de erva-mate que ocupou o que hoje é o Vale do Anhangabaú. Mais adiante temos a Praça do Patriarca. Mas patriarca de quê? Sim, claro, da independência. A maioria dos logradouros e monumentos são batizados em virtude das proezas dos homens que escreveram a história brasileira (revoluções, a proclamação da República e por aí vai). Patriarca da independência, o estadista José Bonifácio. Ou, como escreve Paulo Cursino de Moura, em sua obra São Paulo de Outrora (Evocações da Metrópole), "[...] o Patriarca da praça. Agora a Praça do Patriarca". Se andarmos por São Paulo, com um estudioso de sua história como acompanhante, é certo que levaremos tempo interminável para esmiuçar os fatos em torno de cada pequeno detalhe. A rua 25 de Março é uma homenagem à data da promulgação da primeira Constituição do Brasil, ato de D. Pedro I, em 1824. Já sob a avenida 23 de Maio, data em que se travou a sangrenta batalha de Tuiutí contra os paraguaios (com mais de três mil baixas para o "inimigo"), corre o rio Itororó. Isso mesmo, aquele onde muitos de nossos antepassados foram beber água e não acharam.