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Terceira idade
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A velhice está em alta. O aumento demográfico da população idosa em todo o mundo muda atitudes, derruba preconceitos e transforma a mentalidade da sociedade, inclusive a do próprio idoso

No mês de novembro retornou à Terra mais uma missão da Discovery no espaço, e novamente o noticiário mostrou o trabalho dos invejados e destemidos astronautas. Poucos no mundo são capazes de enfrentar alterações de gravidade, pressão, claustrofobia e ainda realizar pesquisas. Os tripulantes da Discovery estavam preparados para tudo isso. Entre eles, John Glenn, de 77 anos. O mais velho astronauta no espaço.

Em 1962, Glenn foi o primeiro americano a orbitar a Terra. Agora, 26 anos depois, repete a aventura. Alguma firmeza pode ter se perdido nos passos de Glenn e seus ossos certamente emitem alguns estalidos, mas ele continua apto a fazer companhia para astronautas com a metade de sua idade, mostrando ao mundo, como ele mesmo disse, que "a vida das pessoas idosas não pode ser ditada pelo calendário".

Glenn serviu como modelo na pesquisa em duas experiências médicas. Uma revelará como seu corpo metaboliza proteínas da musculatura, e outra estudará padrões de sono e dificuldades para dormir. A Nasa acredita que tais experimentos poderão melhorar a pesquisa em terra sobre o processo de envelhecimento: um tema tão atual e preocupante, que a conferência mundial da Organização das Nações Unidas (ONU) definiu 1999 como o Ano Internacional dos Idosos. A conferência tomou a decisão a partir de dados sobre o envelhecimento das populações de todo o mundo, extremamente rápido especialmente nos países em desenvolvimento. Segundo documento da ONU, é necessário um amplo projeto de participação internacional em que os países promovam ações "cientes de que uma mudança revolucionária da estrutura demográfica das sociedades exige uma mudança fundamental na própria organização dessas sociedades".

Brasil

Apesar do estereótipo de "país jovem", o Brasil já está na lista dos países em desenvolvimento que apresentam um crescimento importante da população de idosos.

Segundo o IBGE, a projeção estatística é de que em trinta anos a proporção de idosos brasileiros, isto é, os maiores de 65 anos, passará de 7,8% da população para 15%. A velocidade de crescimento dessa população pode ser acompanhada pelos números do censo. Em 1991 eram 7,2% da população nessa faixa. Dois anos depois, a pesquisa nacional acusava 7,5%. Esse crescimento, aparentemente pequeno, atinge grandes proporções quando se pensa num período de tempo maior. "A virada do século deverá encontrar o Brasil com 8,7 milhões de pessoas com 65 anos ou mais, sobreviventes dos nascimentos até 1935", explica a demógrafa Elza Berquó, da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento.

Qual a causa desse crescimento? Assim como já aconteceu nos países desenvolvidos, a redução da taxa de mortalidade infantil, as novas tecnologias na medicina e a melhor qualidade de vida aumentaram a expectativa de vida do brasileiro. Em 1950, segundo o censo, apenas 56,8% da população alcançava os 65 anos de idade. Essa proporção foi crescendo até atingir, em 1991, 76,7%. Em 1950, a expectativa de vida média era de 54,2 anos. Quatro décadas depois pulou para 68,2 anos.

Se a expectativa de vida aumentou, a presença da população idosa também, já que a taxa de fecundidade despencou de 4,69% em 1960 para 2,4% em 1990.

Todas as projeções, diante de tais números, sustentam a mesma tendência: assim como a maioria dos países, o Brasil também está envelhecendo. Em menos de trinta anos teremos 34 milhões de habitantes com 60 anos ou mais. Só esse dado já seria preocupante considerando-se o desrespeito ao qual o idoso brasileiro é submetido. Mas o quadro é ainda pior. Dos 11 milhões de idosos, 2,2 milhões "não possuem fonte de renda", segundo o IBGE.

Diante das perspectivas do aumento da população idosa no Brasil, é preciso seguir as orientações da ONU: fazer dessa questão um debate social. "Se a longevidade dos indivíduos decorre do sucesso de conquistas no campo social e de saúde, o envelhecimento, como um processo, representa novas demandas por serviços, por benefícios e por atenções que constituem desafios para governantes e para a sociedade do presente e do futuro", completa Elza.

Saúde

Se o futuro parece complicado, torna-se urgente extinguir o descaso sofrido pelos idosos no país. Do governo à sociedade civil é preciso estar atento às mudanças sociais. Uma questão candente que desperta muita polêmica, o novo projeto da previdência está em discussão no Congresso.

"A previdência não tem condições de sustentar uma população tão volumosa que aos 65 anos (idade mínima prevista na lei para a aposentadoria masculina) já se aposenta e vive ainda cerca de dez anos. Isso acarreta a falência do sistema de saúde", diz Luiz Ramos, médico, chefe da disciplina de geriatria da Escola Paulista de Medicina. Doenças como hipertensão, diabete, osteosporose, Parkison, Alzheimer e outras demências estão incidindo mais tarde, mas a tendência é que as ocorrências aumentem, conforme aumenta a população de idosos.

Como saída, o geriatra aposta na prevenção da incapacidade. "É preciso investir na educação e na saúde dos jovens. Para a terceira idade é fundamental o atendimento clínico-geriátrico multidisciplinar." Seguindo o dito popular "saúde vem em primeiro lugar", o médico defende o investimento nessa área. "O fundamental é valorizar ações para a saúde. O que vem depois é consequência."

Acima de tudo, Ramos reclama um futuro melhor em termos da saúde no envelhecimento. "Os indivíduos de hoje, nascidos no pós-guerra, terão problemas que gerarão incapacidades, pois eles certamente adquiriram maus hábitos em outras épocas. Essas pessoas ganharam anos de vida sem estarem preparados para tal", explica o geriatra. Atualmente, segundo o médico, 80% dos que têm mais de 60 anos apresentam alguma doença crônica, 10% estão debilitados e 50% dos idosos brasileiros recebem ajuda, seja familiar ou clínica.

Velhos jovens

Mas se hoje em dia há mais velhos, certamente eles têm espírito mais jovem e empreendedor - para usar uma palavra em voga. Aliás, o conceito de idoso apresentado nesta matéria teve critério meramente estatístico. Os termos "idoso", "terceira idade" e "velhice" podem carregar significados pejorativos que perderam o sentido se analisarmos exemplos atuais, como o astronauta John Glenn. Infelizmente, ainda não se cunhou nenhum vocábulo "politicamente correto" para substituir as alcunhas existentes.

A melhoria da qualidade de vida nas últimas décadas abriu possibilidades maiores para a população idosa. Somados a isso, os avanços tecnológicos na área de saúde são inestimáveis. As doenças típicas da velhice estão mais controladas, preservando a qualidade de vida e a independência do idoso e retardando os problemas de saúde. "A medicina já está mais preparada para postergar doenças", informa Ramos.

No campo da medicina esportiva, os avanços também são grandes. Sabe-se agora que o corpo idoso pode sofrer treinamento adaptado para capacitá-lo a praticar exercícios físicos. "A questão é adaptar. O exercício é mais produtivo onde se está mais debilitado. Os jovens, assíduos nas atividades esportivas, talvez não tenham tantos ganhos físicos como um idoso debilitado praticando algum esporte."

Diferenças

"O envelhecimento vem carregado de uma imagem pejorativa, pois o modelo da nossa sociedade é a juventude. Se você parecer jovem, será aceito", explica Suzana Rocha Medeiros, coordenadora do programa de pós-graduação em gerontologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. "Os idosos devem ser saudáveis porque isso é bom para eles próprios, e não para parecerem jovens. Se estão pensando assim, é preciso reformular." Segundo Suzana, muitos dos estereótipos do idoso foram impostos pela sociedade. "Cada um envelhece de um jeito. A idéia de que velho não aprende, é resmungão, é conservador, não tem desejos, tudo isso vem de fora para dentro, mas acaba criando uma passividade em muitos idosos." Para Suzana, que tem 73 anos, a velhice tem suas limitações e suas compensações. "Essa etapa da vida tem muitas perdas, que acabam sendo mais enfatizadas que os ganhos. Eu não posso competir num campeonato de natação, mas quando leio um texto, tenho uma compreensão muito maior, mais prazerosa, pela minha experiência e pelo acúmulo de informações."

Suzana acredita que a questão fundamental da velhice é a solidariedade entre as gerações, seja nas famílias, nas empresas, ou em toda a sociedade. "Não uma solidariedade de assistência, mas de afeto, de respeito", explica.

Aos 73 anos e em plena atividade, Suzana simboliza o fim dos estereótipos. Tem prazer enorme no que faz, não se sente cansada, convive com diferentes idades, estuda muito. "Estou vivendo o melhor momento da minha vida", confessa. Qual o segredo? "Se na velhice você se depara com limites em seu aperfeiçoamento físico ou profissional, o prazer está em desenvolver seu aperfeiçoamento pessoal. E isso é infindável, você pode ser sempre melhor. A sabedoria é saborear."

A idéia do idoso incapaz de aprender também já caiu por terra. Um estudo divulgado pela revista Science em 1997 mostrou que a capacidade humana de aprender é mantida durante a velhice.

Serviços

Suzana também coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas do Envelhecimento (NEPE), que promove, além de eventos abertos à comunidade, oficinas para a terceira idade. Na Oficina de Orientação, cerca de dez participantes são levados a discutir o passado profissional e a fazer uma revisão das conquistas. Depois, o grupo traça projetos de vida. "Quem se aposenta, com os filhos ausentes, vai aos poucos perdendo o interesse pelas coisas. Nosso intuito é que eles consigam readquirir a capacidade de sonhar, de repensar a vida", explica.

Outro projeto inovador na área de educação é oferecido pela Universidade de São Paulo (USP). O projeto Universidade Aberta à Terceira Idade, iniciado em 1993, oferece programas diferentes. Além de cursos e palestras específicos para os idosos, em diversas áreas, como dança, astronomia e saúde e, algumas faculdades oferecem vagas nas disciplinas da graduação. Em 1996 eram 1800 inscritos. No ano passado, 4630 pessoas, acima de 60 anos, frequentavam as aulas.

Outro projeto importante na área de educação acontece no Sesc Carmo. A Escola Aberta oferece diversos cursos em diferentes áreas e cada inscrito monta sua grade horária. No primeiro semestre de 1998 havia 587 inscritos. Segundo Irene DÁvila, técnica do Sesc Carmo, o projeto traz ganhos enormes para os participantes. "O conhecimento e a atualização acarretam melhores relacionamentos familiares e sociais, porque eles estabelecem mais diálogo com os filhos, com os netos e amigos", explica Irene.

Antonio Arroyo, da Gerência de Estudos da Terceira Idade (GETI) do Sesc explica que os projetos visam a muito mais que uma simples opção para ocupar o tempo livre. "Enfatizamos a melhoria da qualidade de vida como ser individual e a maior participação social como cidadãos." Pioneiro, o Sesc começou uma programação com a terceira idade em 1963, com um grupo de convivência na unidade do Carmo. Atualmente, o grupo, formado por cerca de 500 participantes e com autonomia jurídica, está mais uma vez inovando. Além disso, vem sendo implantada a Cooperativa de Serviços: a idéia é uma troca de serviços entre os inscritos. "Se um faz pinturas, outro cozinha, e eles podem "comercializar" esses trabalhos alternativos com trocas", explica Irene.

Para Arroyo, a grande importância das atividades em grupo é a consciência da cidadania pelos participantes, conquistada pelo estímulo e pelo desenvolvimento da autoconfiança. "Os grupos passam a perceber que, apesar de marginalizados, ainda são cidadãos", completa.

Ele relata a experiência de um grupo de idosos da unidade Sesc Santos que foi à prefeitura reivindicar a preservação de antigos casarões. Arroyo completa: "Aos poucos, eles vão percebendo que são cidadãos, que têm direito à participação, à manifestação, e que também podem ter voz dentro da sociedade".

A orientação fundamental do trabalho do Sesc é o desenvolvimento de atividades que beneficiem as relações sociais e que estimulem o aperfeiçoamento pessoal. "A experiência mostra que os idosos participantes dos programas aprendem novas formas de desenvolver relações, tanto as familiares como as afetivas, especialmente as amizades. Eles encontram uma outra disposição para viver." Arroyo explica ainda que o trabalho é centrado numa mudança de mentalidade dos próprios idosos: "Muitos vivem numa fuga no estilo "estou sozinho no mundo". As atividades são orientadas para a mudança desses valores. Queremos torná-los mais flexíveis, abertos às mudanças, vivendo o presente". Seguindo essa linha, cada unidade opta pela melhor programação.

É o caso do Sesc Pompéia, que não tem um grupo fixo de idosos mas, sim, uma extensa programação para o público de terceira idade. A unidade oferece cursos anuais permanentes de marcenaria, pintura, teatro, coral, ginástica, natação, tai chi chuan, ioga, dança, entre outros, e cursos especiais, que duram de dois a três meses, como ikebana, biodança, fotografia e massagem. Cerca de mil idosos frequentam os cursos, anualmente. Mas, geralmente, os cursos não são restritos à terceira idade. "Nosso objetivo é integrar mais, não segmentar. Assim, eles são mais incentivados à participação social, rompendo o isolamento", explica Maria Aparecida de Souza, a Cida, coordenadora do Grupo de Terceira Idade do Sesc Pompéia. "Consideramos que todos têm potencial artístico igual, independente da idade", completa. A coordenadora acredita que o trabalho do Sesc colabora inclusive com um desenvolvimento da participação política do idoso na sociedade: "Com as vivências, eles vão ficando mais abertos, mais integrados e mais sociáveis. As atividades sociais estimulam o interesse e a transformação dos modos de pensar."

Mudanças

Annita Gonçalves Santos, 63 anos, morria de medo da água e sofria de osteosporose. Por aconselhamento médico procurou o Sesc. Há quase dois anos freqüenta aulas de natação na unidade Pompéia. "Eu vivia no pronto-socorro. Depois que comecei a nadar, nunca mais fui ao hospital", conta.

Leonor Policastri, 69 anos, pratica tai chi chuan há cinco anos, além de freqüentar a piscina do Sesc Pompéia. "Depois que comecei a vir aqui, mudou tudo. Não tomo mais remédios. Eu agora nado com meus netos." Leonor conta que gosta de ser independente e que adora desafios. Aprendeu a tocar violão em outra unidade do Sesc. No ano passado, participou de um desfile beneficente num shopping. "Fui modelo por um dia. Foi legal pra caramba", conta animada.

A amiga Helena Novelli Vianna, 66 anos, interrompeu o tratamento com os fortes remédios para tontura quando começou a freqüentar todos os dias as atividades esportivas do Sesc. "Eu só continuo com o remédio de pressão. Alterno o remédio com uma cervejinha e um churrasquinho, junto com meu marido", conta Helena.

Nas oficinas de pintura, a animação não é tão evidente quanto as braçadas na piscina, mas o sentimento vivo é parecido. "Isso aqui é um clarão. A gente sai do abafamento de casa, sozinhos, e conhece um mundo novo", conta Piedade Gurrieri, 67 anos, que tenta convencer o marido a acompanhá-la no curso. Além de freqüentar o Sesc, Piedade passou a dar aulas de pintura em tela e em tecido na associação católica do seu bairro. Para Rachel Machado, 63 anos, as oficinas artísticas não são só entretenimento. "Você mexe com a memória, com sua própria história.