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Portfólio pobre

Tecnologia de ponta ainda é desafio para empresas brasileiras

ALBERTO MAWAKDIYE


Produção de trombone: exceção à regra / Foto: divulgação

Um levantamento divulgado no final do primeiro semestre pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) serviu como um sinal de alerta para aqueles que acreditavam que o Brasil começaria a deixar para trás, neste início de milênio, a condição de grande produtor de artigos industriais pouco sofisticados e a dar a arrancada para se tornar um fabricante de produtos mais inventivos e tecnologicamente avançados.

Não é o que está acontecendo, pelo que mostram os dados apurados pela Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica 2003 (Pintec), feita pelo IBGE com apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) do Ministério da Ciência e Tecnologia. Na área de inovação tecnológica, o Brasil entrou no novo século quase do mesmo jeito que saiu do anterior.

Segundo o IBGE, a porcentagem de empresas que efetuaram algum tipo de inovação entre 2001 e 2003 - o período coberto pela pesquisa - foi de meros 33,3%, quase o mesmo percentual verificado entre os anos de 1998 e 2000, quando a primeira Pintec foi realizada. A taxa de inovação foi, então, de 31,5%.

Em números absolutos, a quantidade de empresas que inovaram em seus produtos e/ou processos de produção saltou de 22,7 mil no ano 2000 para 28 mil em 2003. O universo coberto pela pesquisa foi, em 2000, de 72 mil empresas com dez ou mais empregados, e de 84,3 mil nesta divulgada agora, que envolveu 32 setores industriais.

Debaixo desses dados, porém, é que se esconde a esqualidez da taxa de inovação tecnológica brasileira. Das empresas que inovaram em 2001-2003, apenas 2,7% lançaram produtos que podem ser considerados realmente novos no mercado nacional. E só 1,2% delas passou a usar processos produtivos inéditos. A maioria das mudanças consistiu em adaptações ou simples cópias de modelos já existentes.

De outro lado, houve um aumento na porcentagem de empresas "imitativas". Uma fatia de 18,1% das indústrias contentou-se em lançar artigos que eram novidade apenas para o seu portfólio, mas não para o mercado. Em 1998-2000, esse percentual foi menor (14,4%).

"O cenário continua, de fato, pouco alentador", constata Ronald Dauscha, presidente da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei), entidade que reúne algumas importantes empresas que investem continuamente em novas tecnologias, como a Pirelli, a Sadia e a Siemens, companhia da qual Dauscha é também alto executivo. "A verdade é que a indústria brasileira parece não ter descoberto ainda como trilhar o caminho da inovação", afirma ele.

Concentração

O mais grave é que as inovações parecem continuar concentradas naqueles poucos segmentos cuja intensidade tecnológica é alta por sua própria natureza, e que dependem cada vez mais de conhecimento acumulado no exterior. Assim, a indústria de máquinas para escritório e de equipamentos de informática apresentou a maior taxa de inovação, 71,2%, e a de fabricação de material eletrônico básico teve índice de 61,7%. O setor automotivo, cuja cadeia produtiva está hoje praticamente internacionalizada, veio em terceiro lugar, com 57,5%.

As empresas nacionais inovaram, principalmente, na aquisição de máquinas e equipamentos. O percentual aumentou de 76,6% em 2000 para 80,3% em 2003. Ou seja, elas investiram mais na melhoria do seu processo industrial - trocando máquinas obsoletas por novas, por exemplo - do que em inovação propriamente dita.

De qualquer forma, somando companhias nacionais e estrangeiras, apenas oito dos 32 setores pesquisados registraram aumento do chamado "esforço inovativo" - as despesas feitas com inovações comparadas com a receita líquida de vendas. Por conta disso, esse crescimento foi, no cômputo geral, quase insignificante, de apenas 2,5%.

"O Brasil continua a ser um peso pesado em produção industrial, tanto que possui um dos dez maiores parques fabris do mundo. Mas é uma produção que tende a crescer no sentido da quantidade e não da qualidade", resume Roberto Nicolsky, diretor-geral da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec). "Isso quando as crises econômicas o permitem."

Para Nicolsky, a razão mais importante para essa aparente preferência pela produção de baixo e médio valor agregado não é difícil de descobrir: sempre faltou capital para vôos mais altos em pesquisa e desenvolvimento. O problema afetaria, principalmente, as empresas nacionais de pequeno e médio porte, e mesmo algumas grandes. "Para essas indústrias, sobreviver no mercado já é uma vitória", observa o especialista. "Muitas nem mesmo cogitaram um dia de lançar produtos diferenciados no mercado ou adotar processos de produção mais modernos."

Esse conservadorismo teria, entretanto, razão de ser. País de economia grande, mas frágil, o Brasil apresenta um dos maiores índices de mortalidade precoce de empresas do mundo - 56% das companhias brasileiras morrem nos três primeiros anos de vida, contra 40% nos Estados Unidos, 38% na França e 30% na Alemanha. Quando o intervalo sobe para cinco anos, o quadro fica ainda mais sombrio, pois 71% delas fecham nesse período.

Pesquisa

A tradicional falta de linhas consistentes de financiamento à pesquisa - tanto de agentes públicos como privados - seria um fator agravante nesse cenário. Embora algumas das iniciativas sejam esplêndidas no papel (como a Lei de Incentivo Fiscal 8.661, de 1993, atualmente em fase de reelaboração no Ministério da Ciência e Tecnologia), os benefícios são quase sempre de difícil acesso e pouco abrangentes, na prática. Apesar de já ter 12 anos de vigência, a lei 8.661 atendeu até hoje, por exemplo, não mais do que 150 empresas.

Os vários fundos de apoio à pesquisa gerenciados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia tampouco dispõem de recursos suficientes para satisfazer a demanda - o orçamento total dos fundos, para este ano, é de ralos R$ 686 milhões. Já o Fundo Tecnológico (Funtec) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) até hoje não saiu do papel.

Os números do próprio governo comprovam que há algo errado na área de financiamento à pesquisa. A porcentagem de empresas que receberam apoio governamental para pesquisa e desenvolvimento não ultrapassou, no período 2001-2003, segundo o IBGE, os 18,7% - de qualquer modo, um índice um pouco melhor do que os 16,9% de 1998-2000. Para comprovar a dificuldade de acesso das pequenas e médias empresas a essas linhas de financiamento, o percentual aumenta conforme o tamanho da companhia.

É uma situação bem diversa da de países de grau de desenvolvimento industrial até menor do que o do Brasil, mas onde o apoio estatal a pesquisa e desenvolvimento está permitindo que avancem pelo caminho da industrialização de ponta. Na Coréia do Sul - que tem um quarto da população brasileira -, aproximadamente 7 mil empresas participam hoje do processo oficial de inovação. Não à toa, o país tem cerca de 4 mil patentes registradas no fundamental mercado norte-americano. O Brasil tem pouco mais de cem.

Em termos planetários, enquanto a minúscula Taiwan, localizada na costa chinesa, é a quarta colocada no ranking das nações com maior número de patentes industriais e a Coréia do Sul a sétima, o Brasil vem oscilando há alguns anos entre a 28ª e a 29ª posição.

De acordo com Roberto Nicolsky, para medir a importância dos mecanismos de financiamento para pesquisa e desenvolvimento, é suficiente lembrar que algumas empresas de capital nacional que utilizaram, por exemplo, a lei 8.661, desde 1993, contam-se entre as mais bem-sucedidas da história industrial brasileira recente. Elas estão em áreas tão distintas como a de produção de máquinas e equipamentos (como a paulista Romi e as catarinenses WEG e Embraco), aeronáutica (a ex-estatal Embraer) e de automação industrial (a paulista Smar e a fluminense STI - Solução de Tecnologia da Informação).

Muitas indústrias eletroeletrônicas consideradas inovadoras pela Pintec também usam os benefícios fiscais da atual Lei de Informática, que é mais voltada para a pesquisa e desenvolvimento e nada tem a ver com a versão altamente protecionista da que vigorava nos anos 1970 e 80.

Além da precariedade das linhas de financiamento, há também entraves burocráticos nada desprezíveis para o estabelecimento de parcerias entre empresas e institutos governamentais de pesquisa tecnológica, que no exterior são bastante comuns. No Brasil, os contratos entre companhias e institutos têm de ser, obrigatoriamente, intermediados por alguma fundação. E, se a parceria não for estabelecida, os pesquisadores de órgãos públicos que quiserem desenvolver trabalhos para empresas particulares terão de se demitir, pois não podem se licenciar para essa finalidade. A lei também proíbe o governo de comprar tecnologia de empresas privadas, uma ferramenta de incentivo largamente usada por nações como a Itália e a própria Coréia do Sul, e que no Brasil foi vetada já há algumas décadas (pelo receio, aliás fundamentado, de que as verbas públicas viessem a ser dilapidadas).

"Criou-se, no país, um enorme fosso entre as empresas e as universidades, o que é lamentável quando se pensa na boa média da qualidade dos nossos institutos", critica Júlio Gomes de Almeida, diretor executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). "Temos pesquisadores excelentes em todas as áreas do conhecimento, e vários de nível internacional. Muitos deles jamais desenvolveram um único projeto para a indústria."

Isso também afeta os institutos, uma vez que, por falta de eventuais recursos advindos das parcerias com empresas, eles tampouco podem financiar pesquisas científicas mais "puras" na escala desejada. Contudo, apesar do pequeno intercâmbio empresa-universidade, a indústria está muito mais qualificada em termos de mão-de-obra científica do que geralmente se imagina.

Segundo o IBGE, a participação do pessoal pós-graduado empregado diretamente em pesquisa e desenvolvimento dentro da cadeia produtiva brasileira cresceu, no período 1998-2003, de 7,1% para 8,1%, e o de graduados de 41,4% para 48,5%. Parcela significativa desses pesquisadores passa parte do tempo deslocada em outras funções por falta de meios, em suas empresas, para se aprofundar em mais pesquisas de fundo tecnológico.

Remédio

Reconheça-se, porém, que desde meados dos anos 1990 as várias instâncias de governo, universidades e institutos de pesquisa vêm tentando remediar a situação, com a criação de uma série de leis e programas, de modo a contornar os obstáculos e capacitar um pouco mais as indústrias brasileiras, principalmente as de capital nacional e as de pequeno e médio porte.

Talvez a mais estratégica dessas medidas seja a Lei de Inovação Tecnológica, criada durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e aprovada, com algumas modificações, na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva. Atualmente à espera de regulamentação, a lei remove a maioria do entulho burocrático que dificulta a parceria tecnológica entre governo, institutos de pesquisa tecnológica e empresas privadas, dentro de critérios, em tese, mais ou menos blindados contra eventuais favorecimentos e desvios de verbas públicas.

A Lei de Inovação deverá abrir caminho para a efetivação da nova política industrial do governo federal, a primeira com alguma consistência elaborada desde os anos 1970, e que deverá privilegiar o desenvolvimento tecnológico de quatro setores considerados fundamentais para a indústria de ponta brasileira: bens de capital, software, componentes eletrônicos, e fármacos e química fina.

Algumas centenas de arranjos produtivos locais, consórcios de exportação e projetos setoriais integrados, organizados, principalmente, sob os auspícios do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), também colocaram milhares de firmas industriais de pequeno e médio porte em contato com tecnologias modernas nas áreas de produto, processos industriais e comercialização. Programas destinados especificamente à exportação também foram desenvolvidos para vários setores industriais pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, em parceria com universidades e institutos de pesquisa.

Há mesmo institutos que chegaram a desenvolver por conta própria programas de capacitação tecnológica de empresas, tanto por meio de incubadoras - centros tecnológicos voltados antes para "projetos" industriais do que para empresas propriamente ditas, que "nascem" apenas após o projeto ter sido viabilizado - quanto pela criação de tecnologias dentro do ambiente de pesquisa, oferecidas depois a empresas interessadas.

"Em quase todos os países a inovação tecnológica radical é feita na micro e na pequena empresa", justifica Guilherme Ary Plonski, diretor superintendente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), por onde já passaram mais de uma centena de pequenas empresas realmente inovadoras. "Lá fora, as grandes companhias depois absorvem essas tecnologias e encarregam-se de desenvolvê-las e comercializá-las em larga escala. Por que no Brasil seria diferente?"

Os resultados de todo esse esforço mais ou menos coletivo, embora desarticulado, têm sido, naturalmente, desiguais. As pequenas e médias empresas continuam a desempenhar papel subsidiário na economia brasileira (as multinacionais respondem ainda por mais de 60% das poucas inovações industriais do país) e a encontrar dificuldade para exportar - atividade que pressupõe a oferta de artigos de maior valor agregado. Menos de 500 empresas, a maioria delas multinacionais, respondem também por algo em torno de 60% a 65% das exportações industriais nacionais.

O próprio IPT tem casos de sucesso e de fracasso para narrar. O instituto conseguiu desenvolver por sua própria conta, por exemplo, uma tecnologia na área ambiental capaz de separar o alumínio do papelão e do plástico nas embalagens tetrapak, como as caixas de leite - algo inédito no mundo -, e vendê-la depois para uma pequena empresa paulista, a TSL Engenharia Ambiental.

Essa companhia foi tão bem-sucedida na operacionalização da tecnologia que firmou uma parceria com a Alcoa (alumínio), a Klabin (papelão) e a Tetra Pak (embalagens) para a montagem de uma grande usina de reciclagem em Piracicaba, interior de São Paulo, recentemente inaugurada, e já começa a avançar em direção ao mercado externo. Até o fim do ano pretende colocar em operação uma instalação industrial em Valência, na Espanha. "Também deveremos abrir unidades na Itália e na Alemanha", conta Gunther von Atzinger, superintendente de produtos da empresa.

No entanto, o IPT não obteve o mesmo sucesso na comercialização de um prático equipamento de reciclagem de areia de fundição (um verdadeiro veneno ambiental), que foi montado sobre um caminhão para atender "em domicílio" as companhias do setor. Só as três empresas que participam do projeto desde o seu início, nos anos 1990, e financiaram parte da pesquisa utilizam o caminhão. As fundições não se interessaram, pois sai mais barato enviar a areia para os aterros - isso quando eles são usados.


Busca de atalhos para a inovação

Produtos industrializados de alta tecnologia perdem feio para as commodities

Praticamente todas as empresas brasileiras que investem em inovação tecnológica têm um pé no mercado externo. Obrigadas a competir quase sempre com companhias de países industrialmente avançados, elas têm na tecnologia - além, claro, dos preços competitivos - a única ferramenta capaz de diferenciá-las diante da concorrência.

Os principais artigos de alta tecnologia exportados pelo Brasil são aviões, produtos químicos, automóveis e autopeças, bens de capital e equipamentos de telecomunicações (como telefones celulares). Todos esses itens são fabricados por empresas incluídas na Pintec 2003 como inovadoras.

"Exportação e inovação tecnológica sempre caminham juntas", afirma Júlio Gomes de Almeida, diretor executivo do Iedi. "A indústria brasileira inova pouco porque também exporta pouco."

De fato, o grosso das exportações brasileiras é ainda composto por commodities minerais e agrícolas, e dentre os produtos industrializados predominam os itens de menor conteúdo tecnológico, como alimentos, têxteis e artigos de vestuário. Segundo o Iedi, dos US$ 96,5 bilhões exportados em 2004, 78% foram gerados por produtos de baixa ou média intensidade tecnológica.

No México, que tem a vantagem de estar integrado ao Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), as exportações de produtos de menor conteúdo tecnológico respondem por apenas 40% das vendas externas - um índice sensivelmente melhor que o do Brasil, seu principal concorrente latino-americano. A Coréia do Sul e a China apresentam, respectivamente, 48% e 63%. A média mundial é de 56%.

A falta de competitividade do Brasil nessa área - que preocupa o governo federal, já que os preços das commodities começaram a desabar em 2005, depois de alguns anos em alta, e devem comprometer a balança comercial a médio prazo - pode ser comprovada no intercâmbio comercial com a China, país, aliás, que foi responsável pelo boom das commodities nacionais verificado de uns cinco anos para cá.

Enquanto os chineses venderam ao Brasil, no primeiro semestre deste ano, produtos com preço médio de US$ 1.585,25 por tonelada, suas compras de artigos brasileiros custaram apenas US$ 88,17 por tonelada. Os principais produtos adquiridos dos chineses foram os eletroeletrônicos. O que eles mais compraram, minério de ferro.

A explicação dessa estranha distorção - um país fortemente industrializado que ancora suas exportações em produtos primários ou fabris de baixo valor agregado - está no modelo de industrialização adotado, à base de substituição de importações.

Principalmente entre as décadas de 1950 e 80, multinacionais de todos os setores imagináveis da indústria vieram se instalar no Brasil, como forma de atender a um crescente mercado interno, que foi cercado por uma verdadeira muralha de taxas de importação justamente para atrair essas companhias.

"O problema é que a maioria dessas multinacionais não se sentiu inclinada a investir em tecnologia", diz Roberto Nicolsky, diretor-geral da Protec. "Com o oitavo mercado consumidor do mundo à sua disposição, elas podiam se dar ao luxo de produzir artigos com o conteúdo tecnológico que desejassem."

Outro efeito perverso desse modelo, segundo Nicolsky, é que ele, de certa forma, ajudou a potencializar tecnologicamente as próprias matrizes das multinacionais, já que muitas puderam renovar seus equipamentos enviando os mais antigos ou obsoletos para o Brasil. Isso contribuiu para que as matrizes se distanciassem ainda mais, tecnologicamente, das filiais implantadas no país, aumentando a dificuldade de inserção internacional dos produtos brasileiros.

De outro lado, o porte do mercado interno ajuda a explicar por que a indústria do país não seguiu, por exemplo, o modelo adotado pela Coréia do Sul nos anos 1980 e 90, também baseado na substituição de importações, mas, ao contrário, completamente voltado para as vendas externas. Lá, um mercado interno muito menor do que o brasileiro de certa forma obrigou as empresas (mesmo as multinacionais) a investir em tecnologia, já que a exportação era o único caminho para o escoamento da produção.

Capacitação

O desinteresse das multinacionais em produzir no Brasil artigos de maior valor agregado explica ainda, de certa forma, a surpreendente quantidade de empresas de capital nacional altamente inovadoras voltadas para a exportação, cujo maior exemplo é a ex-estatal Embraer - que hoje se dá ao luxo de produzir o avançadíssimo e bem-sucedido avião EMB 145 unicamente para o mercado externo.

Essas empresas são, quase sempre, exceções dentro das suas áreas de atuação - não há setor industrial brasileiro que não seja tecnologicamente atrasado, quando visto em conjunto. Estão mais concentradas, contudo, no segmento de máquinas e equipamentos e bens de capital. Algumas fabricantes de máquinas de origem brasileira estão hoje entre as mais modernas do mundo.

Curiosamente, essas companhias se agruparam em determinadas áreas, algumas das quais se tornariam verdadeiros pólos de alta tecnologia, como Campinas (SP), Joinville (SC) e Caxias do Sul (RS). Uma das empresas mais bem-sucedidas da região de Campinas é a Romi, de Santa Bárbara d’Oeste, que produz máquinas-ferramenta tão práticas e baratas, e mesmo assim com tal conteúdo tecnológico, que exporta para praticamente o mundo inteiro.

A catarinense WEG, de Joinville, outra fabricante de máquinas e bens de capital com fortíssima presença internacional, foi ainda mais longe. A companhia já não está mais limitada às exportações - mantém subsidiárias em nada menos do que 18 países, incluindo Estados Unidos, Japão e várias nações européias.

Pertencem também à região de Joinville outras importantes indústrias de máquinas e equipamentos de alta tecnologia e com vasta clientela ao redor do planeta, como a Embraco (compressores), a Multibrás - fabricante de fogões e geladeiras Consul e de outras marcas, que cresceu tanto que acabou se associando com a norte-americana Whirpool, com a qual divide o fornecimento internacional - e a Tupy, empresa de fundição que simplesmente produz autopeças para a lendária montadora inglesa Jaguar.

"Essas empresas têm em comum o intercâmbio permanente com universidades e institutos de pesquisa tecnológica", revela Paulo Medeiros, secretário de desenvolvimento de Joinville, cidade que também tem uma agressiva política de incentivos fiscais para as companhias exportadoras - o município é responsável por 1,5% das exportações brasileiras e 22% das catarinenses.

O pólo metalúrgico de Caxias do Sul é igualmente competitivo em termos tecnológicos e no mercado externo, saindo-se bem até mesmo no refinado segmento de processos industriais - a Lupatech, sediada naquela cidade, desenvolveu, por exemplo, um inédito processo termoquímico de pré-sinterização (uma fase do processo metal-siderúrgico), que já foi exportado para os Estados Unidos.

É o caminho que deve seguir em breve, também, a fluminense Tecno-Logus, que desenvolveu a tecnored, uma nova tecnologia para a produção do ferro-gusa siderúrgico, que já foi adotada pela paulista Villares, hoje parte do poderoso grupo siderúrgico espanhol Sidenor. "Com essa tecnologia, é possível reduzir o tamanho dos equipamentos e ainda multiplicar a produtividade", resume José Henrique Noldin Jr., diretor de tecnologia da Tecno-Logus.

As companhias inovadoras e exportadoras estão também no setor de perfumes e cosméticos - com destaque absoluto para a paulistana Natura -, calçadista - concentradas na região de Novo Hamburgo (RS) e em algumas capitais nordestinas - e de automação industrial.

A gaúcha A. Grings, de Igrejinha, produz para praticamente o mundo todo os sapatos Piccadilly e Cally. A empresa destacou-se, no entanto, também por implantar uma linha de montagem bastante inovadora, na qual os trabalhadores revezam as atividades quase que conforme seus desejos. "Isso aumentou não apenas o rendimento da empresa, como o próprio nível de satisfação e a iniciativa dos funcionários", conta Paulo Eloi Grings, diretor comercial da companhia.

A indústria calçadista é, aliás, um caso que deve ser colocado à parte no universo da inovação tecnológica brasileira. "Esse é, provavelmente, o único setor capaz de fundir alta tecnologia com uso intensivo de mão-de-obra", explica Ênio Klein, consultor de várias empresas da área, que já responde pela produção de mais de 200 milhões de pares de calçados por ano, a maioria, claro, com pequena incorporação de tecnologia. De qualquer forma, nada menos do que de 400 a 500 empresas calçadistas podem ser consideradas hoje "exportadoras contínuas", principalmente para o mercado constituído pelos países emergentes.

Na área de automação industrial, a Smar, de Sertãozinho, na região de Ribeirão Preto (SP), alcançou tal grau de desenvolvimento tecnológico que há alguns anos fornece equipamentos de controle de caldeiraria para navios de guerra da marinha dos Estados Unidos, além de várias indústrias. "Nossa tecnologia tornou o Brasil auto-suficiente na área de automação e controle", afirma César Cassiolato, diretor de marketing da companhia.

Há empresas inovadoras até mesmo na quase desconhecida área de instrumentos musicais, na qual o Brasil tem uma tradição que remonta ao começo do século 20. A Hering, de Blumenau (SC), exporta suas gaitas até para a Alemanha e os Estados Unidos, as pátrias desse instrumento.

Já a Weril, fabricante paulistana de instrumentos metálicos de sopro, é tão reconhecida no exterior pela qualidade de seus saxofones, flautas e trombones que recebe prêmios em quase todos os concursos de que participa, que são muito comuns principalmente nos Estados Unidos. "Nosso segredo é sempre trabalhar junto com os músicos e acompanhar de perto as tendências internacionais do nosso setor", afirma Nélson Eduardo Weingrill, diretor da empresa.

 

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