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Entrevista

 

Myrian Muniz

 

Em sua última entrevista exclusiva, a atriz, que faleceu no final de dezembro, fala sobre sua vida nos palcos

 

Na tarde de 07 de dezembro, uma terça-feira de forte calor, a atriz e diretora Myrian Muniz recebeu a Revista E para uma conversa que durou quase quatro horas. Tinha os cabelos presos, ainda molhados de uma rápida ducha, trajava um vestido sem alças e calçava uma sandália. Engraçada e gentil, mostrou seu apartamento de dois quartos no paulistano bairro de Higienópolis e chamou atenção para um aviso que colocara sobre a pia da cozinha, onde se lia: “Mantenha tudo arrumado. É mais estético.”  Sorridente, comentou: “A empregada veio me perguntar o que é estético!” Participante ativa da renovação da moderna dramaturgia brasileira (“fiz de tudo, de atriz até limpar palco e cortinas”), quando o Teatro de Arena, com espetáculos como Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri, e o Teatro Oficina, com O Rei da Vela, versão de Zé Celso para a peça de Oswald de Andrade, revolucionaram o teatro nacional a partir do final da década de 1950, destacou-se também no cinema, em filmes dirigidos por Ana Carolina e no recém-lançado Nina, de Heitor Dhalia, onde interpreta a personagem Eulália, e como importantíssima diretora de atores, na Escola Macunaíma, que manteve junto com o ex-marido Silvio Zilber. Na televisão, experimentou muitos sucessos, sendo o mais recente por conta da portuguesa sovina de Os Maias, adaptação de Maria Adelaide Amaral para a obra de Eça de Queiros. Estava cheia de planos, entre eles, a direção de Gota d’Água, de Chico Buarque e Paulo Pontes. A última vez que subiu aos palcos foi no dia 16 de dezembro, no projeto Flerte Literário – 50 anos do Teatro de Arena, no Sesc Pinheiros, para ler fragmentos da lendária peça Arena conta Zumbi. Na noite de sábado, 18, ao vestir-se para uma festa, sentiu-se mal, vindo a falecer em seguida, vítima de um derrame cerebral. Nesta que talvez seja sua última entrevista, Myrian faz um balanço de sua carreira, como atriz, diretora e professora, além de contar que estava fascinada com a idéia de dar palestras – “as pessoas me perguntam qualquer coisa e eu respondo”, contou, sempre bem-humorada e crítica, duas de suas principais características. A seguir, os principais trechos desta conversa exclusiva com a Revista E.

 

Além de uma grande atriz, você é conhecida por ter sido uma excelente professora de interpretação. Podemos começar falando disso. Como se ensina a atuar?

Dediquei-me a ensinar interpretação durante muito tempo. Trabalhei bastante no teatro e depois senti curiosidade de descer do palco para olhar para o ator. Porque, quando se sai de cena, o ator não tem muita consciência de si mesmo, e quem não se conhece não pode fazer o outro. Por isso essa vontade de desvendar o que eu considero um mistério – a arte é misteriosa. Na verdade, nem gosto muito de falar disso porque as pessoas ficam pensando que sou louca. Mas, enfim, dediquei-me a ensinar, ou, melhor dizendo, a orientar a criação do outro. Agora sobre como é que se faz isso... É difícil explicar. Depende de cada um que se apresenta na sua frente. Cada um é de um jeito. Você consegue que cada um se exponha de um jeito, afinal é necessário se expor para um trabalho como esse. E as pessoas respondem, geralmente.

 

E é necessário esforçar-se muito para dar essa resposta?

É difícil. Socialmente a gente se esconde. E todas as máscaras têm de cair. É um processo, tem de ir devagar. Você não pode trabalhar com o ser humano aos trancos e barrancos. Você precisa esperar. É um caso de amor. Ele tem de se apaixonar por você, te admirar. Aí há muita briga, ódios. Às vezes ele quer te matar, você quer matá-lo. Ficam de mal. E depois voltam. É uma coisa, assim, muito delicada mexer com a psique de uma pessoa.

 

É possível melhorar a atuação de um canastrão, por exemplo?

Também depende. Se for um canastra convicto, é difícil. Até porque tem de ter base para ser ator. Na prática do teatro, naquela caixinha preta, cabem todas as artes, todas as ciências. A pintura, a música, a arquitetura, a química, a matemática, a luz, a iluminação, qualquer coisa – até algumas metafísicas, ligadas às leis da terra, do céu, muito além do sistema solar... Enfim, é arte. E sempre começa pelo caos. Não é tudo certinho. De repente você está indo por um caminho e conclui depois que não era nada daquilo, e tem de voltar tudo, trazer outra beleza. Ou seja, demora. Depende, também, muito da empatia que você eventualmente tenha pela pessoa, pela cultura e informação que ela traz, pelo seu ponto de vista, aceitando outras visões também. Geralmente as pessoas têm um único ponto de vista, e acham que é o que vale. Só que primeiro é preciso aprender que é necessário que haja ao menos dois diferentes pontos de vista para construir um personagem. É preciso tirar as viseiras, e isso dói. É preciso enxergar de outros jeitos. Às vezes você pega uma pessoa já mais “amaciada”, preparada e informada, com quem é possível estabelecer um diálogo mais prático e visível – e que vai se relacionar com o invisível, com o que ainda está para se revelar. E você diz: “Descobri!”. Isso é muito bonito.

 

De certa forma você acredita que o ator precisa estar, digamos, “ignorante”?

Não existe o ignorante. Eu ignoro porque não sei, caso contrário não ignoraria. Eu sempre tenho implicância com essa palavra, “ignorante”. Eu sou ignorante daquilo que não sei. É só me explicar que eu fico sabendo e deixo de ser ignorante. Vamos trazer informação. Trabalhei com uma aluna que 12 anos depois concluiu: “Eu não sou atriz, vou fazer produção e vou defender uma tese sobre o Flávio Império” [o cenógrafo]. Ela escreveu uma tese tão deslumbrante que parecia que algo divino tinha acontecido. E eu acredito nos deuses da arte. Acho que o artista trabalha num outro plano. Este é o mistério. Essa minha aluna, por exemplo, hoje, está cantando.

 

Você gosta mais de interpretar ou de ensinar?

Eu gosto sempre de tudo. Mas, aos 73 anos e mais a artrose, pressão alta, diabetes, não agüento mais. Sou muito emocional, por qualquer coisa que me aconteça, que me deixe nervosa, a minha pressão sobe a 150 e a glicose oscila, eu me sinto muito mal. Mas o que posso dizer é que o teatro é a base. Para você fazer televisão, cinema, você tem de fazer teatro. Senão o ator não vai entender nada do que faz. Tem de ter a base teórica. Atualmente, eu ficaria no palco, mas sentada. Gosto mais de fazer palestras, sentada. Fiz uma palestra no [Teatro de] Arena outro dia – participei do Arena durante nove anos – e fiquei sentada. De vez em quando levanto, faço umas palhaçadas, sento de novo. Mas não agüento mais ficar de pé, andando pelo palco. Estou muito cansada. Por isso também eu estou fazendo cinema. Porque no cinema tem o “corta”. Se a cena não deu certo, corta. Descansa um pouco e vamos lá de novo. No teatro você tem de encarar até o fim sem descansar. Então, eu acho que não dá mais para eu fazer teatro.

 

Mas não fosse o cansaço...

Ah, eu estou tão louca para representar! Se eu pego um personagem, fico curiosíssima. E no teatro o movimento é na vertical, você vai fundo. Já na televisão é na horizontal. O ator pega o texto, prepara durante a noite e de manhã você está fazendo. Quando eu fazia teatro, ficava muito solitária. Para você entender um personagem no teatro é preciso ficar sozinho, descobrindo. Às vezes, ficava noites acordada para memorizar tudo aquilo. E começar a visualizar. Porque não é só falar, é visualizar o que você está dizendo. E sentir, buscar o crescimento. Você faz uma espécie de gráfico da personagem, da vida toda dela. Momentos dramáticos, intensos. É um trabalho muito bonito, mas depende muito do ator.

 

Você trabalhou cerca de nove anos no Teatro de Arena. Do seu ponto de vista, quais eram as preocupações que existiam no teatro na época em que ele foi criado?

Eu fazia parte do teatro elitista. Eu venho da escola do Alfredo Mesquita, uma escola particular. Tinha professores que vinham da Europa, uns professores italianos. Os italianos são maravilhosos para ensinar interpretação. Mesmo o Flávio Império, eu trabalhei 27 anos com ele, e ele era cenógrafo, figurinista, professor de comunicação visual, pintor, poeta, deu aula na FAU [Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP]. Ele era tudo. Trabalhei com ele fazendo produção, aprendendo todas as coisas. No teatro aprende-se de tudo. Comecei varrendo, batendo o pano no palco, arrumando as coisas, cuidando dos altares – teatro tem muito de ritual, tem os deuses, mas também tem os capetas. O diabo de um lado e o deus do outro. Terrível o que emerge. Emerge o seu lado maravilhoso e emerge o seu “capetão” com o seu “rabão”. E aí eu tive essa escola na qual fiquei quatro anos com ótimos, maravilhosos, professores. Trabalhei com os mestres sete anos e fazia produção, trabalhava como atriz, pintava o teatro, cuidava do guarda-roupa, enfim, fazia tudo. E aprendi muito. Depois, fui trabalhar no Arena – já tinha passado pelo Teatro Oficina –, numa peça do Augusto Boal chamada Zé, do Parto à Sepultura. Eu era uma mulher grávida há dois anos e meio que não podia parir porque não comia, então não tinha força para parir. Então eu tinha uma barriga enorme, de dois anos e meio. Aí depois nascia Fauzi Arap, era muito engraçado. Depois começou a vir o teatro brasileiro, essa coisa do texto da dramaturgia brasileira. E o Arena revolucionou o teatro. Na época havia o teatro elitista que era o TBC [Teatro Brasileiro de Comédia], só com peças estrangeiras. As pessoas se arrumavam para ir ao teatro. Saíam aqueles penteados, as mulheres iam de tailleur, jóias. Ir ao TBC era uma coisa chique. E era caro. E o Arena revolucionou. Deu início a um teatro popular, dirigido à classe média, mais barato, dentro de uma garagem com 80 lugares. E a dramaturgia brasileira se encontrou nos jovens que queriam ser autores, como o [Gianfrancesco] Guarnieri, que escreveu Eles Não Usam Black-Tie. O Teatro de Arena começou em 1954. Era do Zé Renato, que também era aluno da EAD [Escola de Arte Dramática]. Mas daí juntou o Boal, que tinha vindo dos Estados Unidos, tinha feito um curso no Actor’s Studio, juntou o Guarnieri, o Flávio Império, o Juca [de Oliveira], o Paulo José e o Paulo Cotrim. Eles ficaram sócios e aí começou o teatro brasileiro, um jeito brasileiro de representar. Não tinha aquela coisa toda impostada. Falava-se gíria, palavrão...

 

E os trejeitos? A postura era também bastante européia.

Era. Se bem que isso faz parte. Toda peça tinha um professor de corpo. Isso eu acho fundamental. O corpo que não dança é como a alma que não reza. O corpo fala. Então, é importante o corpo. A gente sempre teve a figura do professor de corpo. Mas lá, nesse outro teatro, nesse primeiro, eles vinham da Europa. Uns homens altos, aquelas roupas, aquelas rendas, era uma frescura maravilhosa, lindo. Muitas peças francesas de Molière caçoando da sociedade. Cheguei a participar de muitas peças do TBC, assim como do teatro da Dulcina. Era maravilhoso, bem brasileiro.

 

Como era?

Era misturado. Dulcina misturava uma coisa bem elitista com uma coisa cafona brasileira. Era fantástico o que aquela mulher entendia de teatro. Porque ela nasceu dentro de um camarim. Eu conheci a mãe dela, Conchita de Moraes, que estava encenando com 90 anos. E passou pelo TBC também, dirigida pelo Flávio Rangel. Fizeram Liberdade, Liberdade, com o Paulo Autran, que era um texto do Millôr [Fernandes], no tempo da ditadura. Mas no Teatro de Arena mesmo é que nasceu a dramaturgia brasileira. Chapetuba Futebol Clube, por exemplo, do Oduvaldo Viana, Eles Não Usam Black-Tie e Gimba, ambas do Guarnieri. E depois veio toda a temática de nossa sociedade, da problemática política. Não se falava muito em política, falava-se de uma política distante, não da nossa. Por isso que acabou. Porque também a última peça era provocativa. Chamava Feira Paulista de Opinião, o Renato Consorte fazia um general, então ele tirava o capacete, defecava nele e jogava na platéia. Sabe, era um cocô de plástico, desses que vendiam no viaduto. Aí foi demais. Aí o CCC, que era o Comando de Caça aos Comunistas, ameaçou que ia nos matar. Matar a todos. E eles atacaram mesmo. Em cartaz na época estavam, além da Feira..., Lá no Último Bar, com a Marília Pêra, e Roda-Viva, do Chico Buarque, dirigida pelo Zé Celso. Na verdade, ao todo, eram cinco peças mandando ver na ditadura. Uma noite eles entraram, eram todos lutadores de...

 

...judô e caratê?

Todos. E em cinco minutos eles quebraram e ficaram apertando os seios das mulheres. Quebraram a perna do Rodrigo Santiago. Enfim, foi uma coisa muito violenta. Aí eu resolvi fazer uma escola, trabalhei na TV Tupi, fiz muito sucesso. Televisão também é bom porque pagam muito bem. Agora, na Globo, por exemplo, você é visto no mundo inteiro. Eles conseguem popularizar até Eça de Queirós.

 

Como foi sua experiência em Os Maias, de Eça de Queirós, dá para fazer um trabalho de ator mesmo?

Ah, dá. Quando é uma minissérie, eles te procuram um pouco antes. A Maria Adelaide Amaral, que fez a adaptação, me deu o texto antes, eu pude estudar a personagem, uma portuguesa milionária, muito sovina. Eu gostei. Só que cansa muito, você pega a ponte aérea, vai até o Rio de Janeiro, daí você vai até Jacarepaguá, naquele negócio chamado Projac, passa 15 horas lá, daí volta, geralmente o texto entra por baixo da porta de madrugada, eles fazem modificações, muito cansativo. E não se pode nem andar na rua depois.

 

Por causa do sucesso?

“Oh, que maravilha que você fez.” Muito beijo.

 

Esse tipo de reação não te agrada?

Não é que não me agrade. É que no teatro há uma distância da própria natureza da coisa que é  “meus parabéns”. Podem até te dar um braço. Na televisão eles “montam” mesmo em você.

 

É uma intimidade estranha, não?

Muito. As pessoas namoram vendo televisão, comem vendo televisão, vão ao banheiro vendo televisão. Fazem tudo vendo televisão. Ou seja, você faz parte da família deles. Há intimidade, mesmo. Imagine você na televisão enquanto um casal está namorando. Você passa a fazer parte da intimidade das pessoas. Então eles te agarram mesmo. E é natural. Eles avançam em você. Eu fico com pena do Roberto Carlos. Uma vez me roubaram o sapato. Uma mulher não queria me devolver, para guardar de lembrança. Ah, é demais. Convidaram-me até para ir a festas. Queriam me dar R$ 5 mil só para eu ficar dez minutos. Eu não aceito.

 

Você contou uma vez que encenou uma peça para qual ensaiou durante um ano. Hoje, uma peça tem de ficar pronta em 15 dias. Ou seja, o tempo é outro?

Havia produtores naquele tempo. Agora não há mais, há patrocínio. Os que cuidam do dinheiro ficam atormentando, pois querem que tudo vá logo, “que o dinheiro” isso, “que os juros” aquilo.

 

Por que você acha que se criou uma certa rivalidade entre o Teatro Oficina e o Teatro de Arena?

Não era uma rivalidade. Era um jeito diferente de ver. Zé Celso tem aquela loucura fantástica – não é uma loucurinha qualquer. Então ele mudou as coisas, um grande diretor de peças realistas. Daí, de repente, ele se encheu e começou a criar. Depois que o Living Theatre esteve no Brasil, o panorama mudou um pouco. E aí se começou a criar um novo tipo de coisa, como, por exemplo, O Rei da Vela, do Oswald [de Andrade]. Foi como quando houve a Semana de 1922. Teve a semana, e várias coisas vieram se transformando, tornando-se mais modernas. Eu acho que o mais moderno mesmo é o Zé Celso. Ele fez Os Sertões, de Euclides da Cunha. Ele ainda tem força de representar. O que é fantástico.

 

O que a gente pode dizer que ficou do Arena e do Oficina? Dá para dizer qual a contribuição de cada um?

É a história do teatro brasileiro. Não tenha dúvida. E a contribuição se deu em todos os sentidos. Interpretação, pontos de vista, jeito de ver, idéias centrais das coisas, o jeito de interpretar, a informação. Enfim, tudo foi ampliado. Antes havia um único ponto de vista, e depois isso se abriu. Ou seja, há toda uma influência. E fiz o meu pedacinho, a minha historinha.

 

Na sua trajetória existe um fato que é muito interessante, que é aquele show histórico que você dirigiu, o Falso Brilhante, da Elis Regina. Como foi?

Foi numa época importante, show com Elis Regina, 1975. A gente trabalhava junto com o psicanalista e escritor Roberto Freire. Ele era professor de psicologia do ator. E quando eu abri a Escola Macunaíma, com meu ex-marido, Silvio Zilber, nós achamos que deveria ter esse apoio. Porque muita gente surta, pira. Temos de tomar muito cuidado para trabalhar com emoção e com sentimentos. Porque... enfim. O ser humano é delicadíssimo. Quem iria dirigir o espetáculo seria o Silney Siqueira, que tinha feito Morte e Vida Severina, do Chico Buarque. Mas aí, um dia, ele falou: “Myrian, você não quer dirigir? Porque você conhece música brasileira”. Eu sempre gostei de música e eu nasci no meio da música. Sou descendente de italianos e portugueses, nasci ouvindo ópera. E o Silney acabou dizendo que não iria mesmo ter paciência para dirigir. “Vai você”, ele disse para mim. Eu fui encontrar com Elis Regina, deu certo num ponto. Eu tinha grande admiração por ela. Quando a Elis chegou – eu a conhecia do Teatro de Arena, porque ela namorava o Chico Solano –, me procurou e disse: “Não agüento mais cantar com o microfone, fazer uma hora de show e ir embora. Quero fazer um espetáculo”. Ela não sabia que era atriz, mas era. E ela tinha uma voz que alcançava até o lírico. Então nós começamos a fazer, junto com o Naum Alves de Souza, o roteiro. A gente trabalhava na Escola Macunaíma. Fizemos um grupo e começamos a ensaiar. Nós tivemos quatro meses – porque quem produzia era a Polygram e tinha dinheiro. Então nós pudemos trabalhar aula de corpo, por exemplo. Mas os músicos não estavam acostumados, e dirigir músico é muito difícil, ainda mais no caso deles, que tinham de representar e dançar. “Tá pensando que a gente é o quê? Fazer balé?”, eles diziam. Mas não era balé, era movimento. Ou seja, ainda tinha de lidar com o preconceito deles de fazer “balé”! Mas era o Roberto Freire quem cuidava, digamos, dos relacionamentos. Ainda bem, porque eu sou de escorpião. Agora não mais, porque estou velha, não tenho mais energia, mas sou muito briguenta. Muito, muito briguenta. Muito emocional. O que tenho de falar, eu falo mesmo, se me enchem a paciência, eu grito. E o Roberto, sempre que surgia um conflito, ele aliviava as coisas. Era ótimo, tínhamos um psiquiatra no meio. Mas, enfim, foi muito bonito o trabalho com ela [Elis]. Foi um namoro mesmo. Uma relação amorosa. E o Naum é muito talentoso. Foi no Teatro Bandeirantes, um teatro enorme. Lotou um ano inteiro com 1.200 pessoas na platéia. Só que aí, como a Elis tinha cinco advogados e eu nenhum – porque eu tinha uma cabeça de macaca, macaca mesmo, de zoológico –, quando chegou na hora do dinheiro, deu um bode. Imagine, cinco advogados contra uma idiota que não tinha nenhum. Eu e o Naum não ganhamos quase nada. Mas não digo que isso tenha sido coisa da Elis. Ela não cuidava de dinheiro. Eram os advogados mesmo, com seus contratos...