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Arte eletrônica: em construção

É do homem a necessidade de contar histórias. Cada qual conta a sua versão e dá a sua interpretação pessoal, individual e intransferível do que acontece. A arte, transcendendo o seu tempo, expressa e questiona este "acontecer" de formas variadas e radicais. Desde as pinturas rupestres na Pré-História até a arte digital dos tempos atuais é assim.

Antes da exploração exclusiva da técnica e da matéria natural - rompida pelo marco da fotografia -, a imaginação transbordou na pintura e na escultura por milhares de anos. Há menos de 200 anos, no entanto, a abundância de suportes desenvolvidos pela ciência e tecnologia tem provocado o artista a experimentar recursos desconhecidos, que vão além da matéria e o desafiam a amplificar sua expressão ainda mais. Agora, para o campo imaterial. E é neste campo ilimitado que surgem e vêm se definindo novas formas de interpretação.

A arte eletrônica, frente à história da arte, é ainda um bebê. Assim como a criança se vale da memória temporal e espacial do presente imediato para construir seu repertório, a arte das novas mídias também está construindo sua bagagem conceitual, estrutural e formal. Sua história, filosofia e metafísica estão sendo processadas sob nossos olhos. Sua identidade está em constante porvir.
Na imensidão em que navega e existe, neste universo de transformações instantâneas, do copy/paste, neste espaço/tempo não-linear e nada homogêneo, é possível também colocar em xeque a sua existência como arte.

Por existir e constituir este espaço imensurável há tão pouco tempo, é fácil compreender o descompasso temporal existente, muitas vezes, entre a criação eletrônica e sua veiculação. Aquém de todos os aspectos positivos, a tecnologia cria obstáculos restritivos para esta experiência inédita e sem limite: o desacerto entre fabricantes de computadores, cada qual com seu sistema, que impede seus consumidores de visitar o que é desenvolvido para os sistemas concorrentes e a exclusão digital, são exemplos básicos.

Entre os criadores e curadores, realizadores e instituições, também ocorrem desentendimentos frente a tanta novidade: a falta de previsão de pontos de conexão com a rede em mostras de grandes instituições, nacionais e internacionais, voltadas às artes visuais; curadores, questionando a necessidade destes pontos para exibir uma manifestação, que tem por característica essencial a desterritorialização; e, há quatro meses, a inscrição de um site do Sesc, o Web Paisagem 0 http://paisagem0.sescsp.org.br em celebrado festival internacional, o Ars Electronica, que exigia o envio - por correio! - do formulário de inscrição, também podem ilustrar as compreensíveis contradições.

Já, para além das questões contraditórias e solúveis com o tempo, é inquestionável a potente capacidade da mídia eletrônica para revelar e descobrir novos caminhos, recontar, multi-relacionar, samplear e amplificar histórias - a própria história em sua linearidade - e transformar nossa visão sobre o que "é" ou "não é" arte.

No mais, é gostoso saudar o Sesc e o Videobrasil, que acolhem este bebê e proporcionam condições para seu desenvolvimento; que se abrem e se dedicam aos grandes desbravadores da arte digital: viva Giselle Beiguelman, Kiko Goifman, Ricardo Barreto, Spetto, Luis Duva, Coletivo Bijari, Lucas Bambozzi, André Vallias, Diana Domingues, Artur Matuck, Gilbertto Prado...

Malu Maia é jornalista e editora de conteúdo do Sesc Online, a unidade virtual do Sesc São Paulo