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Vontade e política

Jorge Werthein, diretor da Unesco no Brasil, fala sobre violência, juventude e terceiro setor

Em depoimento exclusivo à Revista E, Jorge Werthein conta qual o trabalho desenvolvido pela Unesco no Brasil, instituição da qual é diretor, faz uma análise da atuação do governo brasileiro e da sociedade frente aos problemas sociais que nos assolam e cita a violência como um dos problemas mais graves a ser resolvido. A seguir os principais trechos:

Quem é a Unesco
"A Unesco é uma agência especializada de cooperação técnica das Nações Unidas que atua nas áreas de educação, cultura, ciências sociais, meio ambiente, comunicação e informação. Comecei como diretor da Unesco, em 1994, nos Estados Unidos, e em julho de 1996 assumi como diretor no Brasil. Nesses sete anos, a representação da Unesco no País cresceu muito. Temos um escritório em Brasília e outros que nos servem como 'antenas', isto é, unidades executoras de projetos, no Rio de Janeiro, Bahia, Mato Grosso e Pernambuco e, em breve, abriremos unidades em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Ao todo, são 260 pessoas que executam nossos projetos em cooperação com os governos federal, estaduais e municipais. Temos também atividades com instituições da sociedade civil como o Sesc, Instituto Ayrton Senna, Instituto Cultural Itaú, Fundação Banco de Boston, Fundação Horsa, além de convênios com um número muito grande de organizações não-governamentais."

Violência e juventude
"Uma das esferas em que julgamos a nossa ação mais premente é no que se refere à violência que atinge a juventude brasileira. Existem 34 milhões de jovens no Brasil entre 15 e 24 anos e eles são as principais vítimas dos altos índices de violência que assolam o País. Estamos tentando entender as várias faces da violência em algumas capitais. Para isso, penetramos nas escolas onde estamos trabalhando junto aos professores e alunos questões como sexualidade, drogas, violência, aids. Através de nosso trabalho pudemos detectar algumas causas da violência entre jovens dessa faixa etária. Entre as principais razões está, sem dúvida, a exclusão social. Vivemos numa sociedade extremamente desigual, onde alguns setores são completamente excluídos de benefícios que as sociedades conquistaram ao longo da História, como direito a cuidados médicos, educação, habitação e conhecimento. Essa exclusão é brutal e quase todos que vivemos aqui estamos conscientes disso. É ela quem provoca um dos mais altos índices de violência do mundo. Dos 60 países mais violentos que analisamos, o Brasil é o terceiro em número de mortes de jovens nessa faixa etária. Fica atrás somente da Venezuela e da Colômbia. O que temos que entender é que se não combatermos essa exclusão social o Brasil não deixará de ter posição entre os lugares mais violentos do mundo. A única maneira de combater essa exclusão é através de medidas inclusivas, ou seja, dar a determinados setores da população os benefícios aos quais eles têm direitos na sociedade. Não podemos combater a violência e os altos índices de homicídio com medidas repressivas. Elas não dão resultados. Precisamos de medidas preventivas, que são muito mais eficientes e baratas. Para se ter uma idéia do alto custo de uma política repressiva, a internação de um jovem na Febem custa ao Estado entre R$ 2.500 e R$ 3.000 por mês. Infelizmente, apesar desse custo, os jovens não são recuperados para que se reintegrem à sociedade."

Prevenir para não punir
"Creio que até hoje o Brasil não conseguiu formular uma política pública destinada à sua juventude. O que existe são programas destinados a essa faixa etária, mas que não fazem parte de uma política bem planejada pelo Estado. No entanto, estamos caminhando. Por exemplo, o Estado de São Paulo acaba de definir uma política pública em parceria com a Unesco que consiste na abertura das escolas nos finais de semana para que as crianças e jovens de baixa renda tenham um espaço de lazer aos sábados e domingos, até agora inexistente, onde possam desenvolver atividades culturais e esportivas. Como já foi demonstrado em outros Estados onde implantamos essa política, como Rio de Janeiro, Pernambuco, Alagoas, Bahia e Rio Grande do Sul, essa iniciativa tem impacto imediato na diminuição da violência e do número de mortes nas regiões beneficiadas pelo projeto. Lugares onde geralmente aos finais de semana e feriados os índices de violência costumam aumentar muito. Isso ocorre porque nesses dias não há escola, essa população não vai ao trabalho e, para piorar, não há alternativa de lazer. A única opção é a rua ou o bar. A falta de alternativas e de um lugar onde possam desenvolver suas potencialidades leva esses jovens a situações que trazem violência e morte. Bons exemplos da economia e da eficácia desse programa são os Estados de Pernambuco e Bahia. Nesses lugares, o custo mensal para mantermos uma criança freqüentando as dependências da escola nos finais de semana é de R$ 1."

Políticas públicas para a juventude
"O Brasil tem políticas públicas de grandes êxitos em outras áreas que são referências mundiais. O governo brasileiro é exemplo no combate à aids e na implantação do projeto bolsa-escola. O Brasil conseguiu fabricar aviões que são vendidos nos Estados Unidos, Canadá e Europa. Conseguimos lançar satélites no espaço. Ou seja, temos todas as possibilidades de formular políticas públicas. Só que não houve uma decisão política que priorize a preservação do presente e do futuro de nossa sociedade e essa preservação está nas mãos dos jovens. Por um lado, isso demonstra um certo descaso da sociedade brasileira com o problema, pois ela não pressiona o suficiente para que essas iniciativas sejam tomadas. Ao mesmo tempo temos exemplos que mostram grande sensibilidade da sociedade à questão da violência. Basta prestarmos atenção aos inúmeros programas de inclusão destinados a crianças e jovens que são desenvolvidos pelo terceiro setor. Temos vários exemplos de programas bem-sucedidos nessa área, como o Isca, no Ceará; Projeto Aprendiz, Instituto Ayrton Senna; Meninos do Morumbi, Sesc São Paulo; Afro-Reggae; e Viva Rio. Todos eles têm o apoio da Unesco."

O terceiro setor no Brasil
"Uma das coisas que mais me surpreendeu quando cheguei ao Brasil foi o poder de atuação do terceiro setor. Trata-se do mais atuante da América Latina. É um setor que soube assumir a sua responsabilidade social e entendeu que não existe nenhum governo que possa atacar a exclusão social se não contar com o esforço da sociedade. Esse fato é muito marcante, não só pelos projetos desenvolvidos, mas também porque mostra ao poder público que há experiências extremamente bem-sucedidas que podem ser utilizadas como políticas públicas em níveis macros em um país de uma dimensão continental como o Brasil. Essas experiências bem-sucedidas podem facilmente servir de exemplo aos governos municipal, estadual e federal e estendidas a esferas bem maiores."