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Paulicéia – Zona Leste

Os espaços inovadores de teatro do Sesc Belenzinho ganham destaque pela programação de qualidade e se tornam cult na cena cultural paulistana

Quando finalizou um dos seus recentes espetáculos - a tragédia Medéia -, o celebrado diretor Antunes Filho surpreendeu a todos quando expressou uma quase necessidade de estreá-lo no Sesc Belenzinho. A surpresa se dava porque o CPT - Centro de Pesquisas Teatrais -, dirigido pelo encenador, encontra-se no mesmo prédio onde também está localizado o Teatro Sesc Anchieta.
Nada de errado com a unidade do Belenzinho - muito ao contrário, e esta matéria dará todas as razões -, mas o espanto se deu pelo fato de que Antunes, talvez pela primeira vez nas últimas décadas - ou no mínimo num raro momento -, não estrearia sua montagem nos palcos do lendário Teatro Sesc Anchieta, optando por um lugar novo, em todos os sentidos. "Queria me afastar um pouco do palco italiano para tentar novas coisas, investir mais no ator", explica. "Simplificar cada vez mais e dar ao ator a primazia do teatro." E o espaço não-convencional oferecido pelo Belenzinho naquele momento convergia com seus objetivos.
O chamado Galpão, que divide com o Teatro as apresentações teatrais na unidade, é um espaço confortável, mas sem exageros, o palco fica no nível do solo e o público assiste à cena de cima para baixo. "A platéia até gosta mais, o ator fica mais junto dela", volta Antunes. "Tira um pouco daquela coisa do ator lá em cima, no palco italiano. Entramos numa época pós-moderna não-autoritária. E o palco italiano, por menos que se queira, é autoritário, é de cima para baixo. Com esse novo modelo estamos dinamitando o autoritarismo do teatro, do diretor e do ator, agora é hora de uma coisa mais democrática, mais diversificada, como os novos tempos exigem", analisa.
Antunes concebeu Medéia a partir da pesquisa que vinha realizando em sua série de espetáculos/projetos Prêt-à-Porter: o mínimo de tudo - cenário, luz, efeitos -, mas o máximo do ator. "E acho que o Sesc Belenzinho pegou essa coisa do Prêt-à-Porter, através do Medéia, e levou adiante com o maior sucesso." E bota sucesso nisso.
Clima de Festival
Durante os três últimos meses, por exemplo, das seis ou sete peças importantes em cartaz na cidade - e o número quase nunca é maior que esse, infelizmente - quatro estavam no Sesc Belenzinho. Basta conferir nome e sobrenome: Woyzec, com Matheus Nachtergaele; A Paixão Segundo G.H., monólogo criado por Fauzi Arap a partir de livro homônimo de Clarice Lispector interpretado por Mariana Lima; Bispo, elogiado trabalho do ator baiano João Miguel; e A Poltrona Escura, com o também premiadíssimo Cacá Carvalho (revelado no CPT de Antunes).
Na porta da unidade, um grande anúncio informa a programação teatral em cartaz. O cartaz singelamente sintetiza o que de mais moderno e revolucionário é oferecido nos palcos brasileiros - e essa é uma afirmação da crítica especializada em jornais e revistas. Algo também importante notado pela imprensa: o Belenzinho está localizado na zona leste paulistana, distante do grande circuito cultural instalado em torno das zonas sul e oeste da cidade. É cultura onde não havia espaço para cultura.
Lá dentro, nas ante-salas, o clima é feérico. Cinético. Dezenas de pessoas circulam pelos corredores. Várias coisas acontecem ao mesmo tempo. É comum espectadores correrem de uma peça a outra - assim como num festival de filmes raros. Quando não, gente que assistiu a Bispo cruza a fila de G.H., encontra um conhecido e está feita a melhor das propagandas: o boca-a-boca. "Essa coisa de ter montagens de qualidade foi criando uma programação e um buchicho que - opinião de quem é de fora de São Paulo - tornou o Sesc Belenzinho uma referência de qualidade", enxerga João Miguel. "Há várias discussões acerca do Belenzinho que são muito importantes. Uma delas é que você pode formar uma platéia com lugares menores; você pode formar um público atuando em locais que não necessariamente precisam ser grandes para funcionar. Outra coisa é a extensão das temporadas. Viu-se que vale a pena estender. A minha peça era para ficar um mês e meio em cartaz e já se vão quase quatro meses", conta, referindo-se ao sucesso de Bispo - onde focaliza a dolorida e rica história de Arthur Bispo do Rosário, que, internado em hospício, criou uma das obras plásticas mais singulares da arte brasileira. O ator comenta que seu espetáculo ainda o surpreende pela gama de público alcançado, diverso como o que freqüenta o próprio Sesc São Paulo. "São senhores, psicanalistas, universitários, gente de teatro, gente que nunca viu teatro, gente simples", retoma. "É muito bacana que o meu espetáculo tenha estreado em São Paulo no começo da zona leste. Um lugar que não é nem tão longe nem tão perto, mas que mostra para o público que é possível chegar ali. É um não-tão-perto que é muito perto", brinca.

Elogiado pela crítica
Para a jornalista e crítica de teatro Beth Néspoli, de O Estado de S. Paulo, um dos principais pontos a se ressaltar nesse modelo de teatro proposto pelo Belenzinho é justamente a diversidade de público oferecida pelas várias peças em cartaz. "É um centro cultural com vários teatros", compara. "Isso eu acho legal - como é o Centro Cultural São Paulo etc. -, esses lugares que agregam vários espetáculos, estando eles num mesmo horário ou não. Isso recupera de alguma forma o teatro como uma experiência coletiva. A ida ao teatro, a cidade, a urbe, a praça." A jornalista se coloca como público e analisa que essa dinâmica predispõe as pessoas a algo além do "programinha de sábado à noite antes da pizza", como ela mesma exemplifica. "De alguma forma você entra num espaço desse, que é um espaço diferente do tradicional - palco italiano etc. - e um pouco que se prepara para o fenômeno teatral. Acho que isso é interessante." Essa preparação explicitada por Beth Néspoli pode ser nitidamente sentida no espetáculo de Cacá Carvalho, A Poltrona Escura.
É do lado de fora da sala que as pessoas ouvem a voz do locutor que avisa a programação e pede para não fumar e desligar celulares. Enquanto isso, lá dentro, Cacá espera sua platéia, que entra e o vê próximo, no mesmo plano. "Eu espero meu público", conta o ator. "Gosto de fazer com que o espectador perceba o limite entre o personagem e a pessoa. E isso é perfeito no Belenzinho. Há todas as condições, a acústica é boa, o esquema operacional das salas é perfeito. Enquanto você está em cena, sabe que existe um público sendo conduzido do lado de fora para um outro espaço, para ver outra peça, mas uma coisa não atrapalha a outra. Percebo que isso é resultado de uma curadoria que considerou vários aspectos. E, assim, ganhamos todos nós." A platéia agradecida aplaude.

Jogos de montar - O milagre da multiplicação dos espaços
No Sesc Belenzinho, além do teatro propriamente dito, com capacidade para 300 pessoas, existem ainda dois galpões que se transformam de acordo com as necessidades cênicas de cada espetáculo. Daí a sensação de se estar num lugar completamente diferente quando se visita o mesmo galpão em duas peças distintas. E foi aproveitando esta diversidade que a unidade montou a grade de programação que a transformou num referencial cult paulistano. "Este é o grande diferencial: a possibilidade de se criarem espaços conforme a necessidade", aponta Adolfo Mazzarini Filho, coordenador de programação cultural da unidade. "A grande maioria das solicitações de pauta que recebemos hoje no Belenzinho são para apresentações em locais não-convencionais. Estes trabalhos já são concebidos assim. E isto tem sido uma característica em muitos grupos ou montagens." O técnico lembra que muitas peças marcantes já fizeram temporada no Sesc Belenzinho desde sua inauguração. "É importante lembrar que os espetáculos apresentados no Sesc Belenzinho ou são estréias nacionais, ou estréias em São Paulo. Ou seja, o inédito é outro importante diferencial." Porém, não é apenas o teatro adulto que se beneficia da diversidade de espaços e horários do Sesc Belenzinho. O teatro infantil também marca forte presença na unidade todos os sábados e domingos, sempre às 16h. Por lá já passaram espetáculos como Miranda, de Vladimir Capella, e várias outras apresentações que compuseram o projeto Brincalhotice. Em agosto foi a vez de Todo Mundo é um Palco, uma montagem portuguesa que fez parte da Mostra Sesc de Artes - Latinidades. E para setembro está prevista a estréia do novo espetáculo do Grupo Le Plat du Jour, Os Três Porquinhos (foto).