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A aventura do livro

 


Ilustração para "Rito Pagão", livro de Rosalina Coelho Lisboa / Reprodução

José Olympio e Monteiro Lobato, dois grandes nomes da história editorial brasileira

CECÍLIA PRADA

Livreiros, editores, escritores do país todo e do exterior estiveram reunidos em São Paulo, de 25 de abril a 5 de maio, na 17ª Bienal Internacional do Livro. Mais um encontro de todos aqueles que, como nos versos de Carlos Drummond, lutam pela palavra – "que luta mais vã!", mas mais necessária do que nunca neste início de século, diante da desbragada invasão de uma "indústria cultural" que se compraz na destruição sistemática dos genuínos valores de nossa brasilidade e vai plastificando na máquina moloquiana da mídia as melhores expressões de nossa arte e de nossa literatura.

Nada mais oportuno, portanto, do que relembrar a luta de dois editores que durante o século passado conseguiram revolucionar a indústria livreira e influir de maneira decisiva para o descobrimento e a divulgação dos grandes escritores – ficcionistas, poetas, ensaístas e historiadores – que inseriram o Brasil na modernidade e elevaram a literatura pátria a um nível internacional. Foram eles os paulistas José Olympio Pereira Filho, cujo centenário de nascimento ocorre neste ano (1902-1990), e, antecedendo-o de uma geração e servindo-lhe de exemplo, José Bento Monteiro Lobato (1882-1948).

Um menino de Batatais

O escritor carioca Antonio Carlos Villaça, membro da Academia Brasileira de Letras e autor de vários livros autobiográficos e biográficos, lançou no ano passado José Olympio, o Descobridor de Escritores, que não é obra crítica, de levantamento aprofundado da vida e da época do renomado editor, mas sim – como diz o próprio Villaça – "uma biografia carinhosa, fraternal, de uma grande figura humana". Nascido em Batatais (SP) em 10 de dezembro de 1902 em uma família pobre e numerosa, José Olympio Pereira teve de lutar desde criança para abrir seu caminho na vida. Aquele que seria figura de maior relevo na vida intelectual e cultural da nação pôde concluir apenas o curso primário – no mais, foi autodidata. Aos 11 anos lavava vidros em uma farmácia de sua cidade natal. Aos 15 já trabalhara em uma confeitaria, e depois como balconista no armazém de uns primos, vendendo sal, açúcar, querosene, cachaça e velas. Mas em um ritmo bem interiorano, que não lhe roubava horas de uma meninice encantada, com banhos de ribeirão, pescarias, molecagens e voltas em torno do coreto da praça.

Tanto que, ao ter lançada sobre si, num ímpeto de ira materna, a pecha de "vagabundo" – numa noite de verão em que se esquecera das horas jogando gude com os amigos à luz de um lampião –, se conscientizou subitamente de que já era tempo de abandonar a estagnação modorrenta da cidadezinha e ir tentar a vida na capital paulista, onde pretendia estudar direito. Quis a sorte que o futuro grande editor tivesse entre seus conterrâneos, e como padrinho de crisma, a pessoa que mais poderia ajudá-lo. Nada menos que o governador do estado, Altino Arantes. Aos 16 anos, o ambicioso afilhado não tinha idade para emprego público. Alojado no porão do próprio palácio, foi ele colocado pelo destino e pela presciência talvez de seu benfeitor como caixeiro da mais famosa livraria de São Paulo na época, a Garraux, local tradicional da Rua 15 de Novembro, centro obrigatório da vida intelectual paulistana. E ali, diz Villaça, "José Olympio se encontrava fisicamente com seu destino", aprendendo a lidar com livros durante 12 horas por dia, com uma única folga aos domingos de tarde. Lendo, conversando com a brilhante clientela, convivendo com escritores, políticos, artistas. Em 1922, com apenas 20 anos, já ocupava o cargo de gerente do estabelecimento, e em 1924 era admitido como sócio. Era o "Zé da Garraux", culto e autodidata, que desistira de cursar direito e ia absorvendo no contato diário com a clientela uma experiência preciosa. O escritor Antônio de Alcântara Machado já previa para ele "um futuro na história do livro brasileiro", e em 1928, ao lançar Laranja da China, fez-lhe esta dedicatória: "Para o José, futuro editor do modernismo brasileiro".

Paulo Rónai perguntaria, muitos anos mais tarde, em artigo citado por Villaça: "Foi o grande surto da literatura moderna do Brasil que produziu José Olympio? Foi José Olympio quem provocou esse grande surto?", e respondia que, embora uma editora de porte só tivesse condições para funcionar em um ambiente de muita efervescência intelectual, era também certo que "a literatura brasileira não teria atingido vitalidade tão intensa e produzido obras de valor em número tão grande se não houvesse a ampará-la um homem com a visão, a paixão e a pertinácia de José Olympio Pereira Filho".

O próprio editor, na comemoração do cinqüentenário de sua casa, relembraria a "cintilação gloriosa na atmosfera espiritual da cidade" – São Paulo, nos anos 20. Do seu privilegiado camarote – o balcão da mais importante livraria – o jovem José pôde ver a fermentação modernista que se cristalizaria na Semana de Arte Moderna de 22 e que, depois dela, continuaria ainda por várias décadas a transformar visceralmente o ambiente cultural do país. Tornou-se amigo, para a vida toda, de alguns dos escritores que surgiam, e que na década seguinte já estaria publicando – como Mário de Andrade.

E ali mesmo assistiu à aventura editorial que iria marcar – pela ousadia e pela inovação – o panorama do livro no Brasil: a de Monteiro Lobato, de breve e cintilante duração, mas que antecipou em escala diminuta (de 1919 a 1925) a mesma trajetória de impacto, apogeu e luta pela sobrevivência que a Editora José Olympio cumpriria em 70 anos.

Ratos de livraria

Lobato e José Olympio tinham uma paixão pelos livros que marcaria toda a sua vida. O primeiro tornou-se editor levado pelo métier de escritor e jornalista. O segundo, vendendo livros detrás de um balcão. Em 1918 Lobato já era jornalista de fama nacional, alcançada com a contundência de suas críticas ao atraso do país rural, veiculadas desde 1914 no jornal "O Estado de S. Paulo". Era conhecido como o pai do Jeca Tatu, o caipira típico em que conseguira encarnar todas as mazelas do campo. Tendo adquirido em junho de 1918 a "Revista do Brasil", imediatamente começou Lobato a transformá-la em publicação única no gênero, capaz de reunir artigos sobre política nacional e internacional e veicular amplamente a literatura. A sede da empresa tornou-se local obrigatório de reunião para a intelectualidade paulista, no qual, segundo Leo Vaz, secretário de redação, "aventavam-se todos os assuntos, discutiam-se todas as políticas, esmerilhavam-se todas as filosofias, contavam-se todas as anedotas".

Simultaneamente, Lobato ia convidando para colaborarem na revista escritores de várias cidades – como o carioca Lima Barreto – e sonhando com sua transformação em editora. O sucesso estrondoso obtido com a edição de seus próprios livros, Urupês (contos) e O Saci-Pererê – Resultado de um Inquérito, animou-o a lançar outros autores, brasileiros e novatos. Uma prática que contrariava totalmente a das poucas e elitistas casas editoras da época, que só publicavam, no dizer do próprio Lobato, "os que tinham uma destas qualidades: ser rico, ter prestígio junto a um medalhão, ou ser filho de pai ilustre".

De repente começaram a chover sobre o pequeno escritório da empresa originais inéditos do Brasil todo. Embalado na sua ousadia, o editor já no início de 1919 montava oficina própria, importava toneladas de papel e buscava sócios para seu empreendimento, convencido do grande negócio que era publicar livros. Em março daquele ano registrava, com mais quatro sócios, a empresa Olegário Ribeiro, Lobato & Cia., de curta duração – a morte de Olegário, proprietário do imóvel onde a editora estava sediada, e o crescimento do volume dos negócios impuseram a Lobato a reestruturação da empresa em 1920, mantendo sociedade somente com Octalles Marcondes Ferreira – nascia assim a Monteiro Lobato & Cia.

Revolução editorial

Nos cinco anos de sua existência, a Monteiro Lobato & Cia. conseguiu impor-se no mercado pela ousadia criativa do seu fundador. Empregando modernos métodos de marketing, logo após a sua fundação ele conseguiu criar uma rede sui generis de distribuição em âmbito nacional, que em abril de 1921 já contava com mais de 300 vendedores e mantinha-se em expansão permanente. Como conseqüência disso, Lobato via suas tiragens aumentarem vertiginosamente. Em carta ao amigo Godofredo Rangel o escritor mostrava-se bastante surpreendido com esse êxito: "Vendo-me como pinhão cozido ou pipoca... Ando intrigado. Tudo o que imprimo, voa. A quinta edição de Urupês, como se retardasse no prelo, foi vendida antes de sair. Os pedidos das livrarias estavam tão acumulados que depois de feita a entrega bem pouco sobrou. Tenho de pensar já na sexta..."

Em entrevista a Oswald de Andrade confessava que do Jeca Tatu já vendera, em maio de 1920, 32 mil exemplares. Seu sucesso pessoal como escritor, sua personalidade marcante alavancavam a produção e a vendagem dos seus editados. Lobato marcaria também, na história editorial brasileira, um turning point – a mudança no padrão gráfico das obras, com uma programação visual das mais sofisticadas e vistosas capas coloridas e ilustradas pelos maiores artistas da época, como Voltolino, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, J. Prado, J. Wasth Rodrigues, Ferrignac.

Aconteceu, porém, com a editora o fenômeno bastante conhecido da crise de mudança de escala, na qual quase todas as empresas pequenas ou familiares se vêem enroscadas. Lobato causticamente zombava da "concorrência", chamando de "galinhas velhas que de vez em quando botam um ovo" empresas como a Alves e a Garnier, que na época arriscavam apenas em tiragens de 600 exemplares para autores consagrados, como Machado de Assis, Euclides da Cunha, Olavo Bilac. Inebriado com o sucesso e confiante na avidez mostrada pelo público, Lobato sabia diversificar sua produção – por exemplo, dirigiu a edição do seu primeiro livro infantil, A Menina do Narizinho Arrebitado, para o setor didático e saiu com uma tiragem inicial de 50 mil exemplares, esgotada em pouco tempo. Dotado de visão empresarial, aumentava rapidamente seus títulos, editando também uma grande quantidade de autores estrangeiros, cuja tradução era quase sempre dele próprio. Já via a possibilidade de adaptações cinematográficas para contos e romances. Era o primeiro editor com uma visão amplamente "capitalista" do livro, que considerava uma mercadoria, sem que isso aviltasse a qualidade das obras produzidas.

Mas foi justamente essa programação, inadequada para a estreita realidade provinciana do Brasil, que o arruinou. Não hesitava em endividar-se para comprar máquinas mais modernas, contratar mais autores, aumentar as tiragens. Confiava no sistema de desconto de duplicatas nos bancos e dele dependia. Em abril de 1924 adquiria, para pagamento no prazo de três anos com elevadas prestações mensais, um magnífico prédio de 5 mil metros quadrados, no bairro do Brás, em São Paulo, para alojar seu parque gráfico, que contava com mais de 200 funcionários.

Para fazer face a esses compromissos a promissora Monteiro Lobato & Cia. era obrigada a abrir seu capital – em 1922 foi transformada em sociedade de comandita simples e em maio de 1924 em sociedade anônima, com o imponente nome de Companhia Gráfico-Editora Monteiro Lobato, adequado ao seu status de maior e mais importante empresa do gênero no país.

Mas o ano de 1924, que parecia tão promissor ao editor, trouxe uma série de eventos naturais ou políticos com os quais Lobato não soube lutar, que o levaram a uma situação de insolvência e à conseqüente falência. A revolução deflagrada em São Paulo em 5 de julho de 1924 pelo general Isidoro Dias Lopes abalou profundamente a vida da cidade, causou mais de 2 mil vítimas civis e paralisou as indústrias durante dois meses, fato que uma empresa como a de Lobato teve dificuldade de enfrentar. O editor registrava um prejuízo, com essa paralisação, de 70 contos de réis. Mas outros fatores foram decisivos para quebrar a editora – no mesmo ano uma grande seca em São Paulo provocava um "apagão" de meses, com a redução de dois terços do fornecimento da energia elétrica, inclusive para as indústrias. "Só podemos trabalhar dois dias por semana!", escrevia Lobato ao amigo Rangel.

Como se isso não bastasse, veio o golpe decisivo: uma repentina mudança na política econômica do país, com o presidente Artur Bernardes desvalorizando a moeda e suspendendo bruscamente o redesconto de títulos pelo Banco do Brasil. Um iceberg na rota do transatlântico de Monteiro Lobato, de economia toda baseada no sistema abolido subitamente. Além disso, o temperamento do editor-escritor impedia-o de tentar agradar o governo (como José Olympio teria a habilidade de fazer mais tarde, conservando-se amigo de todos os governantes, sempre). Lobato defendia em artigos seu amigo Macedo Soares, adversário político de Bernardes e obrigado a exilar-se após 1924. Dava vazão ao seu humor cáustico, à sua amargura pessoal.

Em 24 de julho de 1925 a falência da empresa foi requerida. Os pormenores processuais e uma análise mais aprofundada das atividades editoriais de Lobato podem ser encontrados na extensa bibliografia sobre o autor, principalmente na biografia de Edgar Cavalheiro, Monteiro Lobato: Vida e Obra (Editora Nacional, 2 volumes), e, mais recentemente, em Furacão na Botocúndia, de Carmen Lucia de Azevedo, Marcia Camargos e Vladimir Sacchetta (Editora Senac São Paulo, 256 páginas).

Mas o grande lutador mal liquidava uma empresa já abria outra, a Companhia Editora Nacional, que dizia ser "a sucessora da minha primeira filha, a qual morreu por excesso de vitalidade: cresceu depressa demais e não teve tempo de consolidar-se". Lobato manteve-se como seu diretor até maio de 1927, quando foi ocupar em Nova York o cargo de adido comercial, mas continuaria como sócio da empresa e a influir em seus projetos editoriais.

Literatura

O sonho editorial fermentado por detrás do balcão da Garraux durante a década de 1920 por José Olympio se concretizaria em 1931. Ano em que o ambicioso rapaz de Batatais viu surgir a oportunidade de seu primeiro grande negócio – a compra da maior biblioteca particular do país, do espólio de Alfredo Pujol, com um acervo de 10 mil obras raras, para bibliófilos. Não tinha o dinheiro disponível, é claro, mas credibilidade suficiente para se habilitar a um financiamento de longo prazo, que lhe foi concedido justamente pela mesma pessoa que tanto estimulara Monteiro Lobato, José Carlos de Macedo Soares, então diretor do Banco do Estado de São Paulo. Esse acervo foi o capital inicial da Livraria José Olympio Editora, que ele fundaria em novembro de 1931, deixando a gerência da Livraria Garraux.

O primeiro livro editado foi uma tradução, Conhece-te pela Psicanálise, de Joseph Ralph, um sucesso extraordinário de vendas. Mas logo J. O. (como era chamado) enveredou pelo campo da literatura brasileira, que seria o grande filão da casa. O primeiro escritor brasileiro que publicou foi Humberto de Campos, um dos mais conhecidos na época. Segundo dados citados por Antonio Carlos Villaça, a casa editora lançou 4.850 edições, de 1931 a 1984: 1.743 obras nacionais, 543 estrangeiras, com 905 autores brasileiros e 446 estrangeiros.

Em 1934 a sede da empresa transferia-se para o Rio de Janeiro, funcionando em vários endereços do centro, até abrigar-se em 1964 no prédio próprio, da Rua Marquês de Olinda, em Botafogo. Simultaneamente, a livraria que mantinha na Rua do Ouvidor, 110 tornou-se um endereço famoso, onde diariamente se reuniam os intelectuais cariocas.

As edições multiplicavam-se – de oito em 1933, passavam a 32 em 1934, 59 em 1935. Em 1936, com 66 títulos, a José Olympio já era a editora mais importante do país. Seu maior projeto foi a Coleção Documentos Brasileiros, criada em maio de 1936 sob a direção de Gilberto Freyre, cujo livro inicial foi Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, e que hoje conta com mais de 200 títulos.

Descobrindo talentos

A grande característica de José Olympio foi o relacionamento constante e afetuoso com os autores que editava. Atualizadíssimo com tudo o que se passava no país, não deixava escapar oportunidade alguma que lhe permitisse acrescentar autores à sua "família literária". Foi assim com Rachel de Queiroz, com Zé Lins do Rego, com Graciliano Ramos e tantos outros. Quando tomava conhecimento de algum escritor de talento escondido em algum rincão, não hesitava em escrever-lhe. Foi buscar Rachel, no Ceará, para publicar seu terceiro livro, Caminho de Pedras, do qual ouvira falar. Zé Lins do Rego, que modestamente editara seu livro de estréia, Menino de Engenho, ao receber um telegrama de J. O. propondo tiragens de 5 mil e 10 mil exemplares para seus próximos livros, pensou tratar-se de um maluco ou de algum milionário paulista. Mas aceitou, é claro. E tornou-se um dos maiores amigos de J. O., até morrer prematuramente, em 1957.

A obra de Villaça fornece uma lista imensa de testemunhos pessoais de todos os que se tornaram membros da Casa de José Olympio. Alinha episódios interessantes – como o do célebre concurso de contos de 1938 em que um desconhecido Viator conseguiu abalar o júri em que figuravam, entre outros, Graciliano Ramos e Marques Rebelo, que quase chegaram a se agarrar, sendo o primeiro contrário a premiar escritor de linguagem tão "diferente". O prêmio acabou indo para um autor mais bem comportado, Luís Jardim. Mas tanto Graciliano – que logo se arrependera do voto – como José Olympio passaram anos e anos tentando descobrir quem seria, que sumiço teria tido aquele desconhecido Viator. Como o pseudônimo bem dizia, tratava-se realmente de um viajante, levado para longe pela sua carreira diplomática: João Guimarães Rosa. José Olympio caçou-o durante anos, chegou até a pensar em pôr anúncio em jornal para localizá-lo. Apenas em 1944, casualmente, seria ele descoberto, pelo próprio Graciliano, que depois se tornou seu grande amigo. Rosa somente integraria o rol dos editados da Casa a partir de 1951, com a terceira edição de Sagarana.

Tempos tumultuosos

Apesar do sucesso editorial, a José Olympio começou já em 1961 a enfrentar crises. Em carta ao irmão, Antonio Olavo, que dirigia a filial de São Paulo, o editor se queixava da falta de dinheiro, confessando temer o que poderia suceder sem ele: "E dinheiro, seu Totônio, há 30 anos, 31 anos que não faço outra coisa senão correr atrás dele". Em 1965 escrevia ao filho, nos Estados Unidos: "A Casa está viva, venderá este ano quase 2 bilhões de cruzeiros, trabalhando. Mas penosamente. Juros altos. Dinheiro muitas vezes obtido com bastante dificuldade".

Em junho de 1974 J. O. ia a Brasília, avistar-se com o presidente Ernesto Geisel, para conseguir um financiamento a longo prazo. Em 1975 consumou-se a passagem do controle acionário de seus fundadores ao então Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). Salvava-se a Casa, mas o velho editor sentia-se humilhado. A crise final fora deflagrada pela queda da Bolsa em 1971, com as ações da José Olympio despencando de 6,50 cruzeiros para 80 centavos em poucos dias. Após nove anos de intervenção, quando o governo resolveu privatizar a empresa, ela foi adquirida pelo empresário Henrique Sérgio Gregori, grande amigo de J. O. Na cerimônia de posse da nova diretoria, o velho patriarca arriscava previsões otimistas: "Agora posso morrer tranqüilo. Sim, a editora continuará. Acredito em Henrique Sérgio Gregori".

Mas o destino reservava outra surpresa tristíssima para a "José Olympio" – em 15 de abril de 1990 Gregori e a mulher desapareciam tragicamente, em um acidente automobilístico. Recolhido ao seu apartamento havia cinco anos, com 88 anos, José Olympio amargou mais essa derrota. Quinze dias mais tarde, enquanto almoçava, engasgou e morreu aquele que fora definido pelo escritor Gilberto Freyre como "um ministro da cultura superiormente extra-oficial, o amigo, o confidente, o até confessor de alguns dos maiores brasileiros de inteligência criadora que tem tido a cultura brasileira".

A editora chegou, porém, a entrar nos seus 70 anos. Não os completou, pois a partir de maio de 2001 passou a integrar o Grupo Record, onde se mantém como "selo" – assim como aconteceu com duas outras tradicionais editoras do país, a Civilização Brasileira e a Bertrand do Brasil.