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FAB supersônica
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Na batalha pelo cobiçado contrato de fornecimento de 24 caças supersônicos à FAB que irão substituir os Mirage IIIEBR do 1º Grupo de Defesa Aérea, localizado na base aérea de Anápolis, no estado de Goiás, estão envolvidos cinco gigantes da indústria bélica global: a Lockheed Martin dos Estados Unidos, que concorre com os F-16 Falcon; a RAC-MIG e a Rosoboronexport, ambas russas, com, respectivamente, os Mig-29SMT e os Sukhoi-27SK/Sukhoi-30MK; o consórcio Saab da Suécia e BAE System (British Aerospace), britânico, com o JAS-39 Gripen, e o consórcio Embraer do Brasil e Dassault Aviation/Snecma/Thales, da França, com o Mirage 2000-5 Mk.2. Todos eles já passaram por várias etapas da concorrência e, desde dezembro, quando foram selecionados para a short list, etapa final da licitação, aguardam ansiosos o resultado da proposta vencedora, previsto para meados deste ano.
A complexidade e o vulto da operação, além da capacidade técnica dos aparelhos e do importante item relacionado ao preço e financiamento da compra, levam os fabricantes internacionais a trabalhar para atender outras exigências da FAB que podem definir o vencedor da concorrência. Entre elas está a abertura de todos os softwares e códigos-fonte dos computadores de bordo, de forma que os programas sejam adaptados às condições brasileiras. Os radares de interceptação deverão ter um alcance mínimo de 150 quilômetros e operar em múltiplos modos de freqüências. Quanto aos sistemas de autoproteção contra mísseis ar-ar e antiaéreos, dirigidos por calor ou radar, as exigências da FAB são de que eles estejam integrados no avião. O braço aéreo das forças armadas brasileiras ainda exige que sejam incluídos nesses sistemas os mísseis BVR (Beyond Visual Range, além do alcance visual) e armas inteligentes de ataque ao solo. Os equipamentos também deverão ser compatíveis com o míssil ar-ar Piranha, de fabricação brasileira. Os aparelhos inscritos precisam estar adaptados para reabastecimento em vôo. A oferta deverá ser acompanhada de uma descrição completa dos sistemas de armas que fazem parte do pacote.
Pela associação com a Embraer e por já ser o fornecedor dos caças em operação na FAB por três décadas, a francesa Dassault Aviation e seu Mirage 2000-5 são, de longe, os candidatos favoritos. Mas, aproveitando a brecha dos adiamentos sucessivos do resultado final da licitação, segundo o governo uma prova de que a escolha está realmente complicada, a concorrência internacional avançou e, atualmente, é difícil encontrar um analista do mercado aeronáutico ou da indústria militar que consiga apontar, com convicção, um vencedor.
De fato, entre todos os concorrentes do consórcio Embraer/ Dassault, os que mais se sobressaíram nos últimos meses foram os russos da Rosoboronexport, que, em recente viagem do presidente Fernando Henrique Cardoso a Moscou, anunciaram uma parceria com a fabricante brasileira de foguetes e mísseis Avibrás, para produzir o Sukhoi em São José dos Campos (SP). A parceria foi bem recebida em alguns círculos do governo por, exatamente, reequilibrar a concorrência. O Alto Comando da Aeronáutica não escondeu sua insatisfação quando a Dassault atropelou os planos do governo anunciando não só a parceria com a Embraer, mas tornando-se sócia do fabricante brasileiro de aviões com 20% das ações. "Agora", segundo revelou uma fonte ministerial, "a associação dos russos com a Avibrás reduz um pouco a vantagem comparativa dos franceses, já que um fabricante nacional, no mercado há mais de duas décadas, também acabou sendo envolvido na operação." A favor dos russos conta ainda o fato de o aparelho Sukhoi-30MK ter sido escolhido pelos caçadores (pilotos de caça) da FAB como "o melhor avião de sua categoria". Acrobático e de maior velocidade entre todos os concorrentes chega a 2,7 mil quilômetros/hora (mach 2,35, cada mach correspondente à velocidade do som: 1,2 mil quilômetros/hora) , o Sukhoi tem uma capacidade de carga que chega a 8 toneladas, também o melhor desempenho entre os aparelhos da licitação.
Contra o estigma da péssima reputação do suporte técnico russo, talvez o maior entrave para o aparelho abocanhar o contrato da FAB, o construtor dos caças Sukhoi já está anunciando que foi para a prancheta uma quinta geração desses aviões de combate, dos quais pretende colocar no mercado entre 450 e 500 unidades, num valor de aproximadamente US$ 17 bilhões, em todo o mundo. A proposta para um caça de quinta geração, o Advanced Tactical Aircraft (ATA), está esperando aprovação do governo russo. A Sukhoi acredita que o desenvolvimento e a construção de quatro protótipos do ATA deverão custar aproximadamente US$ 1,5 bilhão e, certamente, ele será cercado de ampla rede de assistência e suporte técnico quando disputar a concorrência em várias forças aéreas internacionais. O outro russo na disputa, o Mig, apesar de ser "o mais barato", comercializado ao preço de US$ 20 milhões a unidade, é, por conta disso, o que pode ser encarado como o de tecnologia mais defasada.
Na outra ponta da concorrência, ágil não só em tecnologia mas também em diplomacia, o consórcio sueco-britânico fornecedor do JAS-39 Gripen colocou até o príncipe Charles, herdeiro do trono inglês, como uma espécie de representante comercial quando veio ao Brasil no início de março em visita oficial. A exemplo do que já havia ocorrido quando o presidente Fernando Henrique Cardoso foi a Estocolmo, em seu último giro pela Europa, por meio de Charles o consórcio Saab/BAE utilizou todo o seu arsenal de lobby para mostrar que seu produto é o melhor do mercado. Analistas internacionais, incluindo os da prestigiada revista "Janes Defence Weekly", principal publicação mundial da indústria bélica, chegam a concordar que, de fato, o Gripen possivelmente é o avião mais moderno em operação nas forças aéreas internacionais, incluindo a Real Força Aérea britânica. Ele é o primeiro caça de quarta geração a entrar em produção regular em todo o mundo. Contra ele, no entanto, pesa o fato de o governo sueco e o britânico relutarem na questão de transferência tecnológica exigida por Brasília para escolher o vencedor, além do preço. O Gripen é a mais cara de todas as aeronaves no mercado, com um preço unitário que varia entre US$ 50 milhões e US$ 60 milhões, dependendo dos acessórios e equipamentos que nele forem incluídos. Ou seja, ao preço de um Gripen, seria possível adquirir até três Migs, o que, de certa forma, não deixa de ser um ponto favorável para os fabricantes russos, menos cotados para a licitação. A favor da Gripen International também conta o recente contrato de transferência de tecnologia, apoio logístico e manutenção de aeronaves com a Varig Engenharia e Manutenção (VEM), subsidiária da principal companhia aérea do país.
Atropelando por fora, a gigante norte-americana do setor militar, Lockheed Martin, também está usando o poder de influência de Washington para tentar colocar seu F-16 Falcon como a melhor opção para a renovação da frota da FAB. Recentemente, a Lockheed obteve vários pontos favoráveis ao conseguir que a Força Aérea do Chile comprasse dez caças F-16 ao preço de US$ 660 milhões. De olho nas exigências brasileiras de transferência de tecnologia, a Lockheed já acertou com o governo chileno a instalação no país de um centro mundial de assistência técnica civil e militar. O presidente Ricardo Lagos correu a tranqüilizar os vizinhos, incluindo o Brasil, de que a compra de caças visava apenas a substituir os ultrapassados A-37, já aposentados no ano 2000 e "não representava nenhum risco ao equilíbrio de forças no continente".
Bastou, no entanto, que essa frase fosse utilizada por Lagos para que toda a mídia latino-americana tratasse de recolocar em pauta a questão da corrida armamentista na América Latina, em que a FAB, ao lançar sua ofensiva de renovação de frota, também adquire papel central. Desde o colapso dos regimes militares da região e a crise econômica que varreu o continente no fim dos anos 70 e início dos 80, o espectro da corrida armamentista latino-americana havia caído no completo esquecimento. Agora, apesar da situação caótica que vive a Argentina e sua natural impossibilidade de se aventurar a fazer compras da indústria bélica, o assunto tende a reconquistar as agendas internacionais, principalmente em Washington, que não quer ver outros focos de conflito no hemisfério ocidental.
Receita caseira
Paralelamente ao processo de licitação, ganha força entre importantes setores políticos e econômicos nacionais a idéia de que a FAB, na verdade, deveria abandonar o projeto de gastar bilhões de dólares comprando jatos de empresas estrangeiras. Para o presidente da Varig, Ozires Silva, por exemplo, a FAB ajudaria mais o crescimento econômico brasileiro se, em vez de propor a realização de uma concorrência internacional para renovar sua frota, indo ao mercado em busca do menor preço de compra dos caças supersônicos, incentivasse um projeto autônomo de desenvolvimento dos próprios aviões nacionais. Assim, segundo ele, mesmo que essa decisão implicasse mais despesas e um período de espera maior para a força aérea ser reequipada, no longo prazo a iniciativa representaria um salto de qualidade para a indústria bélica brasileira, com ampla repercussão para toda a economia. "O Brasil deveria produzir seus próprios caças", diz ele.
Como exemplo, Ozires, cujo nome está associado com a implantação e o desenvolvimento da própria indústria aeronáutica nacional, por ter sido ele o fundador da Embraer, cita o caso do Bandeirante. Na época, fim dos anos 60, a FAB também atravessava, como agora, um período de obsolescência de seus aparelhos e necessitava de renovação. No entanto, em vez de optar pela aquisição externa, a pedido do próprio Ozires, o Alto Comando da Aeronáutica preferiu esperar até que o protótipo do avião brasileiro, o Bandeirante, aparelho que deu origem à Embraer, estivesse pronto. A demanda da FAB acabou alavancando a empresa e criando um círculo virtuoso em que o país pôde ingressar no seleto clube de nações fabricantes de aviões, ao mesmo tempo gerando empregos internamente e criando mais riqueza nacional.
"Temos de aproveitar essas oportunidades de participação das forças armadas", afirma Ozires. "Se, na época, a força aérea tivesse decidido simplesmente importar aviões, talvez o Brasil não houvesse desenvolvido, como ocorre hoje, sua indústria aeronáutica." Ele lembra que, mesmo no setor da aviação militar, foi esse espírito que levou a FAB a encarar o desafio de fabricar o caça AMX, subsônico com velocidade de 1.160 quilômetros/hora , que atualmente equipa a FAB e mostra sua competência em missões internacionais, como as recentes operações no Afeganistão.
O AMX, cujo projeto original previa uma parceria com a italiana Alenia, está sendo hoje bancado integralmente pela Embraer. A missão primordial desse caça é o ataque a objetivos de superfície. Equipado com o que há de mais moderno em termos de avionics (expressão que designa os equipamentos eletrônicos destinados a operações de vôo), o AMX conta com sistemas que facilitam a navegação e o ataque em ambiente hostil para o qual foi projetado. A aeronave permite ao piloto responder ao fogo inimigo durante um vôo de reconhecimento. Sua capacidade de decolar em apenas 850 metros facilita operações a partir de pistas danificadas ou até mesmo de estradas. Pode ser reabastecida no ar, o que lhe proporciona excelente autonomia. O AMX é hoje o avião mais moderno em operação na FAB.
De cima de suas mais de quatro décadas de envolvimento com a indústria brasileira de aviões, Ozires considera ser esse um novo bom momento de impulso da indústria bélica nacional. Ele acredita que o Brasil ainda padece de uma mentalidade antiga que condena esse setor a segundo plano, quando os países avançados, como Estados Unidos, Alemanha e França, mantêm-no como um dos pilares de seu próprio desenvolvimento econômico.
Nesse aspecto, em entrevista concedida durante o 1º Encontro de Logística Militar, em São Paulo, o ministro da Defesa, Geraldo Quintão, esclareceu que há nas forças armadas uma busca de racionalização do processo de compras atualmente realizado de forma separada pelos comandos da aeronáutica, exército e marinha , numa tentativa de buscar a integração do governo com a indústria nacional e as universidades. "Não podemos dissociar as forças armadas da produção de conhecimento científico e da atividade industrial", afirmou Quintão.
Ele também acabou citando o sucesso da Embraer, cujo empreendimento foi iniciado por especialistas da área militar com ajuda do governo federal. Quintão lembrou que na Coréia do Sul, um país emergente como o Brasil, mas que tem um parque industrial várias vezes superior ao brasileiro, quando surge a necessidade de um equipamento novo, o governo trabalha com a indústria no conceito e no projeto. "O modelo sul-coreano é bom", reconheceu o ministro, "mas tudo depende do orçamento." No caso de sua pasta, os R$ 2 bilhões anuais, aproximadamente US$ 800 milhões, são, segundo ele, "suficientes apenas para a manutenção da atual estrutura".
Fazendo coro ao apelo nacionalista, uma ampla corrente de deputados federais está exercendo pressão para obter da aeronáutica a promessa de que a licitação para renovar a frota da FAB seja entregue ao consórcio de que faz parte a Embraer. Entre os líderes desse movimento, o deputado federal Walfrido Mares Guia argumenta que a aquisição do modelo Mirage 2000-5 Mk.2, com participação direta da Embraer, possibilitará a criação de empregos no Brasil. "Temos a tecnologia e a mão-de-obra. Por que comprar fora do país?", indaga o deputado.
A movimentação dos deputados é toda ela baseada em declarações do presidente da Embraer, Maurício Botelho, que confirma que a transferência de tecnologia Embraer/Dassault é completa. Além da parte estrutural e aerodinâmica, ele garante que o Brasil também "terá acesso à tecnologia que envolve o código-fonte dos aviões, que guarda todos os segredos dos equipamentos eletrônicos de um caça".
O interesse da Embraer em obter a licitação da FAB também vem sendo interpretado no mercado como uma opção estratégica da empresa para diversificar atividades e compensar as perdas da empresa com o refluxo das operações no setor de aviação civil, fortemente prejudicado desde os ataques terroristas às torres gêmeas de Nova York. "Por enquanto essa tendência é apenas uma possibilidade", afirma Simone Escudero, analista do setor de transportes da empresa de consultoria Austin Asis, de São Paulo. Em sua avaliação, a receita com aviação civil se mantém como o principal filão da Embraer e não há à vista nenhuma mudança significativa nesse cenário, embora ela ressalte que uma vitória na licitação da FAB possa alterar o quadro. No front global, contudo, essa tendência já vem sendo detectada por analistas internacionais que asseguram ser o setor da aviação militar, aquecido com a guerra no Afeganistão e o clima no Oriente Médio, um possível substituto para a receita perdida com a crise da aviação civil.
Os concorrentes
JAS-39 Gripen
País: Suécia/Reino Unido
Preço: US$ 60 milhões
Velocidade: mach 2,0
Chance: alta.
Obs.: O mais moderno da categoria. Associação com a Varig Engenharia e Manutenção
(VEM) fortaleceu sua posição.
Mig-29SMT
País: Rússia
Preço: US$ 20 milhões
Velocidade: mach 2,3
Chance: baixa
Obs.: Tecnologia defasada. Desconfiança em relação à logística.
Sukhoi Su-30MK
País: Rússia
Preço: US$ 35 milhões
Velocidade: mach 2,35
Chance: baixa
Obs.: Má reputação do suporte técnico. Elogios dos pilotos da FAB.
F-16 Falcon
País: Estados Unidos
Preço: US$ 50 milhões
Velocidade: mach 1,9
Chance: média
Obs.: Fragilidade para as condições brasileiras. Problemas de transferência de
tecnologia. Lobby poderoso de Washington.
Dassault Mirage 2000-5 Mk.2
País: França/Brasil
Preço: US$ 35 milhões
Velocidade: mach 2,2
Chance: alta
Obs.: Associação industrial com a Embraer é o maior trunfo.