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Nelson Ascher

Ilustrações: Luyse Costa
Ilustrações: Luyse Costa

SEI NÃO

 

Tudo que sei

é que à medida

que sei mais sei

cada vez menos

 

de tudo mais

posto que além do

mais tudo mais

é mais do que era

 

quando eu sabia

menos embora

se comparado

a quanto ainda

 

há pra saber

tudo que sei

é que mais nada

é o que parece.

 

PÓ AO PÓ

 

Decerto não por nada

de singular, que importe

aos outros, talvez só 

por puro acaso ou sorte,

 

é que ainda estou aqui

no mundo sublunar

e, nem sei mais por quê,

me aplico a alinhavar

 

palavras, não buscando

sentido, antes a fim

de às vezes, fugazmente,

dar forma ou algo assim

 

ao truísmo redundante

de que serei em breve

pó que escrevia sobre

ser pó que ainda escreve.

ALZHEIMER

 

Malgrado nossa

memória estar

quem lembra desde

quando já quase

 

toda ocupada

por tudo ou mais

que a gente não

só não sabia

 

que não sabia

como tampouco

lembra que faz

tempo esqueceu

 

ainda há dentro

dela lugar com

folga pra toda

futura amnésia.

 

CONTRAGOSTO

                            para Josep Domènech Ponsatí
       
                

Não gosto de escrever

de modo algum não só 

não gosto muito como

não gosto nem um pouco

 

de escrever nada sobre-

tudo não gosto um mínimo

nem de escrever um pouco

nem muito menos muito

 

sobre o que quer que como

quer que onde quer que quando 

quer que quem quer que seja

quer ou não quer porque

 

não gosto de escrever

a contragosto um mínimo 

que seja sobre o que eu

de modo algum não gosto.

 

NELSON ASCHER é poeta, tradutor, crítico literário e já publicou, entre outras obras, Ponta da língua (1983), O sonho da razão (Editora 34, 1993), Algo de Sol (Editora 34, 1996), Poesia Alheia: Traduções (Imago, 1998) e Parte Alguma: Poesia (Companhia das Letras, 2005).