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Cinema expandido

Foto: Divulgação
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Maior alcance e novos públicos alimentam a exibição de produções, debates e fruição da sétima arte

 

Naquela caixa escura, onde projetam-se imagens na tela ao fundo, a mágica acontece. De olhos vidrados e boquiabertos, acompanhamos o primeiro beijo dos protagonistas, o triunfo de soldados em guerra, um trem que apita ao sair da estação. Essa experiência única de encontro e de catarse foi captada pelas lentes do diretor italiano Giuseppe Tornatore em Cinema Paradiso.

Lançado no Brasil há exatos 30 anos, o longa fazia uma declaração de amor ao cinema que hoje, de portas fechadas, segue encantando o público em outros formatos de exibição.

Na televisão, no computador ou no smartphone, ficções, documentários e animações são exibidos por plataformas pagas e gratuitas de streaming on demand. Um suporte que crescia antes mesmo da pandemia e só ganhou força com o fechamento das salas de cinema para a contenção da Covid-19. Ainda que a experiência do encontro e do compartilhamento esteja pausada, as plataformas digitais cativam novos espectadores e até mesmo os saudosos cinéfilos da fila da pipoca.

Além dessa expansão para o ambiente online, tradicionais alternativas tiraram a poeira do tempo e retomaram atividade, caso dos cines drive-ins. Populares entre as décadas de 1950 e 1970, tornaram-se “novidade” para uma geração de crianças, adolescentes e jovens que desconhecia a possibilidade de assistir a um filme dentro do carro, de janelas fechadas e sintonizando a frequência do rádio.

“Acho que nunca se viu tanto cinema quanto agora”, disse o cineasta e ensaísta Carlos Augusto Calil, professor de Cinema, Rádio e Televisão da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), no debate Cinema em Tempos de Pandemia do Sesc Ideias, transmitido pelo canal do YouTube do Sesc São Paulo. Além do aumento de público, o professor constata a grande quantidade e diversidade de opções ao alcance de um clique. “Nunca se viu tanta obra instigante de todas as partes do mundo. E esse consumo se dá em todos os veículos à disposição”, comentou.

Mais um espaço que teve de se ajustar às medidas de restrição social por causa do novo coronavírus foi o cineclube. Por exemplo, atualmente, o cineclube Raul Lopes, em Petrópolis (RJ), segue ativo pelo aplicativo de videochamada Zoom. “Agora nosso cineclube tem gente de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul, de Recife, até de Vancouver e de Lisboa. Em média, são 20 janelas abertas no aplicativo, e do outro lado tem muito mais gente. Inclusive um senhor de 92 anos que antes dirigia 20 quilômetros para chegar ao cineclube e agora está online”, descreve Lilia Monteiro, programadora do espaço. A plataforma digital ainda “horizontaliza o debate”, segundo Lilia. “Todos se veem e se sentem à vontade para falar nos debates. É uma experiência nova.”

 

Numa sala virtual, o Cineclube Raul Lopes, em Petrópolis (RJ) é um exemplo de como encontros e exibições online mantêm um público cativo de cinéfilos. Imagem: Divulgação

 

 

Público em alta

Da telona do cine drive-in à telinha de celulares, é possível assistir a produções da Etiópia, Líbano, China, Turquia, Alemanha… Obras que não tinham tanto apelo em plataformas de streaming passaram a ser apreciadas. “Não sei se esse hábito vai permanecer a longo prazo, mas agora, durante a pandemia, as pessoas estão variando em opções de filmes. Estudiosos internacionais apontam que a própria Netflix notou essa tendência: brasileiro assistindo conteúdo japonês, japonês vendo conteúdo alemão, alemão vendo conteúdo brasileiro”, conta a documentarista, professora e crítica de cinema Flávia Guerra.

Os festivais e mostras de cinema também impulsionaram esse aumento de opções de títulos e de público ao migrarem integralmente para o ambiente online desde o começo da pandemia. Saíram de cena o tapete vermelho, as festas e as aglomerações. Mesmo o Festival de Veneza, realizado presencialmente em setembro na cidade italiana, não ostentou o mesmo público e badalações. Segundo a Biennale, instituição que organiza o festival, a Sala Grande, onde acontecem as estreias oficiais, reduziu o número de assentos de 1.031 para 518. Veneza, no entanto, é um caso à parte, já que, em sua maioria, os eventos adotaram plataformas de streaming, muitas delas gratuitas.

Curadora da mostra Cine África (saiba mais em Múltiplos formatos), Ana Camila Esteves nota que, ao realizá-la no ambiente virtual, o alcance de espectadores aumentou consideravelmente. “Por mais que a gente goste da sala de cinema, dos encontros que os festivais promovem, agora a gente atinge um público nacional”, observa. “Por exemplo, na divulgação do Cine África, a gente teve matéria em jornal do Pará e de Fortaleza. Eu recebo mensagens de pessoas que nem cinema tem na cidade e que estão emocionadas porque agora podem assistir aos filmes e acompanhar as mostras. Isso é revolucionário.”

Apesar desse aspecto positivo, Ana Camila observa novos desafios. “Eu já tinha uma programação na minha cabeça para a edição presencial. Aí, quando veio a pandemia, a minha seleção mudou completamente. Nunca pensei que tivesse que formar um pensamento curatorial baseado nos aparelhos em que as pessoas iriam assistir aos filmes”, comenta. “Existem produções espetaculares, pela fotografia, que merecem a sala de cinema, a tela grande. Não desmerecendo outras, obviamente, mas para alguns filmes é uma perda ter a experiência de assisti-los apenas na televisão.”

Outra limitação, segundo a curadora, começa nos bastidores do evento. “Como os festivais são online, as produtoras, agências e distribuidoras estão mais cautelosas com as plataformas que exibem os filmes. Se elas estão geolocalizadas, ou seja, bloqueadas para o Brasil, para não haver problema de abrir a exibição para o mundo inteiro e o filme perder o ineditismo, por exemplo”, destaca. “Há também restrições quanto ao número de acessos. E eu não concordo em limitar o número de pessoas assistindo se justamente é essa a vantagem do atual cenário.”

 

Em cartaz, amanhã

E o futuro das salas de cinema? Seria o fim desses espaços? Outra grande preocupação é o cinema nacional, que segue enfrentando inúmeros obstáculos para realização e distribuição. “A crise de produção e da distribuição cinematográfica que estamos vivendo hoje é anterior à pandemia, portanto não acho que vai haver uma volta à normalidade porque não há normalidade para a qual retornar. Já estávamos num regime de fim de ciclo, um novo ciclo precisa ser reinventado”, disse o professor e cineasta Carlos Augusto Calil.

Para a documentarista Flávia Guerra, que no podcast Plano Geral fala sobre a linguagem e o mercado cinematográfico, haverá a retomada dos espaços físicos de exibição, mas essa reabertura será gradual. “Fiz uma série de entrevistas para o Projeto Paradiso e todos os especialistas que entrevistei falaram que o cinema físico vai ter uma importância social ainda maior, principalmente para os bairros. O cinema de rua e mesmo os centros culturais e teatros que exibem produções vão ganhar mais importância social”, relata. “Como o CineSesc: ele não é só um lugar para exibir filmes numa tela, mas um lugar de encontros, debates, oficinas, discussões presenciais e online. Um lugar de vivência e de convivência para além de exibição.”  

Já os festivais, ainda que retomem o formato presencial, podem voltar em edições menores ou realizar projeções em espaços abertos. “Também acho que o online vai fazer parte da nossa experiência de festival daqui para a frente”, aposta Ana Camila. Pensamento corroborado por Flávia: “Mesmo que o cinema presencial seja uma experiência única, social e necessária, não acho que após a pandemia os eventos de cinema fiquem restritos ao presencial. Até porque percebemos o impacto da democratização do acesso”. 

O fato é que “ir ao cinema” — programa favorito dos paulistanos segundo a pesquisa Viver em São Paulo: Cultura, realizada pela Rede Nossa São Paulo e Ibope Inteligência, divulgada em 2019 — deve ganhar outro formato e importância. “Mas o cinema não vai acabar. Nem o cinema como linguagem, nem como sala, nem como veículo”, reiterou Calil.

 

Múltiplos formatos

NA TELONA DO DRIVE-IN OU NAS TELAS DO COMPUTADOR E DO SMARTPHONE, FILMES CHEGAM GRATUITAMENTE AOS AMANTES DE LONGAS E CURTAS

Portátil ou não, o cinema foi redimensionado por alternativas que mantêm a conexão entre espectador e as mais diversas narrativas. Seja qual for o formato, o que vale mesmo é a emoção ao mergulhar em histórias fantásticas, dramas pessoais ou aventuras surreais. Por entender a sétima arte como uma linguagem imprescindível à educação e à formação cultural da sociedade, o Sesc leva ao ambiente virtual uma curadoria de longas e curtas-metragens nacionais e internacionais exibidos pelo Cinema #EmCasaComSesc na plataforma do Sesc Digital. Toda semana são disponibilizados novos títulos.

O Sesc também promove em suas redes debates, cursos e encontros online para discussão do cinema com pesquisadores e especialistas. Além disso, inaugurou um cinema a céu aberto no dia 29 de agosto: o CineSesc Drive-In. Instalado no Sesc Parque Dom Pedro II, na região central da cidade, o espaço com capacidade para 30 veículos exibe filmes nacionais e estrangeiros.

 

Bacurau (Brasil, 2019), de Kleber Mendonça Filho e outras produções nacionais e internacionais são exibidas na programação do CineSesc Drive-In, realizada no Sesc Parque Dom Pedro II. Foto: Ricardo Ferreira

 

“As ações de cinema realizadas pelo Sesc São Paulo têm por objetivo a continuidade ao trabalho socioeducativo desenvolvido nas unidades, além de fomentar o setor audiovisual e ampliar o alcance dessas atividades a novos e diversificados públicos”, explica Rosana Paulo da Cunha, gerente de Ação Cultural do Sesc São Paulo. Confira alguns destaques da programação de outubro:

Cinema #EmCasaComSesc

+ de 580 mil acessos

+ de 130 filmes exibidos

Fonte: Sesc São Paulo/ de junho a setembro de 2020

 

 

Mostra de Cinemas Africanos

Depois da estreia em setembro, a Mostra de Cinemas Africanos dá continuidade, até o mês de novembro, à nova edição do Cine África, com vários títulos de ficção e documentários, alguns inéditos no Brasil. Sob curadoria de Ana Camila Esteves, o projeto online e gratuito traz 12 filmes (dez longas e dois curtas-metragens), todos legendados em português. São produções de Burkina Faso, Camarões, Egito, Etiópia, Nigéria, Quênia, Senegal e Sudão. Além das exibições, realizadas no Cinema #EmCasaComSesc na plataforma do Sesc Digital, haverá um bate-papo com o tema Cinemas Africanos em Contexto Digital, no dia 2/10, na live do projeto Cinema da Vela, tradicional encontro no Cinesesc, em São Paulo, que durante a pandemia ganhou versão online. O Cine África inclui ainda o curso Cinemas Africanos: Trajetórias e Perspectivas, com duração de três meses, e o lançamento de um e-book ao final da temporada. Confira a programação: www.sescsp.org.br/cineafrica.

 

Supa Modo (Quênia, 2018), de Likarion Wainaina, exibido na Mostra de Cinemas Africanos. Imagem: One Fine Day Films

 

Festival É Tudo Verdade

Principal evento dedicado exclusivamente ao documentário, a 25ª edição do É Tudo Verdade — Festival Internacional de Documentários exibirá filmes da programação no Cinema #EmCasaComSesc, dia 8/10. Ao todo, seis títulos poderão ser assistidos pelo público gratuitamente pela plataforma do Sesc Digital. Eles ficarão disponíveis por um mês. Além disso, haverá debates online pelo Centro de Pesquisa e Formação do Sesc (CPF). Confira mais informações: www.etudoverdade.com.br e www.sesc.digital/cinemaemcasacomsesc.

 

Auto de Resistência (Brasil, 2018), de Natasha Neri e Lula Carvalho, premiado na 23ª edição do É Tudo Verdade, um dos festivais que passaram a ser exibidos integralmente em plataformas de streaming. Imagem: Divulgação.

 

Mostra Tiradentes – SP

Realizada pelo Sesc São Paulo, a Mostra Tiradentes – SP tem o propósito de aumentar as possibilidades de formação, reflexão, exibição e difusão do cinema brasileiro contemporâneo. De 1º a 7 de outubro, serão exibidos, 11 longas e 34 curtas-metragens nacionais pelo Cinema #EmCasaComSesc na plataforma do Sesc Digital. Esta oitava edição será norteada pela temática A Imaginação como Potência, proposta pelo curador Francis Vogner dos Reis e abordada na 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes (realizada em janeiro). Em São Paulo, a mostra amplia a reflexão com novos olhares e autores com discussões e perspectivas para imaginar outros mundos possíveis. Saiba mais: http://mostratiradentessp.com.br e www.sesc.digital/cinemaemcasacomsesc.

 

Yãmiyhex: As Mulheres-Espírito (Brasil, 2019), de Sueli Maxakali e Isael Maxakali. Imagem: Roberto Romero

 

Mostra Internacional de Cinema de São Paulo 

A 44ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo exibirá, de 22 de outubro a 4 de novembro, aproximadamente 150 títulos do Brasil e de diversos países, como Argentina, Bolívia, Canadá, Alemanha, Finlândia, Grécia, Hungria, Irã, China, Japão e Líbano. A mostra será realizada em uma plataforma exclusiva, mas também terá alguns títulos gratuitos disponíveis na plataforma do Sesc Digital. Considerada uma das mais tradicionais mostras de cinema da cidade, essa edição homenageia com o prêmio Humanidade os funcionários da Cinemateca Brasileira, instituição que preserva a memória audiovisual do país e sofre com uma crise financeira sem precedentes. Confira informações: http://43.mostra.org/br/home.

 

Nadando até o Mar Ficar Azul (China, 2020), de Jia Zhang-ke. Imagem: Divulgação.

 

Passaporte internacional

PRODUÇÕES DE DIFERENTES PARTES DO MUNDO INSTIGAM ESPECTADORES A CONHECER OUTRAS CULTURAS SEM SAIR DE CASA

Antes limitados geograficamente às cidades e salas de cinema onde eram exibidos no Brasil, longas e curtas-metragens de diferentes continentes desembarcam na casa de novos espectadores durante a pandemia. Eles trazem enredos e conflitos tão diferentes e ao mesmo tempo tão parecidos com aqueles experimentados pela população brasileira. No entanto, idiomas, paisagens, culturas e paradigmas identificam a singularidade dessas produções cinematográficas internacionais desconhecidas do grande público. No ambiente virtual, as plataformas de streaming nos permitem carimbar o passaporte em terras a milhares de quilômetros. Confira alguns desses destinos internacionais:

 

Mostra de Cinema Egípcio Contemporâneo

Realizada pelo Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), com curadoria de Amro Saad, egípcio naturalizado brasileiro, a mostra exibiu gratuitamente, entre os meses de julho e agosto, 24 filmes de vários gêneros (da comédia ao terror), lançados entre os anos de 2011 e 2019. Na programação, destaque para O Elefante Azul 2 (2019), de Marwan Hamed, uma das maiores bilheterias do cinema egípcio contemporâneo. A mostra também promoveu debates, workshops e palestras. Conheça: www.orientse.com/mostra-de-cinema-egipcio-agenda.

 

O Elefante Azul 2 (2019). Imagem: Divulgação

 

Panorama Digital do Cinema Suíço

A oitava edição do Panorama Digital do Cinema Suíço, e primeira edição online, exibiu gratuitamente, de agosto a setembro, 24 produções no Cinema #EmCasaComSesc na plataforma Sesc Digital. O público pôde assistir gratuitamente a 14 longas-metragens, além de dez curtas (cinco destes dedicados ao público infantil). Entre os destaques, a ficção Praça Needle Baby (2020), de Pierre Monnard, e o documentário Madame (2019), que trata de identidade de gênero a partir de retratos da família do diretor de Stéphane Riethauser.

 

Praça Needle Baby (2020). Imagem: Ascot Elite Entertainment Group

 

 

8 ½ Festa do Cinema Italiano

Exibido de 28/8 a 10/9, a mostra apresentou filmes premiados nos principais festivais internacionais, documentários e animações online. Entre eles, Martin Eden (2019), de Pietro Marcello, Nico, 1988 (2017), de Susanna Nicchiarelli, e Aprendizado (2019), de Davide Maldi. Na programação, alguns dos títulos foram exibidos pela primeira vez no Brasil. Saiba mais: https://br.festadocinemaitaliano.com/

 

Nico, 1988 (2017). Imagem: Divulgação

 

Mostra Mundo Árabe de Cinema em Casa

Realizado pelo Instituto de Cultura Árabe e pelo Sesc São Paulo, de 28/8 a 27/9, o evento reuniu filmes exibidos pela primeira vez no Brasil e uma retrospectiva de outras edições, todos disponibilizados pelo Cinema #EmCasaComSesc na plataforma Sesc Digital. Além disso, promoveu debates com professores e cineastas. Entre os destaques exibidos, o documentário Gaza (2019), de Garry Keane e Andrew Mc Connell, sobre o cotidiano de um local diferente daquele normalmente apresentado pelos noticiários, composto de personagens resilientes. Saiba mais: https://mundoarabe2020.icarabe.org.

 

Gaza (2019). Imagem: Divulgação

 

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