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Ensino remoto

Foto: Adriana Vichi
Foto: Adriana Vichi

Ensino remoto

AS AULAS ONLINE GANHARAM ESPAÇO EM TODAS AS ETAPAS DA EDUCAÇÃO, REVELARAM A NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E ALUNOS E EXPLICITARAM A DESIGUALDADE SOCIAL

 

São muitos os desafios da educação no Brasil, e a pandemia exacerbou alguns deles para a sociedade. É o caso da exclusão digital de milhões de brasileiros e da falta de capacitação de professores do ensino básico ao ensino superior para a utilização de recursos tecnológicos. Especialista em ensino online, a professora Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), avalia esse cenário desde os primeiros meses de isolamento social, em que escolas e universidades passaram a adotar novas estratégias de continuidade. Nesse percurso, diferentemente do que se pensou no início, essa nova realidade não era uma adaptação das aulas presenciais para o ambiente online. Com isso, surgiram necessidades ainda mais complexas. “É uma outra aula, é uma aula diferente. Ela não é exatamente a mesma que você faz no presencial. Ou seja, o fato de desenvolver uma aula online requer que você reveja suas metodologias e até os modos de apresentar o conteúdo, caso esteja trabalhando com materiais de apoio”, destaca Beth Almeida. “Além disso, não basta ter fluência tecnológica, porque não é para dar aula de tecnologia, mas ter um conhecimento pedagógico do uso da tecnologia.” Os alunos também precisam aprender a pesquisar informações na internet, aprender a discernir notícias falsas e verdadeiras, fontes confiáveis e não confiáveis. E, mesmo que todos esses aspectos sejam contemplados, ainda há outra preocupação. “Muitos dos alunos que ficaram de fora da escola todo esse período (da pandemia) vão evadir e não voltarão mais para a escola. E isso é assim em todos os níveis da educação, mas, sobretudo no ensino médio, isso é mais sério”, alerta.

 

Do começo da pandemia para cá, como foi o processo de retomada das aulas exclusivamente no ambiente online?

Mesmo as instituições que tomaram a decisão de manter o período letivo em andamento, e não suspendê-lo, adotando atividades remotas, como foi o caso da PUC [Pontifícia Universidade Católica] de São Paulo, não passaram a trabalhar com o que é chamado educação a distância, de maneira clássica. Porque a base da educação a distância é a flexibilidade de espaço e de tempo. As aulas remotas flexibilizaram o espaço. Passaram a acontecer por meios digitais, mas o tempo das aulas era o mesmo, o que foi um problema. Porque, uma coisa é você na universidade dar uma aula presencial de duas ou três horas, fazer intervalos. Você não está com a sua atenção centrada numa tela. Então, isso constituiu um problema, porque aí é que os professores se deram conta de que uma aula virtual não significa apenas a comunicação online.

 

E o que constitui essa aula virtual?

Essa nova aula, mesmo que apoiada em alguns recursos, demanda novos modos de desenvolvimento. Ela não é exatamente a mesma que você faz no presencial. Ou seja, desenvolver uma aula online requer a revisão de metodologias e até dos modos de apresentar o conteúdo caso haja materiais de apoio. E mesmo que seja uma aula baseada no falar do professor, esse professor não pode falar por muito tempo seguido. Ele não aguenta e os alunos muito menos. Então, o professor tem que adotar novas metodologias. É aí que ele começa a perceber que trabalhar com atividades remotas é muito diferente de trabalhar com atividades presenciais. Ele refaz o planejamento, busca novas formas para poder atender melhor o alunado e até para ele também se sentir mais confortável. Acontece que isso funciona de maneiras diferentes porque, quando você tem um número de alunos que não é muito grande, você consegue desenvolver uma atividade bastante dialógica e participativa, mas se você tem uma turma de 80 ou 100 alunos não dá para fazer isso. Vira uma grande conferência e algumas perguntas se abrem para poucos, e a maioria não participa. Ela está lá assistindo sem prestar atenção em nada.

 

OS ALUNOS TÊM QUE SER PREPARADOS E EDUCADOS PARA PARTICIPAR

DE UMA SOCIEDADE QUE ESTÁ IMERSA NA CULTURA DIGITAL.

SE ISSO NÃO OCORRER, ELES NÃO TERÃO ACESSO SEQUER AOS SERVIÇOS

DE CIDADANIA QUE ESSAS TECNOLOGIAS OFERECEM

 

Nestes meses de improviso da educação feita por meio digital, os alunos estão conseguindo apreender os conteúdos ou vamos ter aí uma lacuna?

Começou meio improvisado, mas os professores foram se adaptando porque também não dá para fazer tudo improvisado na aula online. Você tem que ter um planejamento até mais detalhado do que no presencial. A primeira coisa que a gente precisa separar da educação básica do ensino superior é que no segundo você já está trabalhando com um aluno adulto, já existe uma forma diferenciada de fazer a mediação com eles. No ensino superior, várias instituições têm uma avaliação boa. Os alunos fizeram uma avaliação bastante interessante das atividades remotas. Ainda que reclamem da falta do presencial, reconhecem o esforço dos professores, reconhecem que aprenderam e reconhecem que foi possível fazer, sim, com que o semestre não estivesse perdido, digamos assim. Mas isso quando as turmas não são muito grandes. Porque, quando as turmas são, fica bem mais difícil para os alunos terem o mesmo aproveitamento que provavelmente teriam na aula presencial.

 

Além do número de alunos, outras questões podem dificultar. Por exemplo, numa aula de Física ou de Matemática, como fica o contato dos alunos com fórmulas e resolução de problemas?

Se o professor se valer da demonstração de fórmulas no quadro branco, que é o que mais se usa hoje, vai ser um horror mesmo. Mas existem tantos recursos digitais de simulação de fenômenos físicos, de conceitos matemáticos, que, se o professor se valer de tudo isso, certamente os alunos terão um aprendizado bastante interessante. No entanto, isso vai demandar do professor um maior tempo na organização da aula, caso ele não utilizasse esses recursos anteriormente, nas aulas presenciais. Porque não tem problema algum, numa aula presencial, buscar recursos em laboratórios de física virtuais. Há muitos laboratórios de física, de química, de biologia, de matemática. Coisas belíssimas nas ciências da saúde, áreas médicas, simulações muito interessantes. Mas, se o professor não fazia isso antes, fazer isso no virtual é mais complicado ainda. Então, exige uma mudança muito grande nos modos de desenvolver as aulas. Se você está na aula de Direito, de Filosofia, você pode estabelecer debates, discussões de caso entre alunos, de maneira virtual, e é muito rico. O grande potencial que temos agora é trabalhar com recursos e espaços educativos que estão fora do sistema formal de educação. Por exemplo, fazer uso dos museus para um trabalho de história e de ciências. Então, você faz a integração de diferentes espaços, inclusive dos não formais, e tem um ganho aí que é a abertura do currículo.

 

Além da questão do suporte, tem a questão humana. Precisamos capacitar o professor, já que uma coisa é a aula presencial e outra coisa a aula virtual?

Sim. A PUC, por exemplo, se lançou muito rapidamente nisso. No momento em que decidiu continuar com o período letivo, ela reforçou a estrutura tecnológica, a princípio não tanto quanto precisava, mas foi atenta a isso e continua investindo em melhorias. Ainda tem o que melhorar, claro, mas respondeu rapidamente e se fortaleceu. Ao mesmo tempo, ela lançou oficinas de formação de professores. Oficinas voltadas para metodologias específicas de aulas, de relacionamento pedagógico e, sobretudo, metodologias ativas, que são aquelas em que os alunos fazem algumas atividades durante a aula e não ficam passivos ouvindo o professor. A PUC ainda realizou oficinas de apropriação tecnológica. Na PUC, temos professores que trabalham com tecnologia há muito tempo (eu sou da linha de pesquisa de tecnologias da educação), mas há muito professor que não tinha uma fluência tecnológica grande. E, além de tudo, não basta ter uma fluência tecnológica boa, porque não é para dar aula de tecnologia, mas ter um conhecimento pedagógico do uso da tecnologia. Ou seja, entender que contribuições cada recurso utilizado pode trazer para os processos de ensino e aprendizagem.

 

Poderia dar um exemplo disso?

Uma coisa simples: o WhatsApp. Todos nós usamos, mas para uma conversa social, não com a finalidade de aprender ou de ensinar. E se começarmos a pensar no que fazer por meio dele... Ele me permite atingir, rapidamente, todos os meus alunos. É muito mais fácil atingir meus alunos mandando o link de um vídeo que quero que vejam antes da minha aula do que colocando esse link no nosso ambiente virtual. Na área médica, há até pesquisas sobre isso. Um professor trabalhava usando ambientes virtuais para discutir casos com alunos no final do curso de Medicina. Eles estavam trabalhando com questões de emergência médica. Aí, o professor resolveu que o mais interessante era que os alunos participassem de situações autênticas da emergência. Então, quando havia alguma situação interessante na emergência, o professor adicionava os alunos num grupo de WhatsApp e essa emergência era filmada e transmitida para o grupo. Assim, os alunos iam discutindo a situação à medida que ela acontecia. E isso é possível em muitas áreas.

 

QUANDO SE DECIDE TRABALHAR COM EDUCAÇÃO REMOTA, É PRECISO LEVAR EM CONTA

AS CONDIÇÕES DE TODOS OS PARTICIPANTES E CRIAR MEIOS DE PARTICIPAÇÃO

 

Há uma formação para que os alunos possam aproveitar melhor as aulas em plataformas digitais?

É preciso preparar o aluno. Porque o aluno não vê a tecnologia digital como sendo um recurso para aprender. Ele vê como um recurso para o relacionamento, por meio das redes sociais, para criar alguma informação; então, é preciso conscientizar o aluno da importância desses recursos para a aprendizagem, da especificidade que eles têm, e ajudá-lo a descobrir essa outra forma de usar esses recursos. No entanto, é necessário levar em conta que só criar o curso e trabalhar online não resolve. Quando se decide trabalhar com educação remota, é preciso levar em conta as condições de todos os participantes e processo e criar meios de participação.

Se não forem levadas em consideração as condições concretas de conexão, de acesso, de vida dessas pessoas, como um aluno que não tem tecnologia à mão vai participar das aulas online? Então, na PUC de São Paulo, a Fundação São Paulo (que é a mantenedora da instituição) emprestou computadores a alunos que não tinham acesso a eles. Há muitos alunos bolsistas, grupos de alunos carentes, e a Fundação fez um contrato emprestando laptops com pacote de dados para que tenham conexão com a internet. Afinal, do que adianta só o hardware sem a conexão?

 

Foto: Adriana Vichi

 

Esse é um ponto importante pois para uma grande porcentagem de alunos da rede pública de ensino o acesso à internet é precário ou inexistente.

Isso ocorre mesmo nas universidades públicas. O MEC [Ministério da Educação] acabou de informar que está adotando uma medida para que todas as universidades federais possam fornecer conexão para os seus estudantes. Porque tendo conexão, o aluno já tem um bom caminho andado. Um celular na mão, ainda que não seja a melhor das condições, com conexão, já é um passo importante. Aqui em São Paulo, no que se refere à educação básica, tanto a secretaria do estado quanto a do município criaram todo um sistema com aulas online, aulas por rádio e televisão, além de material impresso distribuído aos alunos. Mas há uma série de problemas aí. Tem professor que não tem uma boa conexão e recursos adequados para dar aula. E um grande percentual de alunos que, quando muito, tem um celular na família. Muitos alunos da educação básica moram na periferia, em áreas de invasão, onde o material impresso não vai chegar a suas casas porque, até para se matricularem na escola, usam um endereço de outra pessoa. E tem gente que tem problema de energia elétrica. Então, a pandemia explicitou o nosso grande problema, que é a desigualdade social. A desigualdade social deixa de fora dos processos educacionais justamente o estudante que mais precisa da escola.

 

As condições atuais colaboram ainda mais para o aumento da desigualdade social?

Exato. Assim que foi instituída a continuação do período letivo, coordenei com o grupo de pesquisa em que trabalho a tarefa de transformar tudo para a educação remota. Nós adotamos o lema: “Ninguém de fora”. Para isso tivemos que conhecer quais são as condições de acesso de professores e de alunos e ajudar todo mundo a participar. Também tivemos a iniciativa de abrir inscrição de alunos voluntários para serem monitores. E foi surpreendente a quantidade de alunos que se propuseram a isso. Então, cada professor tem um aluno monitor que trabalha junto a ele e que dá o apoio relacionado à tecnologia aos colegas e ainda discute com o professor as questões pedagógicas. Funcionou superbem. Esses alunos monitores chegaram ao fim do semestre agradecendo por terem participado, porque foi um momento de formação privilegiada para eles. Na sala de aula, talvez eles não tivessem a oportunidade de trabalhar tão perto de professores que são referência em suas áreas de conhecimento.

 

Que outros resultados vocês já obtiveram a partir dessa experiência?

Nós ainda percebemos a grande discrepância entre alunos de pós-graduação, mestrado e doutorado no quesito de fluência tecnológica. Há alunos com domínio fantástico, que ajudam os colegas, e outros alunos que apresentaram muitas dificuldades, que é o próprio trato com a tecnologia. Aí, esses alunos descobriram um outro universo de conhecimento, o que está, inclusive, influenciando teses e dissertações. Fora isso, todos falam muito da saudade do presencial, de encontrar todo mundo, mas reconhecem que essas aulas remotas foram um grande avanço e que trouxeram um aprendizado muito grande, o que é fundamental porque eles terão que se preparar para conviver com essa realidade daqui para a frente. Não estamos num momento pontual, nós estamos na entrada de um período que não sabemos quantos anos vai durar. Podemos ter aí uma vacina para esse vírus, mas outros podem vir.

 

O GRANDE POTENCIAL QUE TEMOS AGORA É TRABALHAR COM RECURSOS

E ESPAÇOS EDUCATIVOS QUE ESTÃO FORA DO SISTEMA FORMAL DE EDUCAÇÃO

 

Em relação ao aluno, incentivá-lo a usar o computador para aprender é uma coisa, mas o desenvolvimento de uma tecnologia de aprendizado é outra. Há tanta coisa na internet que é fácil se perder em meio ao conteúdo. Como lidar com isso?

O aluno precisa aprender a fazer a busca, a ter objetividade, a identificar a informação que é verdadeira e confiável. Precisa saber separar o que é falso, não confiar em tudo que chega pelo WhatsApp dele. E é preciso fazer isso com estudantes de todos os níveis. Nós não temos uma disciplina específica para isso, mas temos atividades em, sobretudo, disciplinas de pesquisa, em que isso é muito trabalhado com os alunos. Agora, também na educação básica é preciso fazer isso. Não é necessário criar uma disciplina, mas os alunos têm que ser preparados e educados para participar de uma sociedade que está imersa na cultura digital, que se integra com outras culturas. Se isso não ocorrer, eles não terão acesso sequer aos serviços de cidadania que essas tecnologias oferecem.

 

Em relação ao ensino básico, estamos falando de uma garotada que está aprendendo muita coisa da vida pelo computador. Como mediar essa situação?

Esses alunos são da geração YouTube, que acredita que o YouTube explica tudo e que está tudo lá. Agora, tem tudo de bom e tudo de ruim ali. Esse é um processo que deve ser muito trabalhado. A educação que chamavam antigamente para as mídias é uma educação com as mídias, com as tecnologias, para que eles aprendam a distinguir as informações, a distinguir o que é falso, o que é verdadeiro, entender e ter um olhar crítico sobre o conteúdo e sobre a própria tecnologia. Por exemplo, é importante que o professor ajude o aluno a desenvolver um olhar crítico sobre o vídeo que ele busca e assiste no YouTube, a compreender o que está além daquele youtuber famoso que está fazendo determinada coisa ali não porque ele é engraçado, mas porque está divulgando um produto. E quem vai chamar atenção disso para o aluno é o professor. Por que ele está falando desse produto e não de outras coisas? Isso precisa ser trabalhado já com as crianças.

 

Então, é urgente a capacitação do professor do ensino fundamental para esse novo cenário?

Sim. E ainda há um grande desafio, porque nós temos uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que até fala de tecnologias, bem mais do que os documentos do currículo formal falavam antes. Mesmo assim, não é um documento que foi escrito para dar conta de uma situação como a pandemia. Então, não tem essa ênfase de orientação curricular para a prática da educação básica integrada com as tecnologias. Da mesma maneira, não enfatiza a apropriação das tecnologias na formação dos professores. A BNCC não traz tudo o que precisa, mas avança em relação aos documentos anteriores no que se refere às tecnologias. Agora, a BNC do professor é interessante, tem concepções educacionais avançadas, mas em relação às tecnologias ela não tem quase nada, ela não oferece orientações para a preparação de professores. Se você seguir aquele documento, ele não dá conta de preparar professores para trabalhar na cultura digital e menos ainda para trabalhar numa situação em que ele tem que dar uma aula remota, por exemplo. Então, isso é um grande problema. Até hoje, os nossos cursos de formação de professores pelo Brasil afora, na prática, também não dão conta do que é demandado em relação às tecnologias na educação, no processo de ensinar e de aprender, e mesmo no desenvolvimento de um olhar mais crítico sobre as mídias e as tecnologias.

 

NÃO ESTAMOS NUM MOMENTO PONTUAL, NÓS ESTAMOS NA ENTRADA

DE UM PERÍODO QUE NÃO SABEMOS QUANTOS ANOS VAI DURAR

 

Já havia uma necessidade de mudança curricular para se adequar à questão tecnológica. Agora isso é ainda mais urgente?

Exato. Agora, esse novo currículo terá que ser mais aberto, mais flexível e mais integrado à realidade. Ou seja, é um currículo que vai trabalhar — sem deixar de lado o conhecimento formal e sistematizado — com os problemas que surgem na realidade e ajudar os alunos a fazer uma leitura dessa realidade, a compreender as problemáticas, a ser um sujeito ativo na busca de solução para os problemas do seu contexto e da sua escola. E, para trabalhar nessa perspectiva mais aberta, os currículos não podem ser listas de conteúdos ou, como alguns dizem, grades de conteúdos. Tem que acabar com as grades.

 

Há muito debate sobre a distância entre o que ainda se ensina nas escolas e o que a realidade da sociedade, do trabalho, pede.

Com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o ensino médio teve uma proposta diferenciada. A proposta de um currículo mais flexível e com itinerários formativos [uma formação à parte que o estudante escolherá a partir de suas preferências e intenções de carreira. Os itinerários são voltados ao empreendedorismo, à investigação científica e à mediação e intervenção sociocultural]. Entretanto, as escolas receberam aquilo com muito ceticismo. Não há corpo docente para implantar os itinerários formativos. Ou seja, essa é uma proposta que poderia ser interessante se as escolas tivessem condições estruturais e físicas, mas também corpo docente que desse conta desses itinerários. O que a escola vai ter que fazer, então? Ela vai ter que verificar que competências os professores dela têm para incluir itinerários formativos, já que estes estão para além das disciplinas clássicas.

 

O ensino médio hoje no Brasil é o grande gargalo devido à imensa evasão escolar. Levando em conta a questão do ensino a distância, o que deve ocorrer com o atual cenário? Ele deve se agravar?

Acho que os problemas educacionais só vão se agravar, não só no ensino médio. Muitos dos alunos que ficaram de fora da escola todo esse período (da pandemia) vão evadir e não voltarão mais para a escola. E isso é assim em todos os níveis da educação, mas, sobretudo no ensino médio, isso é mais sério. Porque no ensino fundamental ainda há um controle maior, o professor ainda tem uma influência maior sobre os alunos, os pais também, mas no ensino médio a situação será calamitosa, e mesmo o ensino superior também terá um aumento no índice de desistência. Por isso que nós, na PUC, nos lançamos no esforço de não deixar ninguém de fora. Se um aluno, ainda mais do ensino médio, que já é um adolescente, ficou quatro meses sem frequentar a escola porque não conseguiu participar de nada, ele perdeu o vínculo com a escola. Isso é dramático. Digo o seguinte: todos os problemas educacionais que nós já tínhamos, com essa pandemia, se tornaram ainda mais graves.

 

Vai surgir uma geração com características diferentes do aluno “analógico”? E quais seriam essas características?

Em primeiro lugar, não acredito que os alunos vão querer ser exclusivamente digitais. Não é fácil nem desejável ser totalmente digital. Todos têm necessidade de encontrar as pessoas, do olho no olho, de dar e receber abraços. Se você conversa com crianças e adolescentes, eles falam que querem voltar para a aula presencial também. Entre os adultos isso é um pouco diferente, porque a compreensão da situação é distinta.

A geração que está aí, frequentando os bancos escolares neste momento, tende a ter uma maior autonomia para fazer suas atividades e para buscar informações, então, vale a pena acompanhar esses grupos para entender as mudanças que irão sugerir nessas crianças. Mas, certamente, essa situação deixará muitas marcas nos modos de ser e de estar no mundo de todas elas. Há muitas situações em que as crianças estão ficando mais solidárias, porque estão se envolvendo em iniciativas das suas escolas ou dos seus pais, mas também tem muitas crianças cujas carências aumentaram.

 

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