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Educação plural


Ilustração: Marcos Garuti
 


Pensai no sólido, lembra Adelbert von Chamisso na reflexão sobre seu livro A História Maravilhosa de Peter Schlemihl (2003), escrito na Alemanha do século 19.

A fábula versa sobre um homem comum, Peter Schlemihl, que vende sua sombra por um saco da fortuna a um homem de casaca cinza. Contudo, sem a sombra, Schlemihl torna-se uma figura sem projeção e passa a ser hostilizado pela sociedade, receosa do que é incompreensível, do que é inumano.

A moral da história, embora estranha, é muito atual. Ela nos instiga a analisar o mundo no qual as sombras, ou melhor, nossas referências, se esvaem aceleradamente, ao ritmo dos apelos ao consumo desmedido e da volatilidade das relações atuais, que se assemelham ao saco de ouro aceito pelo pobre Schlemihl.

Relacionando com as questões da contemporaneidade: como promover lastros, ou “pensar no sólido” como metáfora que preserva as ideias, diante das crises sociais e éticas que vivemos? Ao refletir sobre o papel que a educação possui no processo de constituição de valores humanos e em sua capacidade de nos libertar da ignorância e da miséria, segundo o pensamento iluminista, percebemos o sentido da formação cultural (Bildung), ou seja, aquela marcada pela constituição da cidadania, para além de uma formação puramente instrumentalizada e tecnicista, que tem seu valor, mas que coloca em outra dimensão as relações sociais e humanas.

Nessa perspectiva, a educação formal, desenvolvida nas escolas, desempenha o papel fundamental de aprendizagem, capacitando o indivíduo em seu respectivo tempo de progressão. Já a educação informal ocorre nas relações de socialização intra e extrafamiliar, desse modo, natural do indivíduo (GOHN, 2010:16).

Trago de modo breve esses complexos conceitos, pois me atenho à imprescindibilidade da educação não formal – à qual dedico minha vida profissional, e lá se vão 28 anos... – para lidarmos com as muitas luzes e sombras de nosso cotidiano.

O processo de aprendizagem da educação não formal é movido pela intencionalidade humana, isto é, precisa ser provocado para sua combustão, pois nada acontece se não criarmos o movimento. Um hábito ou uma prática não são naturais, necessitam ser acalentados, vivenciados e acompanhados.

E há muito a ser feito. Os centros culturais, museus, bibliotecas, ONGs e coletivos comprometidos com a educação não formal devem estender o diálogo às instituições formais de ensino. Daí o significado e a importância das parcerias em nosso cotidiano de ação e a permanente atenção à formação dos professores, pois a educação não formal pode e deve se desenvolver em diversos ambientes, sobretudo nas escolas, ampliando as oportunidades de troca de saberes, consciente do seu papel na leitura do mundo, como nos lembra Paulo Freire.

E foi com a intenção de compartilhar os conhecimentos adquiridos a partir de sua própria prática socioeducativa que o Sesc constituiu, em 2012, o Centro de Pesquisa e Formação – o CPF Sesc, um locus que articula a produção, formação e difusão de conhecimentos, por meio de cursos, palestras, encontros e pesquisas nas áreas da Educação, Cultura e Artes e do Curso Sesc de Gestão Cultural, dedicado a qualificar os gestores culturais, que caminha para sua quinta edição e cujas inscrições estarão abertas a partir de 10 de abril.

Cerca de 3 milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos estão fora da escola em nosso país. Como, então educação não formal pode contribuir? Desenvolvendo e integrando ações socioeducativas junto às comunidades e escolas para garantir o respeito à diversidade cultural e aos conteúdos e experiências na área da cultura, concebida de modo amplo e distante de propósitos circunscritos ao assistencialismo. Uma educação não formal propiciando efetivos espaços para o exercício de cidadania cultural.

No cerne desse pulsar de desejos que movimenta nosso trabalho diário com a educação, quiçá o jovem Schlemihl atual não se deixasse levar por qualquer pacto ou sedução. Teria, então, sua sombra, repleta de confusões, referências, críticas, mas, principalmente, suas próprias histórias.


Andréa de Araujo Nogueira é historiadora, doutora em Ciências da Comunicação pela USP e gerente do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc


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