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Cena transformadora

Foto: Claudia Calabi
Foto: Claudia Calabi


COMPANHIAS E COLETIVOS DE TEATRO INDEPENDENTE RENOVAM ARTES CÊNICAS E MODIFICAM ESPAÇOS PÚBLICOS DA METRÓPOLE

São Paulo é uma das capitais do país onde há maior florescimento do teatro independente – aquele que busca ser um experimento estético, histórico e social, sem objetivos ligados ao consumo de massa. Estima-se haver aproximadamente 300 grupos em atividade e, segundo o Movimento dos Teatros Independentes de São Paulo (Motin), cerca de 70 espaços de apresentação se mantêm pela bilheteria e pelos serviços de vendas. Construída ao longo de décadas, essa relação estreita entre São Paulo e as artes cênicas tem se consolidado cada vez mais como via de mão dupla: ao mesmo tempo em que a capital serve como matéria-prima para as pesquisas teatrais, o teatro transforma e ressignifica os espaços urbanos.

Assim como ocorreu na praça Roosevelt, que antes da chegada das companhias teatrais há 15 anos era considerada uma área insegura, outras sedes de grupos modificam seu entorno em bairros como a Vila Maria Zélia, Bom Retiro e Belém. Para o diretor teatral Pedro Granato, integrante do Motin, a diversidade de palcos cresceu muito desde a criação do Fomento ao Teatro, programa municipal que realiza dois editais por ano e seleciona projetos para receberem apoios de até R$ 890 mil cada um.

Em vigor desde 2002, a lei foi uma conquista dos grupos da cidade, que com o movimento Arte contra a Barbárie manifestaram-se contra a mercantilização da cena e a política controversa dos editais. Hoje, 13 anos depois, multiplicaram-se os coletivos de artistas que ocupam espaços públicos para desenvolver suas atividades. Essa presença dos grupos nos bairros causa efeitos no local, analisa Granato. “Há uma ressignificação da cidade e grande parte da programação é criada em relação com a comunidade do entorno. Ou seja, você tem uma pesquisa sediada, diversos grupos acabam tematizando seus bairros na produção, então não é só uma produção que chega ao bairro ‘no susto’”, avalia.

Há oito anos na Rua Augusta, a sede da Cia. Club Noir é um exemplo desse modelo. Ao criar a companhia há dez anos, Roberto Alvim e Juliana Galdino perceberam a necessidade de um local próprio onde pudessem também apresentar as peças. “Quando cria raízes, você tem um nível de controle dos elementos de criação. O cenário e a iluminação evoluem junto com a marcação e o trabalho dos atores desde o primeiro dia de ensaio, porque ali é a nossa casa”, compara Roberto, que reconhece a importância da relação com a comunidade ao redor. “Em lugares mais periféricos, as pessoas começam a ter um lugar onde podem discutir questões urgentes para a comunidade, na forma da poesia, do teatro, da discussão conceitual, de uma natureza mais profunda e lírica. Em cada lugar isso age de uma maneira, mas a gente percebe que a população de São Paulo, ou uma parte considerável dela, está sedenta por obras que trafeguem fora da lógica do consumo ou da lógica da cultura de massa”, observa.

Apesar de políticas públicas como a lei sancionada este ano, que isenta a cobrança de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) para espaços culturais e teatros de rua, as maiores dificuldades para os grupos continua sendo a manutenção financeira desses lugares. “Nos últimos anos, em São Paulo, todos os grupos que têm sede vêm passando por dificuldades muito grandes por conta do aumento do aluguel. Nós e todas essas companhias vivemos tendo que dar oficinas de teatro com preços altos de mensalidade para poder custear os aluguéis e as contas do espaço”, conta Roberto. “Para nós, a situação ideal seria não haver essa restrição econômica de acessibilidade.”

QUANTIDADE E QUALIDADE

A existência de espaços independentes está entrelaçada com a experimentação teatral, observa o professor do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Alexandre Mate. “Quando não há uma imposição de um ponto de vista único, as múltiplas ideias confluem para a criação da obra”, explica Alexandre, responsável pela pesquisa que listou os cerca de 300 grupos da cidade citados no início desta reportagem. “Pela quantidade de experimentos hoje em São Paulo, há muita potencialidade no que diz respeito às questões estéticas. Atingimos uma experimentação nunca dantes navegada. Há obras que são de um deslumbramento ímpar, tanto na periferia quanto naquilo que se convenciona chamar de centro.”

O professor Luiz Fernando Ramos, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), resume que, apesar de ser uma cena plural, é possível dividi-la basicamente em dois grupos: aqueles com uma característica mais política e os que estão mais ligados a experimentações na linguagem. “Porém, uma coisa não exclui a outra. É do teatro independente que surge a renovação da cena teatral”, afirma, e lembra que o fato de um grupo se declarar independente não é o suficiente para gerar uma estética independente. “É mais provável que isso aconteça nesses espaços, mas não quer dizer que o simples fato de você não estar no circuito comercial faz você inovar.”

Segundo Alexandre, a renovação vem da possibilidade concreta de os coletivos pensarem no teatro como experimento estético, histórico e social, e não como simples mercadoria. “Costuma-se dizer que a cidade de São Paulo é privilegiada por ter a Lei de Fomento, mas não há privilégio”, ressalta. “O que houve foi luta, e essa é uma luta permanente para ampliar as conquistas desses sujeitos que veem aquilo que fazem com uma implicação para além do lucro e do interesse na caixa registradora.”

INDEPENDENTE DE QUEM?

A nomenclatura, segundo o professor Alexandre Mate, refere-se a uma independência com relação à possibilidade concreta de os coletivos pensarem no teatro como experimento estético e social, e não com objetivos comerciais. Duas outras características em comum desse teatro são:
• Possibilidade de um trabalho colaborativo em todos os níveis: ainda que um ou outro profissional seja responsável por um determinado aspecto da produção teatral, o processo de criação envolve todos os participantes do grupo. É uma relação horizontal.
• Sem maniqueísmos: as obras trazem assuntos apresentados a partir de múltiplos pontos de vista, sem destacar um protagonista. Utiliza-se muito a narrativa episódica, dividida em partes, apresentando o ponto de vista de um sujeito ou de múltiplos sujeitos em cada parte.
Fonte: Alexandre Mate, professor do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (Unesp)
 

DIÁLOGO CONSTANTE
Programação busca traduzir e estimular a diversidade da cena teatral contemporânea

O universo plural das companhias teatrais independentes está presente no Sesc São Paulo em diversas atividades: desde peças a atividades formativas que buscam um diálogo tanto com a tradição do teatro quanto com trabalhos experimentais e contemporâneos.

Entre as atividades formativas, há oficinas relacionadas aos diferentes elementos do modus operandi do teatro (atuação, direção, dramaturgia, iluminação, cenografia, figurino, produção cultural, entre outros), bate-papos, seminários, intercâmbios entre os grupos e mesas de discussão. “Para estimular a reflexão na classe artística local e no público, a possibilidade de acesso às atividades de cunho formativo são de suma importância, pois estabelecem mutualismo entre as linhas de pesquisas de companhias teatrais”, afirma o assistente técnico da Gerência de Ação Cultural Rodrigo Eloi. “O Sesc valoriza a experiência do teatro como algo que ultrapassa a relação com a obra finalizada, que, por si mesma, já representa uma atividade de transformação de artistas e espectadores, pois o teatro só ocorre na alteridade.”

Conheça alguns destaques da programação de novembro:

Fantasmas
Sesc Santana
7/11 a 13/12 (sexta e sábado, às 21h; domingo, às 18h)
Com direção de Roberto Alvim, a partir do texto de 1881 do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen, discute tabus como promiscuidade e eutanásia e é considerada por muitos como a primeira tragédia moderna da história.

O ano em que sonhamos perigosamente
Sesc Belenzinho
12 a 29/11 (quinta a sábado, às 21h30; domingo e feriado, às 18h30)
Com texto de Pedro Wagner e Giordano Castro, a encenação é baseada no livro homônimo do filósofo esloveno Slavoj Zizek. A peça possui influência dos pensamentos de Gilles Deleuze e do cinema do grego Yorgos Lanthimos, utilizando o próprio fazer teatral para questionar o momento político atual.

Entre Lagos
Sesc Interlagos
Atividades ao longo do mês
A programação voltada aos jovens da Zona Sul traz companhias teatrais e circenses da região para tratarem de linguagens artísticas divididas em quatro eixos: corporeidades (circo, dança, teatro e performance), oralidades (literatura e culturas tradicionais), visualidades (artes plásticas, fotografia e audiovisual) e sonoridades (música, som e cortejo).

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