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Olhar crítico
por PABLO ORTELLADO
Doutor em filosofia, Pablo Ortellado é professor do curso de Gestão de Políticas Públicas e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP). É coautor dos livros Estamos Vencendo! Resistência Global no Brasil (Conrad, 2009), sobre as manifestações antiglobalização no Brasil no começo dos anos 2000, e Vinte Centavos: A Luta contra o Aumento (Veneta, 2013), que analisa os protestos de junho de 2013 no país. A seguir, os melhores trechos do depoimento, no qual Pablo fala sobre as manifestações deste ano e a crise de confiança nos sistemas de representação.
Pablo Ortellado esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E no dia 13 de agosto.
CRISE DE REPRESENTAÇÃO
Existem muitas análises abstratas sobre o que aconteceu em junho de 2013. Nosso esforço no livro [Vinte Centavos: A Luta contra o Aumento] foi dar um pouco de concretude a isso. Pesquisas atrás de pesquisas desde os anos 1970 dizem que o sistema de representação está em colapso. Há uma falta de credibilidade e de confiança nesse sistema, não só no Brasil, mas em diversos países. É uma questão velha da sociedade que está aparecendo para a gente agora com mais força. Junho de 2013 foi uma experiência viva dessa sociedade se manifestando, se expressando, que reverteu em mudança social efetiva.
Para a maior parte da população mundial, a política é algo que não diz respeito às pessoas comuns. Você aperta os botões da urna e isso não é nada. Você pega uma pessoa que participa de movimento social, de ONG, da academia, de partidos políticos, de sindicatos, elas leem o jornal, mas essas pessoas formam a elite política. Fora dessa elite, as pessoas em geral não leem o jornal porque não faz sentido, porque elas não participam da vida política. Elas sabem que isso é uma farsa. As pessoas se descolaram desse sistema. Elas não acompanham, não acreditam. Essa frustração se acumula, porque o sistema político influi na vida delas, mas elas não têm ambição de participar do sistema político, e isso gera essa crise. Qual é a solução? Ou a gente refunda a democracia ou a rejeita.
AMPLIAÇÃO DAS PAUTAS
No livro a gente fez um estudo muito detido sobre o papel da imprensa nacional em junho de 2013 e sobre como ela representou os protestos e deslocou o foco da questão do transporte para a questão da corrupção e outras pautas que estavam na agenda dos meios de comunicação, tentando ampliá-las. Claro que ela só teve essa capacidade de ampliação porque eram demandas reais da sociedade brasileira. Quando essas outras demandas tomam as ruas, o Movimento Passe Livre teve muita dificuldade de acolhê-las, porque ele sabia que precisava de uma demanda clara. E foi uma demanda clara que resultou em vitória em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Brasil inteiro, onde o aumento da tarifa foi revogado.
O Passe Livre, de certa maneira, não queria estrategicamente acolher essas outras demandas. Isso fez com que essas demandas ficassem órfãs. Acho que as manifestações que têm acontecido agora são resultado dessa orfandade, que foi explorada por outros grupos políticos que estão tentando dar liderança e orientação política para essa inquietação da sociedade brasileira.
MANIFESTAÇÕES DE 2015
O senso comum dizia que eram manifestações contra o governo federal, mas tínhamos indícios de que essa insatisfação não estava restrita ao governo federal. Fizemos uma pesquisa aplicando um questionário a mais de 500 manifestantes, o que permitiu uma margem de erro muito pequena, para investigar a confiança nas instituições. O resultado foi que há uma descrença generalizada no sistema político, e não em um partido específico.
As pessoas que estão mobilizadas na rua não confiam nos partidos políticos, nos políticos, nas ONGs, nos movimentos sociais e na imprensa, que transformam o sistema político em um sistema ampliado. Não se salva ninguém.
RESPOSTAS POSSÍVEIS
Essa insatisfação pode ter respostas diferentes, quando a gente olha historicamente. Existem as respostas antidemocráticas para essa crise de representação. Ou seja, pegar um juiz justiceiro e colocar lá, fazer um golpe militar, pegar uma pessoa de fora do sistema político e colocar para comandar o país. São soluções antipolíticas, e talvez até antidemocráticas. Elas respondem a essa crise por meio de uma rejeição da democracia.
E existem as respostas dos movimentos sociais. O que os movimentos sociais fazem com essa descrença que vem ocorrendo desde os anos 1970? Eles falam que essa descrença no sistema político precisa ser respondida com uma democracia verdadeira, que está na experiência de organização dos movimentos, em assembleias, criando laços comunitários, sem estruturas de poder, sem orientação para conquistar cargos, e que a partir dessa experiência concreta é que se poderia reformar ou refundar a democracia.