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Foto: João Farkas
Foto: João Farkas

FOTOGRAFIA DOCUMENTAL CONTEMPORÂNEA É MARCADA POR CARACTERÍSTICAS COMO A POLIFONIA E O REGISTRO NÃO IDEALIZADO DO AMBIENTE E DO SER HUMANO

Desde a sua criação, o fazer fotográfico se desmembrou gradualmente em teoria, técnicas e olhares. A partir da exploração de camadas de significados ou de comunicação imediata, a história da fotografia, ainda em seus primórdios, “nos apresenta uma bifurcação interessante”, comenta Fernando Citroni, pesquisador e coordenador do Bacharelado em Fotografia do Centro Universitário Senac, em São Paulo. De acordo com sua análise, tal bifurcação pode ser tomada como marco do documentarismo fotográfico, com o registro de pessoas anônimas, em oposição à tendência que se estabelecia e nas produções fotográficas na virada do século 20, os retratos encomendados. “A fotografia e os fotógrafos começavam a delimitar, ainda que inconscientemente, um vasto campo, ao elegerem como tema de suas fotos a pessoa comum e seus conflitos”, explica.

A REALIDADE EM QUESTÃO
Em vez da pessoa comum, alguns fotógrafos voltaram o foco para registrar o ambiente incomum para muitos, com o registro não idealizado de matas, florestas, conflitos de terras e as intervenções do homem nesses locais. Um dos pioneiros na tentativa de captar a memória iconográfica da região Amazônica foi o português Silvino Santos (1886-1970). Fotógrafo e documentarista, “foi um dos primeiros a documentar a Amazônia no início do século 20”, aponta Felipe Milanez, pesquisador em Ecologia Política (Sociologia) pelo Centro de Estudos Sociais (CES), da Universidade de Coimbra, e organizador do livro Memórias Sertanistas: Cem Anos de Indigenismo no Brasil (Edições Sesc, 2015).

Milanez cita ainda a fotógrafa suíça Claudia Andujar, que se mudou para São Paulo nos anos 1950 e tem seu trabalho vinculado à causa ianomâmi e à problematização da demarcação das terras indígenas. “Após a ditatura militar vimos a Amazônia em perigo de ser destruída e isso foi registrado por Claudia”, diz Milanez. Para ele é importante prestar atenção no desenvolvimento da tecnologia, que permitiu que os próprios índios fotografassem e compartilhassem os seus registros nas redes sociais, “dando uma nova profundidade às visões e aos problemas da região”.

Quando a fotografia começa a ser entendida, também, como discurso, novos caminhos e abordagens despontam. “Uma das características da narrativa fotográfica documental contemporânea é a polifonia, isto é, uma profusão de vozes que provêm dos fotógrafos documentaristas, das pessoas e situações retratadas e da abertura interpretativa que se apresenta ao espectador”, explica Citroni. “Encaramos a fotografia não mais como portadora de verdade, mas como uma produtora do real, capaz, em suas narrativas, de nos enlevar, trazendo para nós contextos aos quais não tínhamos acesso.” O pesquisador diz que no Brasil o trabalho de João Farkas flerta com a tradição do documentarismo fotográfico, na medida em que busca conciliar um modo próprio de contar uma história, mobilizando forte preocupação estética. “Isso traz a marca do fotógrafo, com a intenção de problematizar aspectos da realidade social. Ele busca o complexo amálgama entre os campos filosóficos da estética e da ética”, exemplifica.

OLHAR SOBRE A AMAZÔNIA
EXPOSIÇÃO REÚNE 75 IMAGENS QUE APRESENTAM AS TRANSFORMAÇÕES OCORRIDAS NA REGIÃO DESDE A DÉCADA DE 1980

Com curadoria de Paulo Herkenhoff, crítico e autor de diversos livros sobre arte, a exposição Amazônia Ocupada pode ser vista no Sesc Bom Retiro até 1º de novembro. O evento gratuito apresenta e contextualiza as imagens colhidas entre os anos de 1986 e 1994 pelo fotógrafo João Farkas. “O artista, que viu de perto as mudanças na região, mostra seu olhar sobre o território, trazendo à tona a reflexão sobre o percurso histórico da ocupação na Amazônia”, diz a técnica de programação da unidade Kátia Caliendo. Ela conta que para além do material fotográfico, ao acolher essa exposição, o Sesc Bom Retiro buscou proporcionar uma experiência única de imersão nesse território tão rico e tão desconhecido por grande parte das pessoas. “Farkas carrega consigo muitas histórias e as potências daquele momento e compartilha-as conosco com detalhes”, acrescenta. O fotógrafo profissionalizou-se em 1979, mas teve seu contato com a floresta ainda na infância, durante uma viagem de família.

A exposição reúne 75 imagens no total. Para Kátia, um material “de riqueza imensurável” que não poderia ficar distante do público. “Na Amazônia Ocupada se fala sobre fotografia, mas também se trata de antropologia, história, geografia, sustentabilidade, intervenção humana e, primordialmente, de transformações”, destaca.

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