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Em vez de espectador, participador. É assim que a arte participativa define seu público e o convida a descobrir inquietações e manifestar questionamentos perante as obras com que entra em contato, independentemente do espaço. Em um dos capítulos do livro Sobre a Arte Brasileira: da Pré-História aos Anos 1960 (Organização de Fabiana Werneck Barcinski, Edições Sesc/Editora WMF Martins Fontes, 2015), escrito por Paula Braga, professora das áreas de estética e artes da Universidade Federal do ABC, é jogada a isca.

Paula cita Lygia Pape, Lygia Clark e Hélio Oiticica como criadores pioneiros na imbricação da arte com o comportamento no Brasil, explorando a noção de participação do espectador. Contextualizando seu pensamento, a professora recorre à história: “Isso aconteceu naturalmente, a partir da ideia dos neoconcretos de fazer uma arte que fosse como um organismo vivo.

Então, uma arte que é como um organismo vivo não vai ficar na parede para ser contemplada. Daí a arte participativa, com o espectador sendo chamado de participador e experiências de uma produção artística que se lança no espaço”. Essa mudança coincidiu com a ditadura militar no país. “A partir de 1964 isso passa a ser uma metáfora da ação. Em 1968 houve um evento público de arte no Aterro do Flamengo – idealizado por Oiticica –, chamado Apocalipopótese”, acrescenta.

 

“Nele, , o artista português Antônio Manuel trouxe a obra Urnas Quentes (em referência a caixas mortuárias que simbolizavam o voto) e Lygia Pape apresentou a obra Ovo, um cubo de pano moldado com a ideia de que a pessoa entre no cubo e, como num gesto de liberdade, rasgasse o pano para sair. Portanto, essa arte participativa foi uma sutil motivação contra a passividade do período ditatorial.”

 

INTERFERIR NO ESPAÇO

Se hoje o contexto histórico mudou e não envolve mais um combate contra um modelo ou regime de governo, a arte participativa quer incentivar o público a romper com modelos de comportamento relacionais e cotidianos. “Artistas vão para a rua e fazem algo que se coloca no meio urbano e, de repente, a pessoa está envolvida numa obra de arte sem saber”, exemplifica Paula. “Essa quebra é uma oportunidade de um pensamento novo aparecer.”


A nova relação estabelecida entre espectador e obra interfere de forma significativa no espaço, seja de tradicionais museus ou galerias. No mês de junho, por meio de suas redes sociais, o Tate (Museu Nacional de Arte Moderna do Reino Unido) compartilhou um evento em uma de suas galerias, a Tate Britain. Uma foto com pessoas deitadas no local trazia a pergunta: How can the gallery space be transformed? (Como o espaço da galeria pode ser transformado?).

 

Em chamada direta aos frequentadores, queria sugestões de como devemos nos comportar no espaço expositivo. Para Eleonora Fabião, performer, teórica da performance e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, quando o trabalho é participativo está sempre em movimento, e os contornos vão se moldando ao longo do processo. “Crio o programa e vou de peito aberto para a experimentação, para o acontecimento. Como toda performance, essas ações desprogramam meio, hábitos, reconfiguram relações.

 

Que tal sentar-se com um desconhecido para trocar ideias por quanto tempo desejarem?”, questiona a autora de Ações Andreenses, como parte da exposição A Experiência da Arte, em cartaz no Sesc Santo André (veja boxe À vontade). Eleonora também reflete sobre a inserção da tecnologia nesses ambientes e propõe a utilização de tais recursos para vivenciar os “muitos modos de relação que a tecnologia e as redes sociais possibilitam”. “Como artista, o que me interessa é fazer convites e lançar questões para que escolhas sejam feitas; lançar possibilidades e esperar para ver o que acontece – para ver também como eu responderei ao acontecimento dando continuidade ao trabalho. Pode ser que a escolha do visitante leve ao encontro direto comigo ou não. Porém, certamente o levará ao encontro consigo e com as circunstâncias”, reflete Eleonora.


À VONTADE
EXPOSIÇÃO REFORÇA A RELEVÂNCIA DO ATO DE EXPERIMENTAR

Guiada pelos verbos tatear, ver, ouvir e experimentar, a exposição A Experiência da Arte fica em cartaz no Sesc Santo André até o mês de outubro. Com curadoria de Evandro Salles, traz produções de artistas referenciais na cena brasileira contemporânea: Vik Muniz, Ernesto Neto (foto), Wlademir Dias-Pino, Eduardo Coimbra, Eleonora Fabião e Waltercio Caldas.

Para o gerente da unidade, Jayme Paez, a resposta do público tem correspondido ao princípio interativo da programação. “Em 2008 pude acompanhar a realização de outro projeto da série Arte para Crianças, também com curadoria de Evandro Salles, no Sesc Pompeia. Seguindo a mesma pesquisa curatorial, a edição atual reúne obras de grandes artistas brasileiros, que não foram concebidas especificamente para o público infantil, mas que permitem uma aproximação poética e vivencial entre espectador – de todas as idades – e obra de arte”, contextualiza Paez.

Essa exposição desmistifica o conceito de que a fruição das artes visuais – principalmente da arte contemporânea – só é possível para pessoas iniciadas, ou que trazem um repertório consolidado e capacidade de análise. O contato com as artes pode e deve ser uma experiência para todos e o sentido desse encontro se dá de forma muito particular. Basta criarmos um ambiente e nos permitirmos.”



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