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O batom no comando

Zica: salões de beleza da rede faturaram R$ 140 milhões em 2013 / Foto: Tasso Marcelo/Agência Estado
Zica: salões de beleza da rede faturaram R$ 140 milhões em 2013 / Foto: Tasso Marcelo/Agência Estado

Por: CARLA CAMARGO

Tem crescido em todo o mundo o número de mulheres nos postos mais elevados das empresas, de acordo com uma pesquisa da consultoria americana Grant Thornton. O estudo “International Business Report 2014”, realizado com cerca de 12,5 mil companhias de grande e médio porte ao redor do planeta, mostra que 24% dos cargos de chefia são ocupados atualmente por elas. “É um índice mais alto do que o de dez anos atrás”, diz a consultora Francesca Lagerberg, daquela consultoria. Países como a China, Polônia, Letônia são os que registram o maior incremento da participação feminina em cargos de liderança. Na nação do mandarim, atualmente em torno de 50% dos postos de comando nas empresas são ocupados por mulheres, quase o dobro de dois anos atrás.

Uma possível explicação é que nessas nações o ambiente corporativo vem se desenvolvendo com maior intensidade, e há menos barreiras para os profissionais do sexo feminino. “Principalmente entre os chineses, o que é mais valorizado é a capacidade de fazer a empresa crescer e de planejar estratégias, independentemente de outros fatores”, diz Lagerberg. No Brasil, cerca de 24% dos postos de comando nas organizações estão nas mãos das mulheres, e 14% delas exercem a função de CEO, sigla do inglês Chief Executive Officer, o diretor executivo na hierarquia corporativa brasileira.

Boa parte delas também está à frente de negócios próprios, muitos em franca ascensão. Empreendedoras como Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza, Sônia Hess, da Dudalina, uma das maiores fabricantes de camisas do país, e Zica de Assis, do Instituto Beleza Natural, rede de salões de beleza que faturou mais de R$ 140 milhões em 2013, já se tornaram figuras conhecidas no ambiente empresarial no Brasil. Elas comandam empresas que, juntas, empregam mais de 15 mil funcionários e movimentam bilhões de reais. Ao lado delas, executivas como Andrea Alvares, da Pepsico e Claudia Sender, da TAM contribuem para o crescimento de duas das principais companhias do país. Mesmo assim, em geral elas ainda ganham menos do que seus colegas e demoram mais a chegar a cargos de chefia.

De acordo com uma pesquisa da consultoria de recursos humanos Hay Group, realizada em 2013, a remuneração média anual das executivas brasileiras é de R$ 930 mil contra R$ 1,1 milhão dos homens. Uma carga de trabalho intensa, que muitas vezes dificulta uma maior dedicação à vida familiar, e o tempo que é preciso reservar para as viagens são apontados como os maiores empecilhos para as mulheres galgarem cargos de chefia. “Essa realidade, entretanto, vem mudando, principalmente no tocante às donas de seus próprios negócios, empreendedoras que têm mais facilidade para delegar poder e organizar a agenda”, diz Ruth Malloy, consultora da Hay Group. “Isso vem acontecendo inclusive no Brasil”, diz.

Testes na bacia

São empresárias que, na maior parte das vezes, trilharam um longo caminho até que suas companhias alcançassem posição de realce no cenário econômico nacional. É o caso do Beleza Natural, da empreendedora carioca Heloisa Helena Assis, de 53 anos. Ela comanda o negócio junto com seu irmão, Rogério Assis, e a cunhada, Leila Velez. Mais conhecida como Zica, a empresária foi empregada doméstica em bairros de classe média do Rio de Janeiro antes de criar o Beleza Natural. Durante anos, ela pesquisou uma fórmula para tratar cabelos crespos. “Eu e várias amigas vivíamos brigando com o cabelo”, diz. “Acreditei que poderia criar um produto para deixar os fios afros mais jeitosos”, conta. Depois de fazer um curso de cabeleireiro, Heloisa começou a testar várias misturas de produtos em casa, numa bacia, até encontrar uma que deu certo. Na realidade, a titular do Beleza Natural testava as fórmulas que criava em seu próprio cabelo, persistência que levou as pessoas com quem convivia a se interessarem por sua ideia.

“Em certo momento, uma patroa me apresentou a uma profissional da área química que era sua conhecida, para me orientar sobre a parte técnica e a patente”, recorda-se Heloisa que, em 1993, inaugurou o Beleza Natural em um bairro carioca com poucos recursos. A intenção inicial era atender a classe C, o que se revelou bastante eficaz. Apesar do começo tímido, os números de crescimento do instituto têm impressionado: em 2013, a rede atendeu mais de 90 mil mulheres em suas unidades nos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia. Para muitos analistas de mercado, trata-se de um fenômeno no setor de beleza e cosméticos. No ano passado, a empresa recebeu do GP Investments, maior fundo de private do país, cerca de R$ 70 milhões com vistas a um salto esperado no crescimento para os próximos anos. A expectativa é que até 2018 a rede tenha cerca de 120 unidades em vários estados.

No interior de São Paulo, o Magazine Luiza teve uma trajetória parecida. A empresa, administrada por Luiza Helena Trajano, de 62 anos, sobrinha da fundadora, começou com uma loja na cidade de Franca. O foco sempre foi o público de menor poder aquisitivo, mas com recursos suficientes para comprar eletrodomésticos e outros itens para a casa com formas de pagamento facilitadas. Aos poucos, a empresa foi crescendo e, anos atrás, Luiza assumiu sua presidência. Conhecida por sua popularidade e liderança, ela dita os rumos de uma companhia que possui, atualmente, 744 lojas, faturou cerca de R$ 10 bilhões em 2013 e emprega 24 mil pessoas. Luiza comanda atualmente a organização a partir de uma sala em um prédio envidraçado na zona norte da cidade de São Paulo – em seu escritório, fotos dos três filhos e quatro netos enfeitam o ambiente ao lado de amuletos e objetos como pequenos elefantes de cerâmica. “Sou uma pessoa simples, do interior, e faço questão de manter minha essência”, costuma dizer. Adepta da conversa, do jeito direto de fazer negócios e do networking, Luiza é amiga de empreendedores como Chieko Aoki, fundadora da rede de hotéis Blue Tree, e de Sônia Hess, presidente da Dudalina, uma das maiores marcas de roupas do país.

As duas são outros grandes exemplos bem-sucedidos de mulheres à frente de organizações em franca expansão. A catarinense Sônia Hess, há dez anos, assumiu a Dudalina – criada por sua mãe nos anos 1950, dentro de casa – num momento em que a empresa passava por uma crise. A concorrência chinesa derrubou os preços das confecções brasileiras, e problemas financeiros, causados por erros em gestões passadas, poderiam levar a empresa a um beco sem saída. A fundadora, Adelina Hess de Souza, decidiu então passar o bastão dos negócios para a filha, que era responsável pela área de marketing da companhia. Adelina teve outros 15 filhos – que, à época, dividiam a administração da Dudalina. Quando, finalmente, foi aceita por todos os membros da família, Sônia colocou seu plano em ação: lançou uma rede de lojas em bairros de bom poder aquisitivo em grandes centros, como São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro, e investiu em design. Em seguida, criou uma linha feminina, para atender executivas e outras profissionais.

Desde 2008, o faturamento da Dudalina vem crescendo de forma intensa. No ano passado, suas 93 unidades próprias e franqueadas espalhadas por vários pontos do país, além das vendas em 3,5 mil lojas multimarcas, geraram uma receita de R$ 515 milhões. O bom desempenho da companhia atraiu a atenção dos fundos americanos Advent e Warburg Pincus, que divulgaram a aquisição da marca por cerca de R$ 1 bilhão. Sônia, no entanto, continua à frente da empresa.

Executiva poderosa

“A vantagem de ser homem está chegando ao fim em várias esferas, inclusive no mundo dos negócios”, diz outra empresária renomada, a japonesa naturalizada brasileira Chieko Aoki, de 63 anos. Ela começou a carreira de executiva nos anos 1980, como diretora de marketing da rede de hotéis Caesar Park Hotels & Resort, e, em 1997, lançou a rede de hotéis Blue Tree. “As mulheres são maioria nas universidades no país e percebo que elas têm características próprias ao exercer determinados cargos”, diz Chieko. “Quando ocupam posições de liderança, tendem a ter um talento para se comunicar, tanto vertical quanto horizontalmente, com subordinados e outros executivos dentro das corporações”, afirma. Eleita recentemente pela revista “Forbes” como uma das executivas mais poderosas do Brasil, Chieko construiu um empreendimento que hoje constitui o terceiro maior grupo hoteleiro do país. A rede deve fechar 2014 com faturamento de R$ 371,2 milhões. A Blue Tree conta com 24 unidades distribuídas em todas as regiões do país. “Fui uma das primeiras investidoras nesse segmento no Brasil”, garante.

Até pouco tempo atrás, também era raro a presença de mulheres em cargos de comando de setores como a aviação. Hoje, já não é mais assim. A TAM, por exemplo, desde 2013 é presidida por Claudia Sender. Formada em engenharia pela Universidade de São Paulo (USP) e com pós-graduação em negócios na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos (também curiosamente gerida por uma mulher) Claudia atuou por muito tempo no setor de marketing e planejamento estratégico de grandes empresas. No ano 2000, ela começou a atender a TAM como membro da Bain & Company, uma das maiores consultorias do mundo. Dez anos depois, quando essa empresa aérea decidiu costurar a fusão com a chilena LAN ficou vago o posto de vice-presidente de negócios domésticos. O nome de Claudia surgiu naturalmente, graças ao bom trabalho exercido durante a fase da consultoria. A executiva, então, foi convidada a ocupar o cargo em 2011 e, logo depois, eleita presidente da empresa. Em seu dia a dia, ela é obrigada a lidar com uma grande pressão por resultados, já que o setor aéreo passa por períodos de fragilidade, com a alta do dólar, que eleva os preços do combustível na moeda nacional, e um aumento nos impostos no setor. Claudia tem suportado a pressão.

Política de cotas

Andrea Alvares, de 43 anos, por sua vez, foi a primeira mulher a exercer um destacado cargo de liderança em uma das áreas mais importantes da Pepsico, a de alimentos, isto há cerca de dez anos. Formada em administração de empresas, em 2003 ela passou a ser responsável por toda a operação referente à linha de produtos da marca Quaker que engloba itens conhecidos como aveia, achocolatados (Toddynho) e isotônicos (Gatorade). Atualmente, Andrea lidera a indústria de snacks dentro da organização, após já ter sido presidente por dois anos da divisão de bebidas da empresa. Sua carreira de executiva começou nos anos 1990 em grandes empresas como a Procter & Gamble (P&G). Recentemente, Andrea foi eleita uma das melhores gestoras do país por um júri composto por consultores, empresários e acadêmicos realizado pela consultoria Egon Zehnder.

A Pepsico vem crescendo no Brasil nos últimos anos e a área de alimentos, comandada por Andrea, é uma das que mais se sobressaem. A empresa hoje tem 16 fábricas no país, enquanto que em 2001 elas eram apenas três. “O número de funcionários também aumentou exponencialmente”, diz Andrea. Atualmente, a Pepsico emprega ao redor de 13 mil pessoas (em 2001 eram 3.500). Faz parte da estratégia da empresa investir na diversificação do portfólio de produtos, algo que vem sendo planejado há bastante tempo pela Pepsico Internacional sob o comando da indiana Indra Nooyi, gestora das operações da sede nos Estados Unidos. Indra realizou importantes conquistas para a empresa. Foi dela a ideia de comprar a Quaker, que detém a marca Gatorade, uma das mais vendidas no mundo. Na disputa por aquela marca concorria também a Coca-Cola.

No universo do empreendedorismo brasileiro, os bons ventos têm soprado a favor das mulheres: desde 2007, cerca de 10 milhões delas tornaram-se empresárias, e, hoje, já constituem metade das donas de pequenas e médias empresas no país. Ter mais liberdade para traçar os próprios caminhos do crescimento profissional e a chance de aproveitar oportunidades de negócios que surgem em várias áreas, da tecnologia da informação ao varejo, tem sido apontados como as principais razões para esse boom. Para conciliar a carreira com a vida pessoal, muitas encontram soluções alternativas. É o caso da empreendedora mineira Monique Silveira, de 30 anos, proprietária da Via Permanente, empresa que fornece peças e serviços para ferrovias. Grávida do primeiro filho há pouco mais de dois anos, ela refez parte da agenda e providenciou um berço para o garoto em seu escritório, em Juiz de Fora, Minas Gerais. O objetivo era não abrir mão do papel de mãe e da empresa, considerada uma das que mais crescem no país em sua área e com faturamento anual superior a R$ 8 milhões.

Tem aumentado não somente o número de mulheres em cargos de comando nas companhias, mas também o daquelas que ocupam vagas no conselho de administração, uma das funções mais valorizadas no mundo empresarial. Uma pesquisa realizada pelo Credit Suisse com 2.360 empresas de mais de 40 países revelou que 59% delas tinha ao menos uma executiva no conselho. Essas companhias registraram lucro pouco maior que o daquelas em que só há executivos no conselho de administração. “A questão não é tanto se as mulheres são melhores ou não do que os homens em determinadas funções”, diz a pesquisadora americana Katherine Phillips, professora de liderança na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. “Ao se estudar essas empresas em que ambos os sexos são mais bem-aceitos, chega-se à conclusão de que a diversidade é que faz bem à saúde das corporações”, afirma.

Segundo a organização Woman Corporate Directors (WCD), que promove a diversidade de gêneros nas empresas, quando há homens e mulheres no comando existe uma tendência maior ao debate. “Um certo grau de conflito é benéfico e talvez por isso as companhias que abraçam mais os diferentes gêneros sejam mais bem-sucedidas”, diz Susan Stautberg, uma das diretoras daquela instituição.

Mesmo assim, as mulheres em geral têm mais dificuldade em ascender nas carreiras de executivas. Para acabar com as barreiras culturais que podem prejudicar, por exemplo, a chegada das mulheres ao conselhos de administração das empresas, alguns países, como Austrália, Bélgica, Itália e Noruega, criaram uma política de cotas. Na Noruega, 40% das vagas nos conselhos de administração precisam ser ocupados por mulheres. “É um grande avanço”, diz a americana Susan.

Nos Estados Unidos, as executivas também vêm conquistando espaço nas grandes corporações. De acordo com um levantamento da Universidade de Harvard, nas maiores companhias, atualmente, cerca de 18% dos cargos de diretoria e vice-presidência são exercidos por mulheres. Na década de 1980, praticamente não havia executivas em cargos importantes nas grandes empresas. O estudo revelou também quais são as organizações que mais costumam promover mulheres a posições de chefia. Algumas delas são a IBM, a GE, a Coca-Cola e a Pepsico.