Postado em
Olhar Contemporâneo
Valorização artística e experimentação marcam o percurso da fotografia brasileira nos últimos anos
Ao longo de quase dois séculos, a fotografia reinventou a própria linguagem: foi de cópia do real a fragmento da realidade, de captura de um instante a narrativa densa. Hoje, é reconhecida como um dos terrenos mais férteis da arte contemporânea, com presença em instituições de ensino, livros, grandes mostras, coleções e museus mundo afora. No Brasil, a forma de expressão vem ganhando força desde os anos 1990, com maior espaço para sua formação, produção e difusão.
O artista Luiz Braga recorda que, há 20 anos, viver de fotografia autoral era um sonho. “Eu fiz fotografia documental, publicitária, entre outras. Hoje, vejo uma pessoa comprar uma foto não por encomenda, mas pela minha produção de expressão pessoal. Isso, para um artista, não tem preço”, conta ele, que vê a importância da imagem na vida contemporânea como uma das razões para a mudança. “Você nota no Instagram, por exemplo, o quanto a fotografia serve como ferramenta de expressão, transformando cada um em criador de imagens.”
Para o professor da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Álvares Penteado (Facom – Faap) e curador Rubens Fernandes Junior, o bom momento da fotografia está relacionado a uma “saudável crise”: de um lado, o esgotamento das artes visuais tradicionais e, do outro, a predominância da imagem digital. “O que se nota a partir dos anos 1960 é que artes como a pintura e a escultura passam por um esgotamento de linguagem e de proposta. É aí que a fotografia entra com força, estabiliza-se e se instala nesse buraco”, explica o professor.
Além disso, o panorama atual também é fruto de artistas que investiram na sedimentação da fotografia no mercado artístico. Entre os pioneiros da linguagem fotográfica experimental brasileira estão Iole de Freitas, Hélio Oiticica, Miguel Rio Branco, Waldemar Cordeiro, Mário Cravo Neto e Geraldo de Barros. “Barros é a grande referência e o maior revolucionário da imagem técnica na segunda metade do século 20”, ressalta Fernandes. Na opinião dele, no final dos anos 1960 a experimentação era tão forte quanto hoje, mas sem tanta ressonância midiática e mercadológica. “No Brasil, o espaço da fotografia dentro da mídia e da propagação da imagem era muito determinado. Hoje, ela cabe em qualquer lugar, inclusive no museu, na galeria e na parede de qualquer casa.”
RECONHECIMENTO E IDENTIDADE
A ascensão do mercado da arte fotográfica nos últimos dez anos coincide com a criação de feiras e eventos como a SP Arte e o Festival Internacional de Fotografia de Paraty. Na opinião do fotógrafo e coordenador do festival de Paraty, Iatã Cannabrava, apesar do crescimento, o mercado ainda não tem a dimensão que seria ideal. “No Brasil, existe um custo de produção muito alto, dificuldades de exportar obras e importar equipamentos, e um costume ainda incipiente do colecionismo”, constata. Além disso, ele observa que o espaço dado à fotografia em museus, centros culturais e instituições poderia ser mais equilibrado com o das galerias: “Do contrário, corre-se o risco de o artista produzir em função de questões mercadológicas”.
A maneira como a fotografia costuma ser entendida também mudou, afirma Cannabrava. Antigamente, levava-se em conta principalmente o conteúdo. Hoje, o interesse maior está nas histórias contadas por meio da foto. É dessa busca por narrativas visuais que vem o aumento da publicação de livros de fotografia nos últimos cinco anos. “Uma das razões é que todo mundo pode produzir seu livro até a etapa antes da impressão. Também é importante lembrar que o fotolivro mudou. Antes, o texto autenticava as obras. Hoje, ele soma”, frisa o especialista.
Além do reconhecimento interno, a fotografia brasileira alcança maior projeção internacional. Um exemplo é a retrospectiva do International Center of Photograph (ICP) dedicada ao fotógrafo paulista Caio Reisewitz entre maio e setembro deste ano. Outra demonstração da relevância da produção brasileira é a presença de obras em instituições como o Museum of Modern Art (MoMA), The Museum of Fine Arts of Houston (MFAH) e Tate Gallery.
O professor Rubens Fernandes Junior lembra que o marco zero do reconhecimento internacional foi uma reportagem da revista francesa Zoom, nos anos 1990, que avaliou a produção brasileira entre as três melhores do mundo. “Foi no mesmo momento da explosão da globalização da arte e do início da internet”, completa. De lá para cá, ele percebe que os artistas brasileiros passaram a estar em maior sintonia com a produção internacional.
Ainda assim, há quem veja uma identidade bem definida na produção autoral brasileira. Para Cannabrava, ela é fruto da diversidade, por um lado, e dos trópicos, por outro. “A gente vive sob uma luz tropical. Se isso não altera as fotos, altera no mínimo o olhar cotidiano do artista. O ser tropical é um ser mais escandaloso, extrovertido, saturado, com sombras mais violentas”, descreve. A multiculturalidade também teria seu papel, com os múltiplos personagens, diferentes etnias e arquitetura multifacetada: “Sermos diversos nos faz, em tese, um povo com uma visão muito especial”, completa Cannabrava.
Acervo de imagens
De pioneiros a novos nomes, livros das Edições Sesc traçam panorama da produção nacional
O novo cenário da fotografia influenciou também o aumento da produção acadêmica e editorial sobre o tema, fomentando a publicação de pesquisas, traduções, antologias e coletâneas. “Além de contribuir para sua reflexão e difusão, as publicações na área de fotografia das Edições Sesc estabelecem um diálogo direto e rico com a área da programação de artes visuais do Sesc São Paulo”, observa a coordenadora editorial das Edições Sesc, Clívia Ramiro. Os livros das Edições Sesc podem adquiridos nas unidades ou no site: sescsp.org.br/loja
Geraldo de Barros: Isso
Reúne todas as vertentes da produção do artista, que se destacou como fotógrafo vanguardista e designer, mas manteve uma admirável produção de pinturas, desenhos, gravuras e fórmicas.
Carlos Moreira: São Paulo
Recém-lançado em coedição com a Editora Tempo d’Imagem, apresenta parte significativa das cinco décadas de produção do fotógrafo considerado referência.
Geração 00: A Nova Fotografia Brasileira
Organizado por Eder Chiodetto e publicado em 2013, apresenta uma amostragem do universo rico e multifacetado da produção brasileira na primeira década do século 21.
Múltiplas visões
Exposições mostram a riqueza da fotografia da atualidade
Retumbante Natureza Humanizada
Em cartaz de 28 de maio a 3 de agosto, no Sesc Pinheiros, a mostra revela uma leitura inédita da obra do fotógrafo Luiz Braga, desde a década de 1970 até hoje. Com curadoria de Diógenes Moura, Retumbante Natureza Humanizada reúne cerca de 160 retratos, experimentos e cenas da vida cotidiana.
Entre as obras expostas, há ampliações, fotografias vintage, álbuns de família, documentos, livros e objetos que fazem parte do percurso fotográfico e da história do artista, reconhecido pelo uso da cor, experimentalismo e abordagem sem precedentes da visualidade amazônica.
A paisagem da cidade
A complexidade que envolve as cidades é tema da exposição no Sesc Vitrine, galeria de rua do Sesc Santana. A cada mês, a exposição traz um fotógrafo convidado: Marcelo Greco, José Bassit, Christian Maldonado, Márcio Távora, Tuca Vieira e Lucas Lenci.
Até 16 de julho, é a vez de Tuca Vieira. “Ele paira sobre a cidade. A bordo de um helicóptero ou encarapitado em janelas, lajes ou o que mais houver que possa lhe revelar uma melhor expressão da cidade”, comenta o curador Cristiano Mascaro.
Operações fotográficas
De 1º de maio a 20 de julho, a exposição no Sesc Vila Mariana apresenta a produção de três artistas contemporâneos: Lucas Simões, Rafael Pagatini e Regina Parra. Os três desenvolvem pesquisas ligadas à apropriação e reelaboração de imagens a partir de manipulações dos códigos fotográficos, provocando transbordamentos na compreensão das especificidades dessa linguagem artística.