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Em Pauta
Políticas culturais e transformação

As políticas culturais fazem parte do projeto de desenvolvimento do país e do cidadão. Elas são um veículo de participação da comunidade que, através de suas próprias manifestações, pode deixar a platéia para se tornar protagonista da realidade social. Este Em Pauta - 500 anos traz artigos exclusivos de especialistas

Danilo Santos de Miranda
é Diretor Regional do Sesc de São Paulo

Tenho hoje a firme convicção de que não se pode, como no passado, tratar a política cultural como um conjunto uniforme de valores, intenções, objetivos e meios voltados ao incentivo da produção e à difusão da cultura. Embora toda e qualquer política cultural seja exatamente isso, ela é mais que isso e, principalmente, mais que uma. Melhor será falarmos de políticas culturais. Mesmo quando tratamos de uma única instituição cultural, pública ou privada.
Essa idéia de uma pluralidade de ações distintas decorre da opção em tratar as questões culturais a partir da noção de diversidade. Diversidade de olhares e percepções, na análise e na formulação de propostas; diversidade de aspirações, desejos e necessidades, do ponto de vista dos beneficiários de sua ação e também dos seu próprios formuladores e executores; finalmente, diversidade de possibilidades, de meios e de recursos. Noção de diversidade que renuncia a qualquer pretensão de avocar para si, ou para esta ou aquela política cultural, a posse da verdade ou mesmo a existência de uma verdade, seja ela qual for. Uma idéia que implica a renúncia a qualquer pretensão hegemônica e que advoga, isto sim, a existência, não de uma, mas de várias centralidades.
Tais políticas culturais, por constituírem conjuntos de pressupostos e de ações distintas e singulares, com matizes e identidade própria, muitas vezes chegam a contrapor-se, a chocar-se, criando entre si zonas de tensões, vazios e abismos. Mesmo no âmbito de uma única organização. Mas é assim mesmo. No plano da cultura, a topografia é plena de irregularidades, asssim como são irregulares e dissonantes seus ritmos e intensidades. A adoção de uma política cultural, por mais abrangente que seja, nunca poderia dar conta da diversidade e complexidade do fenômeno cultural. Tratar a cultura como algo claramente enunciável e que docilmente pudesse ser acomodado num plano ou política de ação, esquadrinhada, delimitada, previsível, seria subestimar seu potencial transgressor e de ruptura. Agir através de políticas culturais - várias, segmentadas - é um convite ao conflito, ao jogo das contradições. Mas é aí que pode residir a sua riqueza e a sua originalidade. Ou o seu fracasso.
Não é o caminho mais fácil. Mas é aquele pelo qual optamos na ação sociocultural empreendida pelo Sesc em São Paulo. Estou convencido de que o êxito de nosso trabalho, a sua repercussão e o seu alcance decorrem dessa visão pluralista e do convívio - difícil, mas possível - de preferências, de valores, de intenções, de métodos e técnicas diferentes.
Talvez a diversidade cultural seja a face mais visível de nossa programação, a mais eloqüente. Diversidade que vai do teatro à música, do cinema à dança, da literatura, às artes plásticas. Diversidade, ainda, de gêneros e de estilos que vão do popular ao erudito, da tradição à vanguarda, mesmo que essas fronteiras já não tenham muito sentido nos dias de hoje.
Mas não se esgota aí. Temos também uma grande diversidade de formatos, de públicos e de estilos de ação; diversidade de suportes físicos, de espaços e ambientes. Não temos dois teatros iguais, nem dois projetos iguais, ou do mesmo tamanho, mesmo que sejam sobre o mesmo tema e para o mesmo público. Tudo isso nos dá, ao mesmo tempo, várias caras. Mas nem por isso, creio, perdemos nossa identidade.
Porque no Sesc essa diversidade de ações, e seu jogo de contradições, é também algo interativo e solidário. Que começa na percepção das desigualdades, no resvalar das diferenças, que primeiro incomodam, instigam, mas que depois levam à tolerância e à compreensão. No fim, todos sempre se conectam, dialogam e agem em comum em determinados pontos estratégicos, como que formando um tecido único, ainda que composto por tessituras e tramas diferentes.

Marcos Mendonça
é Secretário de Estado da Cultura

A formação cultural, especialmente de crianças e jovens, hoje um dos segmentos mais desassistidos de nossa população, permitindo o pleno exercício de seu direito à cultura; a criação de novas platéias seja para teatros, seja para museus, seja para música; a revitalização dos equipamentos culturais (museus, teatros, oficinas, acervos) e a preservação da memória de nosso estado são as bases da política cultural que considero ideal. Por isso mesmo venho, nos últimos seis anos, concentrando os esforços e recursos da Secretaria de Estado da Cultura para que essas ações se expandam, ampliando, assim, o universo daqueles que se beneficiam do bem cultural.
Projetos bem-sucedidos, como Arquimedes e Guri, comprovam a tese da cultura como um dos principais vetores de transformação social. O agente comunitário de cultura (Arquimedes), que hoje se espalha pela periferia de São Paulo abrindo espaços para atividades culturais escolhidas pelos próprios jovens, vem obtendo resultados bastante positivos.
Isso acontece, também, com as orquestras formadas por meninos carentes, o Guri, que no núcleo da Febem chegou a reduzir em até 42% os índices de fugas de menores. É o incentivo à auto-estima e à possibilidade de vislumbrar novos caminhos, que só a cultura pode oferecer e que está mudando para melhor a vida desses meninos.
Na outra ponta, a necessidade da criação de novas platéias levou-nos a não apenas revitalizar os espaços culturais já existentes (como o caso da Pinacoteca do Estado e do Teatro São Pedro), mas verificamos, também, a necessidade de campanhas de popularização dos ingressos de teatro e de espetáculos musicais de qualidade, o que nos levou ao projeto Teatro a Um Real, que no ano passado levou mais de mil espectadores às salas de espetáculo.
Pesquisa encomendada ao Sebrae pela Secretaria de Estado da Cultura veio comprovar o acerto dessa proposta. O levantamento conclui que apenas 17% dos paulistanos foram ao teatro no último ano e a maioria deles é de classe média-alta. Isso corrobora a tese de que devemos oferecer à população espetáculos a preços populares e, principalmente, levar o teatro à periferia, o que nos permitiria a incorporação de espectadores de baixa renda, criando novas platéias.
Essas propostas, aliadas à recuperação pela cultura de regiões e imóveis históricos, revitalizando bairros e o patrimônio de nossa cidade (como aconteceu no centro velho, com o restauro da Estação Júlio Prestes e a inauguração da Sala São Paulo), permitirão que cada vez mais a cultura seja incorporada por novos segmentos de nossa população, tornando sua ação mais abrangente e efetiva.

Ricardo Ribenboim
é diretor superintendente do Instituto Itaú Cultural

Vivemos em um tempo de "ciberespaço". Se ele de fato existe, se é relevante para o grosso da humanidade a ponto de poder mudar estruturas sociais, isso ainda não se sabe.
De concreto, tem-se que apenas 5% da humanidade está "plugada" direta ou indiretamente na Internet. É pouco? Pode ser que sim, mas é praticamente todo o público que compra jornais e revistas, que mantém o mercado cultural ativo (o que, tristemente, dá uma imagem de quão precária é a situação do planeta).
E os 5% (que, em números absolutos, somam cerca de 300 milhões de pessoas) começam a, de fato, viver parte de suas vidas nesses espaços virtuais. Esse novo modo de vida suscita pelo menos duas indagações:
1. Como essa vida virtual se relaciona com a real?
2. Como garantir para essa vida uma qualidade elevada (estética, informacional)?
Tais indagações têm a ver com meios técnicos, microinformática, telefonia, cabos etc., mas também com arte, e é esse o ponto que nos interessa.
Esses 5% do planeta passam algumas horas de sua semana em sites, trocando e-mails, em salas de chat etc. Isso quer dizer que parte relevante de suas vidas, tanto no que diz respeito a trabalho como nos setores de lazer e cultura, desenvolve-se no mundo eletrônico, o que exige que o mundo real se prepare para absorver as demandas do virtual.
De nada adianta consumir cultura no mundo virtual se o mundo real não oferecer contrapartida. É interessante que se difunda música na Internet, mas isso exige que existam músicos, produção e pensamento voltados para desenvolver conteúdo para circular na rede. Nas artes visuais não é diferente: é possível criar por meio dos meios virtuais bem como "expor" na Internet mas, se não houver ateliês, exposições físicas, encontros de artistas, fomento e formação de grupos (de artistas e de público apreciador), de que serve a rede?
Esse é o pensamento que norteia parte das atividades do Itaú Cultural. Tendo iniciado suas atividades em 1987, com a pretensão de construir um grande banco de dados informatizado sobre arte brasileira, o instituto evoluiu nesse sentido, mas sem perder de vista que essa construção virtual só é boa se calçada em contrapartidas reais. Por isso, o Itaú Cultural promove atividades que visam tanto ao mapeamento da produção contemporânea brasileira nas diferentes áreas de expressão (artes visuais, cinema e vídeo, música, dança, literatura, design) como a exposição dos artistas mapeados. Essas atividades são coletivamente chamadas Programas Rumos Itaú Cultural.
A segunda indagação é respondida, em parte, como corolário da primeira: é preciso fomentar a cultura ao mesmo tempo que se desenvolvem meios novos de catalogá-la e exibi-la. De outro lado, existe a preocupação de não apenas "disponibilizar informação", uma expressão um tanto gasta e que significa pouco em termos práticos, já que não se estende a uma questão que considero central: qual a melhor linguagem para a rede?
Responder ao desafio da disponibilização de dados é, novamente, voltar-se para a produção cultural sem deixar de lado as questões didáticas, os acessos com qualidade de navegação educativa. O Itaú Cultural fomenta e desenvolve pesquisa em informação, não apenas do ponto de vista do conteúdo, o que tem sido desenvolvido em termos de linguagem multimídia e pode ser apreciado diretamente no site do instituto (www.itaucultural.org.br).
Enfim, desenvolver uma política de atuação cultural afinada com as demandas da sociedade passa, necessariamente, por uma reflexão sobre os modernos meios eletrônicos. O importante é frisar que o pensamento sobre tais meios não deve de forma alguma perder de vista o entorno cultural em que tem origem.

José Carlos Durand
é sociólogo da FGV/SP e visiting scholar da New York University

Há um nível de preocupação na administração pública de cultura em países desenvolvidos que raramente se acha no Brasil, quer se trate da União, estados ou municípios. É aquele nível em que as ações são precedidas por uma análise de prioridades e por um sentido de conseqüências que irá provocar o sistema cultural como um todo.
No Brasil, é comum os dirigentes da área (falo dos honestos e operosos) sentirem que basta promover eventos e restaurar prédios para desempenhar seu papel. Já os de países avançados acionam uma visão orgânica e prospectiva, fundamentada em investigações e levantamentos pertinentes feitos dentro do Governo ou encomendados às universidades.
Exemplos: estudos de hábitos culturais, feitos só uma vez por década, mas com firme base estatística (sem ela, são absolutamente inúteis!) e perguntas pertinentes. Por eles fica-se sabendo que percentual da população freqüenta teatros, museus, cinemas, salas de concerto, salões de baile e assim por diante. Tendo pelo menos duas dessas pesquisas feitas, será possível vislumbrar tendências, saber para onde sopram os ventos do gosto e dos estilos de vida no uso do tempo de lazer. Pois bem, a maioria dos países avançados já dispõe de quatro ou cinco dessas pesquisas, sobre cujos resultados se debruçam equipes de pesquisadores traçando cenários da demanda social por cultura, tanto dos gêneros que o Governo costuma fomentar como daqueles que vivem da receita publicitária, como o rádio e a TV.
Outro exemplo: naqueles países há estudos da população de artistas e de profissionais afins. Ou seja, sabe-se quantos escritores existem, quanto representam os direitos autorais na sua receita, onde vivem etc. Ainda que subsídios governamentais representem parte menor da renda de artistas e profissionais afins, e parte ínfima do dispêndio social com as artes, são cifras que não podem continuar desconhecidas.
Ademais, costuma ser divulgado quanto a autoridade tem para gastar com sua máquina burocrática e quanto tem para financiar projetos de terceiros. Não raro as comissões de cultura que assessoram ministérios, secretarias e demais instituições têm sua composição amplamente divulgada (o National Endowment for the Arts, dos Estados Unidos, divulga até as datas de início e término do mandato de cada conselheiro).
Quanto às prioridades, nem se fala. No Brasil, governos federal e estadual não raro se sobrepõem nos municípios das capitais, enquanto o interior fica relegado. Entre nós, a articulação entre prefeituras e estados na área cultural é insuficiente, e o pouco que se faz não é divulgado.
Superar tais lacunas de informação e análise é uma prioridade na década que começa. Uma prioridade não onerosa, diga-se de passagem, entre cujos resultados está ajudar a tornar o meio cultural mais consciente de si próprio, de suas dimensões e do alcance de seu trabalho, conseqüentemente um pouco mais protegido contra aqueles aventureiros que os azares da vida política, a cada eleição, ameaçam colocar em postos de mando e que não raro julgam poder reinventar a roda.

Aimar Labaki
é dramaturgo e participa do Movimento Arte Contra a Barbárie

Ao contrário de uma idéia atualmente hegemônica, a Cultura não se confunde com os usos e os costumes de uma comunidade. Não é folclore nem um organismo natural que, deixado livre, virará uma máquina produtora de significados e beleza.
Cultura é uma construção permanente cujos protagonistas são de um lado o povo e de outro, artistas e intelectuais. É do diálogo entre esses dois protagonistas que surge o equilíbrio, a saúde e até mesmo a sobrevivência da Cultura.
Nesse momento, estamos todos calados - povo, artistas e intelectuais.
Os intelectuais podem até estar pensando, mas não há como ouvi-los. Nas universidades, lutam contra a privatização de recursos e de valores. Na mídia, só se fazem ouvir se aceitam utilizar o vocabulário hegemônico.
O povo está calado porque luta pela sobrevivência pura e simples. E como já disse alguém, onde há luta pela sobrevivência, não há lugar para transcendência. Além disso, o povo acredita na indústria cultural. Acredita que ela pode suprir suas necessidades estéticas e espirituais. Mesmo porque ele já não consegue distinguir entre arte e entretenimento.
Para esse povo, nós que produzimos Cultura somos apenas um bando de excluídos lutando por um lugar ao sol e nossa luta não difere em nada da de outros excluídos. Somos apenas os sem-palco e devemos nos juntar aos sem-teto e aos sem-terra para reivindicar o pedaço que nos cabe nesse latifúndio. Isso quando não somos confundidos com simples pretendentes às benesses dos órgãos públicos. Micos-leões-dourados sem nenhuma importância para a sociedade, esperando viver bem, em palcos-zoológicos, graças às verbas de ONGs européias.
E será que somos mais que isso? O teatro que fazemos hoje corresponde às nossas possibilidades e às necessidades do público? Nossa forma de produzir, distribuir e apresentar nosso trabalho corresponde à realidade? Onde estão nossos interlocutores? Quem quer assistir ao teatro que fazemos?
Se chegamos à situação atual, foi graças a vários fatores.
A culpa é de um governo que privatizou os poucos recursos públicos da nossa área. A culpa é de uma mídia pouco instrumentalizada para compreender os meandros da batalha em curso entre produtores culturais e burocratas investidos da missão de livrar o Estado de seus deveres constitucionais. A culpa é dos habituais aproveitadores que esquecem o Espírito da Lei e usam apenas sua forma para se locupletar. A culpa é de uma elite que acredita que privatizando a universidade pública e os recursos para a Cultura estará garantindo um lugar para si no chiqueirinho das grandes nações. Privatizar a universidade pública significa privatizar o pensamento. Privatizar o dinheiro público da Cultura significa inviabilizar qualquer arte que não seja passível de se transformar em mercadoria. Com o fim da universidade e da arte, viveremos em plena ditadura do pensamento único.
Um dos efeitos mais nefastos do neoliberalismo é a ditadura do pensamento único. Nos países subdesenvolvidos, as elites locais, a serviço da globalização, simplesmente desqualificam qualquer interlocutor que não utilize o vocabulário ou as premissas delas. Se você já viu alguma entrevista desses governantes ou já debateu com algum dos burocratas a seu serviço sabe do que estou falando.
Um sorriso condescendente e uma falsa atenção aos nossos argumentos são imediatamente substituídos por um discurso de professor que repreende o aluno, logo à primeira discordância. Fomos infantilizados, desqualificados, emasculados.
Se muitos são os culpados, somos os responsáveis. Deixamos que o nosso ofício se transformasse em utopia, enquanto ele só existe como prática cotidiana. Deixamos que nossa atividade profissional virasse acessória e amadora. Aceitamos conversar em termos que não são os nossos - números, tabelas, porcentagens. E perdemos o diálogo com a platéia.
Queremos colocar novamente sobre os ombros uma responsabilidade que é nossa. Só a criação de paradigmas alternativos fará com que a população compreenda que não existem verdades absolutas, que a história não acabou e que política não se confunde com contabilidade.
Só criando imagens e idéias e fazendo com que a população tenha acesso a elas retomaremos a luta pela construção de uma identidade nacional. Só lutando pelo espaço público que é de direito da produção do povo desse lugar mostraremos a mentira que é a confusão entre arte e entretenimento.
A Cultura é o único instrumento eficaz para reverter o quadro de uma sociedade em que a barbárie está vencendo e, nesse ponto, a contribuição do teatro pode ser vital. Das artes dramáticas é a única que não depende de nenhum parque industrial. Cinema e televisão também são vitais. Mas no caso deles só uma guerra pode resolver. No teatro, os recursos necessários são mínimos e a técnica de guerrilha é apropriada.
O teatro pode, em curtíssimo tempo, reverter a tendência e desnudar a hegemonia. Não estou falando de um teatro político, nem de um teatro que tente substituir um pensamento único por outro. Falo de um teatro livre da censura econômica. Um teatro que chegue ao público que está ávido por esse diálogo, mas que não tem condições nem de chegar às salas, mesmo se os ingressos fossem gratuitos. Um teatro que fosse profissional, isto é, que garantisse a seus profissionais a sobrevivência digna. Um teatro que não fosse mero apêndice da indústria cultural. Um teatro que pensasse. No fundo, esse é o primeiro passo. É preciso voltar a pensar. Refazer o nosso vocabulário. Retomar o diálogo entre nós mesmos, gente de teatro. E mostrar para o público que não dependemos de recursos técnicos, de grandes fortunas, nem de condições ideais. Mas que dependemos do pensamento.
É nesse sentido que devemos encarar as duas tarefas que estamos nos propondo. As duas propostas que constam do Terceiro Manifesto do Arte Contra a Barbárie. Em primeiro lugar, vamos estar aqui mesmo, a cada quinze dias, discutindo política cultural e propondo ações concretas. Uma discussão a fundo e sem prazo para terminar que já é em si uma grande vitória.
E a segunda proposta, a ser discutida já no primeiro debate, é a criação de um Programa Permanente para Artes Cênicas, com verbas orçamentárias e gerido de forma democrática e com critérios transparentes. Garantir a produção permanente de arte significa garantir a produção do pensamento. Por isso, esse programa é importante para toda a população e não apenas para os artistas eventualmente financiados por esse mecanismo.
Um espaço para pensar. Um espaço para produzir arte e pensamento. Um espaço para que a população possa buscar a transcendência. É isso que buscamos: o espaço que é por direito do teatro.

Toninho Macedo
é presidente da Comissão Paulista de Folclore

Dentro do presente quadro da total ausência de uma política cultural no Brasil (falta, a grosso modo, um conjunto de ações programáticas visando a atingir metas e objetivos definidos), implementa-se em São Paulo um conjunto de ações que se organizaram a partir de um mote que se denominou Revelando São Paulo.
A par de uma política clara para as áreas de teatro, música, cinema e museus, a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, por meio do Departamento de Atividades Regionais da Cultura e em parceria com a Abaçaí Cultura e Arte, voltou-se para o segmento cultural popular. Fazendo um grande recorte, ela vem privilegiando as manifestações rituais e o domínio da tradicionalidade, vistos não como simples sobrevivências do passado, mas contemplando-os como resultante do aprendizado que se dá pela interação social, possuindo dinâmica própria, transformando-se, atualizando-se, de forma lenta, fora do ritmo vertiginoso das expressões massivas, não importando o nome que se lhe queira dar.
Em contraponto à equivocada afirmação de que "nossa identidade está se perdendo", músicas, danças e lendas têm sido diluídas através do tempo e estamos conseguindo mapear nesse universo uma enorme quantidade de manifestações de cultura tradicional, com respeitável diversidade e distribuição em todo o nosso estado, que causa espanto a todos.
Como não basta mapear, documentar e arquivar, temos buscado sistematizar as informações resultantes das pesquisas, dando a elas a devida divulgação, dentro e fora do estado, estimulando o intercâmbio e contribuindo para seu maior vigor.
A criação do Revelando São Paulo, considerado hoje um dos três maiores eventos da Secretaria de Cultura, também foi a melhor forma, a mais eficiente, que encontramos para fazer frente aos desvarios das "Festas de Peão", com suas envergaduras country, verdadeiras indústrias gerenciadas por poucos. É de se ressaltar que o Grande Festival da Cultura Tradicional, subtítulo da etapa do programa que acontece há quatro anos no Parque da Água Branca, é tão somente seu lado visível e espetacular. Durante todo o ano, têm sido mantidas interlocuções com municípios, estimulando a realização, ajudando a organizar e participando de encontros, fóruns regionais e seminários, oferecendo subsídios para os levantamentos locais e regionais, visando ao aprimoramento das formas de atuar localizadamente.
Os resultados dessas ações programáticas são reconhecidos e se fazem notar no grande encontro em que se transformou o Revelando São Paulo em sua etapa final, sempre com a participação de mais de cem municípios, a cada ano. Nele, os "artistas", os "sujeitos das ações", são nossos congadeiros, moçambiqueiros, foliões do Divino e de Santos Reis, são gonçaleiros e catireiros, violeiros, romeiros, cavalarianos e artesãos de várias procedências de nosso estado. É sobre eles que se ajustam os focos. E a parceria que se estabelece com as prefeituras para a sua realização tem estreitado os vínculos das administrações locais com as expressões culturais mais espontâneas de suas regiões, fazendo crescer o intercâmbio e a interação entre os grupos nas festas, fato tímido até então.
Tem-se dado atenção às "festas que o povo se dá" (Peter Burke), aquelas que se contrapõem às festas populares com interesses essencialmente consumistas, e não de participação, paralelamente ao esforço que vem sendo feito com o sistema educacional, estimulando professores e educadores a valorizar nossas/suas expressões culturais identitárias, vivas e essenciais para as comunidades em que atuam, ao contrário de muitas das práticas "pedagógicas" ou "recreativas", que só fazem reforçar e disseminar o "gosto" pelas manifestações de mercado.
Essas diretrizes têm se mostrado eficientes, devendo, entretanto, ser aprimoradas. É pouco, ainda. Mas é, sem dúvida, muitíssimo mais do que a pasta já fez pelo segmento de nossa cultura tradicional nos últimos trinta anos.