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Aborrecentes ou aborrecidos?

Nem crianças nem adultos, os jovens entre doze e dezoito anos passam por experiências próprias do desenvolvimento. Na busca por uma forma de expressão e identificação, o teatro pode contribuir colocando suas dúvidas e angústias sob os refletores

Música para adolescente é o que não falta. Independentemente do fato de se tratar de uma jogada de marketing ou não, os Raimundos atraem multidões com sua mistura de forró e rock, e bandas como a mineira Pato Fu embalam com baladas e sonzinhos tipo maneiros. Nas bancas de jornal, as publicações teens também invadiram legal. Para as meninas, especulações sobre os galãs do momento; para os garotos, revistas de música, skate e traquinagens em geral. Até os jornais tradicionais se renderam e publicam semanalmente cadernos com diagramações ousadas e linguagem descolada. Na publicidade, o adolescente foi eleito a fatia de mercado mais promissora: iogurte com atitude, creme dental afrodisíaco, loções contra espinha (e a favor da aparência perfeita) etc. etc. etc. Isso sem falar da TV. Os programas vão dos mais engajados aos mais picantes, passando por um canal feito inteirinho para eles. Tudo com muita câmera em ritmo de terremoto, apresentadores modernosos e volumes altíssimos. Pronto. O adolescente está bem representado, certo? Bem, vejamos. Além de boa parte dessas mensagens jovens só atingir um tipo específico entre os milhares de perfis revelados na adolescência, há uma área que foi deixada de lado por essa onda radical que assola o mundo moderno. Trata-se do teatro. Uma linguagem artística que ainda briga muito para falar com esse público. As produções voltadas para jovens são de número diminuto, a maioria dos textos cai no ultrapassado clichê sexo, drogas e rock'n roll, e as abordagens ainda insistem em passar uma lição de moral. Adolescente tem pavor disso. Resultado: uma geração que corre o risco de excluir o teatro de sua agenda, preferindo o cinema, o shopping ou as casas de forró. "Até que há coisas legais sendo feitas em teatro para o público adolescente", analisa Anderson do Lago Leite, bacharel em interpretação teatral pela Unicamp e especialista em trabalho com o público jovem. "Mas a maioria delas fica presa em uma única forma de olhar o adolescente. Uma certa moda que, na minha opinião, foi imposta principalmente pelo mercado publicitário." Anderson concluiu em mais de dez anos de trabalho com adolescentes que um dos erros mais recorrentes ao se lidar com essa faixa etária é tratar todos os jovens da mesma forma, como se a adolescência fosse um período que ignorasse diferenças de comportamento, preferências, regionalismos ou classe social. "Existem inúmeras realidades diferentes experimentadas pelo adolescente. E cada uma delas estimula o jovem a uma conduta. Um adolescente de classe social baixa, por exemplo, não se interessa por teatro porque não tem tempo. Ele tem de trabalhar." O professor cita como exemplo um curso de interpretação teatral que ministrou no Sesc Consolação no qual, por um lado, atraiu uma turma de 48 alunos, mas, por outro, deparou-se com os mais diferentes motivos para cada um estar lá. "Tinha uma menina que era a 'certinha'", brinca. "A mãe ia levar e buscar. Tinha outra que estava lá porque era uma oportunidade de escapar do pai para poder namorar. Ou seja, em uma classe cheia de adolescentes, havia jovens que se achavam adultos e liberados enquanto outros agiam como se estivessem na pré-escola."
Essa realidade, até certo ponto surpreendente, levou Anderson a desenvolver certas técnicas no trato com esse público, que se tornaram o fio condutor do seu trabalho. "Eu percebi que você tem de dar liberdade para o adolescente dizer o que quer e fazer as coisas se tiver vontade. Claro que não é uma liberdade anárquica, também é preciso jogar a responsabilidade nas mãos dele."

Liberdade de expressão

O Centro Cultural Elenko/KVA (aquele mesmo do forró), que também trabalha com oficina de teatro para adolescentes, segue uma filosofia parecida. "A idéia era construir um espaço de arte, principalmente de teatro e dança, para os adolescentes", explica Rosana Seligmann, uma das coordenadoras. "Eu penso sempre que se uma pessoa procurou um curso de teatro é porque ela tem vontade de dizer alguma coisa, por mais que ela não saiba disso. Acredito que o teatro é uma forma de expressão muito poderosa." Além das oficinas de teatro, o KVA também organiza um sarau em que os jovens têm a chance de levar ao palco todo tipo de manifestação artística. "Eles trazem de tudo para cá", conta Graça Cremon, responsável pelos encontros culturais. "Fazem uma cena de teatro, tocam violão ou recitam poesia." Graça emenda dizendo que a dificuldade em lidar com esse público é muito grande. Tanto da parte dos pais como da de alguns agentes culturais. "Acredito que por falta de tato para tratar com o adolescente, eles acabaram ignorando esse público." Talvez o descaso explique o prestígio conseguido pelas poucas peças teatrais que se dedicam a falar com o jovem.
Um bom exemplo é o sucesso de Confissões de Adolescente, da atriz Maria Mariana, que há alguns anos inspirou até uma série para a TV, ou, numa linha mais radical, o épico Um Certo Faroeste Caboclo, peça escrita e dirigida por Paulo Faria, inspirada em "Faroeste Caboclo", música de Renato Russo. O espetáculo, aliás, nasceu e ficou um bom tempo em cartaz no próprio KVA. O ator Beto Magnani foi um dos protagonistas da peça, vivendo o (anti-)herói João de Santo Cristo, um jovem que aos dez anos de idade sai de sua cidade determinado a ir para Brasília falar com o presidente "sobre essa gente que só faz sofrer", como cantava o líder do Legião Urbana, morto em em 1996. "Apesar de bastante alegórica, a peça dava uma porrada na platéia", conta o ator. "Ela falava de marginalidade, mas ao mesmo tempo era uma grande história de amor entre Santo Cristo e Maria Lúcia (vivida por Rosana Seligmann)". Beto conta que do palco conseguia ver a reação da platéia nos momentos mais densos da montagem. "O adolescente entrava na história. Eu duvido que depois de tudo aquilo o sujeito saísse o mesmo", conclui. A criação de um fã-clube da peça e a freqüência assídua de muitos jovens, chegando ao extremo de alguns deles até passarem a fazer parte da equipe de apoio do espetáculo, talvez responda à pergunta.

Teatro neles

"Há casos que mostram que é possível sensibilizar o adolescente a partir do teatro", afirma a diretora Débora Dubois, que desde 1988 dedica-se a montagens com temáticas adolescentes. Débora dirigiu Cuidado: Garoto Apaixonado, uma peça que falava do primeiro amor visto pela ótica de um garoto de treze anos. "Numa das apresentações, teve um garoto que me abordou e disse que tinha gostado muito. Na hora de ir embora, da janela do ônibus da escola, ele gritou a mesma coisa para mim, só que estava chorando. Esse garoto, com certeza, passou a ver o teatro com outros olhos."
Atualmente, Débora está em cartaz no teatro do Sesi, em São Paulo, com um texto de Aimar Labaki, o Pirata na Linha. Uma saga atualíssima sobre a era do computador, dos chats (salas de bate-papo na Internet) e dos hackers (piratas virtuais que são o terror das grandes empresas de compuação). "Em Pirata na Linha, assim como no Cuidado: Garoto Apaixonado e no Grogue, minhas duas peças anteriores, tomei muito cuidado com algumas coisas", explica a diretora. Seus cenários sempre evitam muitas cores para não lembrar peças infantis, mas também passam longe da madeira e da reprodução fiel do interior de casas, para não parecer teatro adulto. "As histórias se passam sempre em lugares alternativos e que criam várias possibilidades. Um espetáculo para adolescente necessita de agilidade e mistura de informações. É assim que eles vivem", diz a diretora.
Pirata na Linha segue toda essa técnica, com telas de computador iluminando o rosto dos atores e uma história de amor. No caso, entre Dinho e Lena, dois adolescentes que se conhecem pela rede de computadores. A ação se passa ao som de música alta. Ouve-se do tecno às baladas que lembram a cantora canadense Alanis Morrissete, por isso a empatia é imediata. A platéia, algumas vezes composta também por pais, interage numa boa. Ri com o engraçado Dinho e se identifica com os dramas de Lena. No palco, é tratada também a dificuldade de diálogo com os adultos, fato que fala diretamente com a maioria dos jovens dessa idade. "Muitos adolescentes acham que não são amados por seus pais", acredita Débora. "No fundo, eles sabem que dão muito trabalho nessa idade. Mas isso porque eles estão descobrindo coisas novas e muito mais interessantes do que o universo familiar no qual estavam até então."
Porém, mesmo com a comprovada escassez de produções teatrais para adolescentes, a diretora sente que ainda está por vir um boom de montagens para esse público. No mesmo sentido, o professor Anderson finaliza sugerindo cautela. "Na hora de trabalhar com adolescentes é preciso ter em mente uma questão: quem é o adolescente de hoje. Ou melhor, quem são os adolescentes brasileiros e onde eles estão."
Bem... pelo visto os jovens estão lotando as salas dos poucos teatros que hoje abrem espaço para eles. Estão na porta dos colégios esperando para serem ouvidos.

Oportunidade rara - Unidade do Sesc recebe montagens de adolescentes

Há um ano, o Sesc Santo Amaro desenvolve uma oficina de artes cênicas voltadas para os adolescentes. Os primeiros resultados desse trabalho foram colhidos com a montagem de Expresso Brasil, no encerramento do curso, em dezembro de 1999. A peça foi idealizada pelos alunos e orientada pela atriz e diretora Sandra Mantovani e pelo ator Marcelo Braga. Além disso, a unidade já se tornou um point de montagens adolescentes, cedendo espaço para o espetáculo Eu, do Grupo de Teatro Pássaro Azul. Este ano, a unidade já foi palco para as peças Limites - O Princípio da Terceira Margem do Rio e Antes Arte do Que Tarde. Todos realizados por adolescentes. Os espetáculos citados são resultado de um trabalho conduzido pelo Departamento de Cultura da Prefeitura de Itapecerica da Serra, com o apoio da iniciativa privada, através do projeto Os Barracões Culturais da Cidadania, que propõe a integração do jovem à comunidade, através das artes e do trabalho coletivo, desenvolvido em oficinas e vivências de teatro e dança. Durante os últimos três anos, esses grupos de jovens estudantes vêm lapidando não somente a sua formação cultural e artística mas, principalmente, uma coragem e disposição para novas experiências, procurando atingir novos limites e descobertas, sabendo ser este o princípio de um novo olhar sobre o seu cotidiano particular/pessoal e coletivo.