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O risco Brasil

NILZA BELLINI

Nunca se falou tanto quanto agora em competitividade, a mola propulsora que move as nações e que, nos últimos anos, passou a merecer no país as atenções do empresariado e do Estado. O fato é que não estamos bem nesse quesito, e a posição do Brasil na comparação com o resto do mundo é pouco atraente, a despeito de sua condição de sétima potência econômica. Numa lista de 14 países com características semelhantes tabulada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em 2012, ocupamos o pouco honroso 13º posto, à frente apenas da Argentina e atrás de outras nações do continente, como o Chile (7º), Colômbia (11ª) e México (12º). Em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, Renato da Fonseca, gerente executivo da Unidade de Pesquisa e Competitividade da CNI, afiançou que o baixo desempenho ajuda a explicar a perda de mercado que a indústria brasileira vem amargando dentro e fora do país, um fenômeno que, segundo diz, ganha maior realce em períodos de recessão. “A crise econômica atual afetou todo o mundo, mas se refletiu com muita intensidade sobre nossa indústria. Em momentos como esse, a competição fica mais acirrada, e é quando o país precisa demonstrar que tem força e preço para não perder mercado”, afirmou.

De acordo com pesquisa da revista britânica “The Economist” disponibilizada meses atrás, a terra do futebol e do samba ocupa apenas a 37ª posição numa lista que inclui 82 países, ranking que é liderado por Cingapura, Hong Kong e Suíça. No levantamento anterior, que tomava por base o período compreendido entre 2007 e 2011, o Brasil aparecia em 39º lugar, ou seja, subiu apenas dois postos.

Elaborado pela Economist Intelligence Unit – segundo o jornal “O Estado de S. Paulo”, que divulgou a notícia – e com validade até 2016, o ranking acentua o tamanho do desafio que o Brasil terá pela frente. A questão é que ninguém está parado: a nação presidida por Dilma Rousseff pode estar investindo em competitividade, mas boa parte dos países vem fazendo o mesmo, e muitos deles se movimentam nesse campo com maior destreza e determinação.

Uma curiosidade: o estudo mostra que o Brasil enfrenta duas sérias barreiras à competitividade – o custo da mão de obra e a elevada carga tributária. Na realidade, pode-se dizer, não são dois, mas muitos os entraves que dificultam esse avanço, e há quem afirme, desde sempre, que o maior de todos diz respeito às carências educacionais. “Elas são um grande empecilho para o desenvolvimento nacional”, diz Decio Zylbersztajn, titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). “O papel da educação na formação de capital humano é uma variável fundamental para o país crescer ao longo das próximas duas décadas”, reforça Naercio Aquino Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas (CPP) do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). “Ela aumenta a produtividade, traz crescimento econômico com justiça social e tem efeitos sensíveis nos índices de criminalidade”, ressalta ele. Quantificando a importância desse fator, o economista Paulo Vicente dos Santos Alves, professor de estratégia na Fundação Dom Cabral (FDC), diz: “A correlação entre o número de anos na escola e a renda per capita na vida adulta é de 81%”.

Um sério problema, ainda, é o analfabetismo: segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2011, divulgada em setembro de 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 8,6% dos brasileiros com 15 anos ou mais não sabem ler e escrever, totalizando 12,9 milhões de pessoas. Embora o percentual tenha diminuído em relação ao levantamento anterior, de 2009, quando era de 9,7%, a parcela de analfabetos funcionais permaneceu a mesma. Não conseguem participar de todas as atividades em que a alfabetização é necessária 20,4% dos brasileiros com mais de 15 anos.

Importação de mão de obra

A Coreia do Sul é reconhecida como o país que oferece a melhor educação pública do mundo. A reforma do ensino empreendida lá demandou 30 anos e levou os coreanos a experimentar um crescimento econômico notável, especialmente entre 1960 e 2000. Tendo isso em vista, o modelo educacional do tigre asiático sempre é apontado quando são discutidas metas de desenvolvimento. “Se há redução da taxa de desemprego no Brasil, ela não se reflete no crescimento da produtividade. O que o trabalhador coreano faz em um dia, o brasileiro demora cinco para executar. Aqui, cerca de 40% dos alunos do ensino médio não entendem o que está sendo perguntado. E esse é um problema decorrente da baixa qualidade da educação”, diz Naercio Menezes.

“Existe um senso de urgência que deriva do que é positivo. É notória a falta de pedreiros, engenheiros e analistas de sistemas. O país vive um surto de crescimento para o qual não estava preparado, tanto em termos de infraestrutura quanto de mão de obra”, afirmou Fernando Alves, sócio presidente da consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC), durante seminário na Câmara Americana de Comércio (Amcham). Alves ressaltou que vivemos a emergência da sociedade do conhecimento, onde o ativo social são pessoas e o dilema central é a educação. Além desse sensível vácuo na formação de mão de obra qualificada, segundo ele, as barreiras imigratórias impedem a contratação de tecnólogos que poderiam atender em curto prazo essa necessidade. Sabe-se, no entanto, que o governo trabalha com vistas a facilitar o ingresso no país dos estrangeiros capazes de suprir nossas deficiências na área – como fazem há tempos, por exemplo, a Austrália e o Canadá –, uma cruzada que está sendo comandada pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE). “Estimular a vinda de mão de obra especializada é um fator de promoção do crescimento econômico, de desenvolvimento tecnológico e de inserção da economia brasileira no cenário global”, afirma o titular dessa pasta, ministro Moreira Franco. Ele destaca que, no passado, os estrangeiros deram uma contribuição decisiva ao Brasil. “Em 1900, correspondiam a 7,3% da população; hoje, todavia, representam apenas 0,3%”, diz.

A importação de profissionais qualificados, porém, não resolve todos os problemas. O Brasil precisa valorizar os idosos, colocando em prática o conceito de mão de obra contingente, que permite a contratação de profissionais da terceira idade. “A falta de flexibilidade é percebida na hora de dialogar com os sindicatos. As negociações não levam em conta a produtividade e estamos contaminados por uma superestrutura sindical que, apesar das boas intenções, na prática tem exposto o trabalhador”, destaca Alves. Ele explica que vários países discutem o trabalho flexível e de idosos, por exemplo. “Na China, nossa empresa mantém milhares de profissionais como sócios aposentados que trabalham de três a quatro meses por ano. Do jeito que as coisas estão no Brasil, o desenho e a implementação de novos modelos ficam limitados”, complementa ele.

O atual paradigma de educação e de gestão de recursos humanos também compromete a inovação. Na visão de Sérgio Robles Reis de Queiroz, coordenador adjunto do setor de Pesquisa para Inovação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), as dificuldades para inovar estão relacionadas ainda com a estrutura da indústria brasileira, alicerçada em setores com pouca intensidade tecnológica, incapazes de impulsionar o desenvolvimento da cadeia de fornecedores. Ele lembra que as indústrias que investem intensivamente em tecnologia, como a eletrônica e a farmacêutica, concentraram-se em países que investem tradicionalmente em educação, como a Coreia e o Japão.

Vamos abrir um parêntese aqui: segundo Vitor Wilher, pesquisador e parceiro do Instituto Millenium (entidade que promove valores fundamentais para a prosperidade e o desenvolvimento humano e é integrada por intelectuais, empresários e acadêmicos), os motivos do atraso tecnológico do Brasil são muitos e tiveram origem no período inicial da industrialização, quando a importação de fábricas quase obsoletas – cujo melhor exemplo pode ser encontrado na indústria automobilística de décadas atrás – brindou o país com investimentos quase nulos em tecnologia e inovação. “Eis por que somos, hoje, entre todos os países em desenvolvimento, aquele com menos patentes industriais registradas”, assevera Wilher. Por essas e tantas outras, a pauta exportadora brasileira está concentrada em produtos básicos (commodities), com a consequente queda dos manufaturados, um claro sinal do mal que a falta de competitividade é capaz de fazer.

Algumas instituições se esforçam para suprir essa lacuna. A Fapesp mantém, em São Paulo, dois programas importantes: a Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) e a Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite), esta última destinada a financiar trabalhos em instituições acadêmicas ou institutos e intensificar seu relacionamento com as empresas. Institutos de pesquisa de Minas Gerais, do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul mantêm programas similares.

“Com uma canetada”

Setores em que o Brasil vai bem, como a mineração e a agroindústria, utilizam cada vez menos trabalhadores com baixa taxa de escolaridade. A migração para as grandes cidades afastou o homem do campo. A soja, o grande ícone da modernização da agricultura brasileira, que tornou o país o segundo maior exportador de alimentos do mundo e responde por mais de 60% do saldo da balança comercial, emprega cerca de 2 milhões de pessoas diretamente e igual número em funções indiretas, ou seja, menos de 2% da população.

O pesquisador Décio Gazzoni, da Embrapa Soja de Londrina, no Paraná, explica que, para atingir a atual produção, houve necessidade de muita inovação. O setor da soja construiu uma cadeia produtiva sólida e organizada, capaz de gerar negócios na fase anterior ao cultivo, incluindo o comércio de insumos agrícolas, e na fase posterior, abarcando o transporte, o armazenamento, a indústria de transformação e a exportação, fortalecendo e possibilitando a expansão de setores tangenciais, como energia e telecomunicações. Além disso, induziu a formação de cadeias em seu entorno, como as de frangos, suínos e de pecuária confinada, e agregou valor a carnes e outros itens, já que participa da composição de cerca de 500 alimentos e outros produtos não alimentares.

“Foram grandes os ganhos tecnológicos, a exemplo da correção e da adubação adequada do solo, do manejo de pragas e plantas daninhas e da integração entre lavoura, pecuária e florestas, que representa o grau máximo na escala de sustentabilidade da exploração agropecuária”, ressalta Gazzoni. Segundo ele, porém, ano após ano perdemos espaço no que respeita à produção de óleo e farinha de soja, bem como de produtos processados, devido a problemas que não são exclusivos do setor de soja, tais como caos tributário, infraestrutura deficitária e câmbio desfavorável para a exportação.

Educação e inovação, legislação trabalhista adequada e reforma tributária seriam, assim, os requisitos para um significativo impulso ao desenvolvimento. Na visão de Santos Alves, da Fundação Dom Cabral, uma reforma tributária e legal é indispensável e urgente. “O sistema é lento e os impostos altos e complexos. Porém, não existe consenso e o custo político de uma reforma ampla é impagável”, acredita. Ele salienta que a diminuição de impostos, em vários casos, se faz com uma canetada. “Para reduzir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), por exemplo, não é preciso consultar o Congresso, basta uma simples portaria ministerial. O mesmo acontece no caso dos impostos sobre importação”, diz.

Já Vitor Wilher lembra que o país não realiza uma reforma tributária desde os anos 1960, quando os dirigentes militares implantaram o Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg). Pesquisas feitas sobre a questão tributária por diferentes institutos, diz Wilher, indicam três problemas principais: carga tributária elevada, burocracia excessiva e insegurança jurídica. De todas as riquezas que o Brasil produz, 36% vão para os cofres das administrações municipais, estaduais e federal a título de tributos e impostos. No período do “milagre econômico”, de 1969 a 1973, quando o Brasil crescia 7% em média ao ano, a carga tributária era de 25% e os investimentos, de 19%. “Há um problema de gestão. Estado forte não é Estado inchado”, diz Wilher.

É custoso e difícil pagar impostos no Brasil. São mais de 60 tributos diferentes, entre municipais, estaduais e federais. O país tem a 15ª maior carga tributária do planeta e o brasileiro é o segundo no mundo no ranking dos contribuintes que mais precisam trabalhar para saldá-los, só perdendo para os suecos. A participação dos impostos no PIB do país é de 44%. Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, professor emérito da FEA- -USP e presidente do Comitê Estratégico de Economia da Amcham-São Paulo, diz que a questão da carga tributária é relativa. “Ela já é elevada para o nível de renda que temos, mas é muito mais em vista do que o governo devolve em serviços. Se tivéssemos 36% de carga e a qualidade da saúde, da educação e dos investimentos fosse perfeita, o percentual seria até baixo.”

Logística onerosa

A burocracia excessiva espelha alguns desses problemas de gestão. Os impostos são pagos em lugares diferentes e seu cálculo é complexo, o que dá margem à sonegação. “Reduzir e simplificar o pagamento garantiria maior competitividade, sem dúvida”, diz Wilher. O estudo “Sondagem Especial – Burocracia”, da CNI, mostra que o excesso de documentos e exigências prejudica a competitividade de 92% das indústrias brasileiras, eleva os custos, desvia recursos das atividades produtivas e atrapalha os investimentos. Na visão de mais da metade dos empresários (52%), o impacto da burocracia nos negócios é alto. Roberto Alvarez, gerente de assuntos internacionais da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), órgão ligado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), admite os problemas, mas festeja alguns avanços. “Somos o quinto país do mundo que mais atrai investimentos, nosso mercado interno cresceu, os recursos destinados a tecnologia têm aumentado e nosso custo de energia é bastante razoável”, observa.

O plano de concessões de rodovias e ferrovias lançado pela presidência da República em agosto de 2012, concebido para resolver o déficit na área de infraestrutura de transportes e, com isso, reduzir o custo Brasil, mostra que o governo está preocupado com a baixa competitividade do país. Não é demais destacar que o custo da logística em território brasileiro chega a 18% do valor do produto transportado, contra 6% a 8% nos Estados Unidos. Os investimentos programados somam R$ 133 bilhões, ao longo de 30 anos, sendo que R$ 79,5 bilhões serão aplicados nos próximos cinco anos. Não estão incluídos nesse montante os valores relacionados ao trem de alta velocidade de Campinas/ São Paulo para o Rio de Janeiro.

Inicialmente, o plano prevê a duplicação de 7,5 mil quilômetros de rodovias, por meio de concessões, e a construção e recuperação de 10 mil quilômetros de ferrovias, por intermédio de parcerias público-privadas (PPPs). O plano anunciado pela presidente Dilma deverá acelerar as obras e evitar atrasos como o da Ferrovia Norte-Sul, que, após ter sido planejada durante 20 anos, teve suas obras iniciadas em 1987 e ainda está longe de ser concluída.

E o que dizer dos portos, escoadouros naturais da produção brasileira rumo ao exterior? Estudo recente do Fórum Econômico Mundial classificou a qualidade da infraestrutura portuária brasileira na 130ª posição num ranking de 142 nações. O país tem 8 mil quilômetros de costa e só os portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR) apresentam capacidade para movimentar grandes volumes. Infelizmente, os avanços parece que não acompanham as reais necessidades do país na área: até agora, as obras portuárias já concluídas consumiram apenas 25% da carteira pública de R$ 5,3 bilhões prevista para o setor.

A redução do custo da energia, recentemente implementada pelo governo federal, é, segundo os empresários, outro santo remédio capaz de aumentar a competitividade. A queda na tarifa poderá diminuir em até 4% o custo fixo de produção da indústria brasileira e motivar as empresas a retomar seus projetos de investimento, segundo análise da CNI feita no fim do ano passado. Se for mantida a tendência de convergência entre as metas do governo, que se pauta pela lógica do poder, e as do setor produtivo, que se norteia pelos resultados, passo a passo o país se firmará no caminho do desenvolvimento e a competitividade, por sua vez, brotará robusta e sustentável.