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Estamos mais altos e mais gordos

Por: REGINA ABREU

Duas notícias, uma boa, outra ruim. A boa: os brasileiros estão ficando mais altos. A ruim: os brasileiros – inclusive as crianças e os adolescentes – estão ficando mais gordos. Andando na rua e observando as pessoas é fácil atestar o que estudos do Ministério da Saúde e de algumas universidades têm constatado. Um trabalho levado a cabo pelas universidades federais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, coordenado pelo professor doutor Adroaldo Gaya, mostra que a estatura das crianças bra- sileiras está cada vez mais elevada. Entre 2005 e 2010, os meninos com idade entre 7 e 14 anos ficaram 4,57 centímetros mais altos, e as meninas, 1,06 centímetro. Outra descoberta: nessa faixa etária eles superaram a altura dos americanos de idade correspondente. Aos 9 anos, o brasileiro tem, em média, 1,38 metro, e o americano, 1,35. A brasileira da mesma idade mede 1,38 metro, contra 1,34 da americana. A pesquisa, feita com 41 mil alunos de escolas públicas e particulares, revelou também que o brasileiro chega mais cedo à puberdade: em torno dos 12 anos. Porém, se por um lado estão mais altos, 16% das crianças e adolescentes estão acima do peso. Na região sul, esse índice é de 23%. As consequências do excesso de peso são conhecidas: risco de diabetes, pressão alta e doenças cardiorrespiratórias, entre outras – isso na infância, na adolescência e na vida adulta.

Alguns fatores explicam o crescimento da garotada: maior acesso à alimentação, mais tempo de aleitamento materno e maior cobertura da vacinação. “Investimentos em saneamento básico, mais e melhor educação para as mães e assistência materna patrocinam o desenvolvimento mais rápido das crianças”, explica o professor doutor Wolney Lisboa Conde, do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Uma importante contribuição para a melhoria de vida da população foi dada pela Constituição de 1988 com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), que universalizou a atenção do estado na área. Até então, segundo o Ministério da Saúde, o modelo de atendimento dividia os brasileiros em três categorias: os que podiam pagar pelos serviços médicos prestados pelas empresas privadas, os segurados pela previdência social e os que não tinham direito algum.

De acordo com dados governamentais, graças ao SUS, o número de beneficiados saltou de 30 milhões para 190 milhões. Atualmente, mesmo com todas as deficiências do sistema, 80% dos brasileiros dependem exclusivamente dele para cuidar de seu bem-estar físico e mental. Segundo o site Portal Brasil, o SUS – saudado como um dos maiores sistemas de atendimento médico público do planeta – tem 6,1 mil hospitais credenciados, 45 mil unidades de atenção primária e 30,3 mil equipes de saúde da família (ESF). “O sistema realiza, por ano, 2,8 bilhões de procedimentos ambulatoriais, 19 mil transplantes, 236 mil cirurgias cardíacas, 9,7 milhões de procedimentos de quimioterapia e radioterapia e 11 milhões de internações”, informa a mesma fonte.

A ampliação do atendimento médico, todavia, não explica tudo. Nos últimos anos, houve um aumento real do poder aquisitivo da população, além da implementação de políticas públicas voltadas para a redução da desigualdade social e a distribuição de renda, cujo efeito principal foi levar mais comida para a mesa do trabalhador.

Outras iniciativas também têm contribuído para a melhoria da saúde das crianças brasileiras. É o caso, por exemplo, da Pastoral da Criança, que implantou nas regiões mais pobres do país um conjunto de ações que ao longo dos anos colheu um resultado extraordinário. Com o envolvimento da comunidade, as crianças são pesadas e examinadas, e as mães, orientadas a respeito de noções básicas de higiene. Elas ainda recebem a multimistura, um preparado à base de farelos e casca de cereais com micronutrientes que enriquecem a alimentação e melhoram o metabolismo. Resultado: o organismo das crianças, com menos doenças, pode dirigir suas energias para seu desenvolvimento.

Criada em 1983 e hoje ativa em 20 países, a Pastoral da Criança é um organismo de ação social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que norteia seu trabalho por um conjunto de práticas educativas simples, baratas e facilmente replicáveis. “Temos por objetivo promover o desenvolvimento integral das crianças pobres, da concepção aos 6 anos de idade, em seu contexto familiar e comunitário, a partir de ações preventivas de saúde, nutrição, educação e cidadania, realizadas por 228 mil voluntários capacitados”, diz a direção da entidade.

A despeito desses avanços, de acordo com Conde, deve-se tomar cuidado com a afirmação de que as crianças brasileiras estão superando as americanas em altura. É preciso levar em conta que está ocorrendo uma verdadeira epidemia de obesidade nos Estados Unidos, o que, de acordo com alguns trabalhos, estaria levando as crianças à puberdade prematura e a uma consequente diminuição da estatura.

Luta contra a obesidade

Entre 2010 e 2011, monitoramento feito pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 26 produtos alimentícios processados apontou índices altos de sódio, suficientes para elevar a dieta do brasileiro para além do máximo recomendado, que é de 5 gramas de sal por dia – o equivalente à quantidade que cabe numa tampinha de caneta esferográfica. Estima-se que o consumo médio diário por pessoa no país seja de 12 gramas.

Como se sabe, o sal facilita a retenção de líquidos, contribuindo para a elevação do peso, além de estar relacionado a problemas como a pressão alta. Tendo isso em vista, o governo está fazendo acordos com a indústria, que se comprometeu a reduzir os percentuais de sódio em pães, bolos, maionese, macarrão instantâneo e outros produtos. isso já está sendo feito em salgadinhos de milho e batata palha, guloseimas que estão chegando ao mercado em conformidade com os teores previamente fixados para 2012.

Os derivados do leite e os embutidos são os próximos itens que entrarão nos acordos do governo com os fabricantes para a redução voluntária de sódio. A Anvisa pretende, em 2013, avaliar o cumprimento das metas estipuladas para a indústria, que já tem tecnologia para produzir alimentos mais saudáveis.

Se reduzir o sódio é trabalhar com prevenção, a cirurgia é uma maneira radical – mas às vezes a única de combater a obesidade mórbida. Desde outubro de 2012, o SUS passou a fazer esse tipo de procedimento não só em adultos, mas também em jovens maiores de 16 anos com iMC superior a 40 ou – quando associado a doenças como diabetes e hipertensão – a partir de 35.

Na rede privada, os adolescentes já eram operados há tempos, tomando-se uma série de precauções. De acordo com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, no caso dos menores a indicação de cirurgia deve estar reforçada por avaliação de equipe multiprofissional e exames pré-operatórios, como o ultrassom de abdômen total. Depois da cirurgia bariátrica é feito o procedimento médico para retirar o excesso de pele, tanto na parte frontal como na posterior do corpo, reparação agora arcada pelo SUS.

Enquanto isso, no Brasil, imita-se o costume americano de ingerir baldes de refrigerantes acompanhados de gigantescos hambúrgueres. O quarteto arroz, feijão, bife e salada, a refeição tradicional do brasileiro, está sendo substituído pelo modernoso fast food, comido às pressas, no intervalo da aula ou do trabalho, ou na condução mesmo, já que o tempo é curto.

Esse é um fato de fácil comprovação nas cidades grandes e em todas as classes sociais. Por isso, o professor Conde afirma que é puro preconceito dizer que o pobre, mesmo tendo ascendido à classe média, come mal, alimentando-se de salgadinhos, “porcarias” e “tranqueiras” a que antes não tinha acesso. O pobre come mal porque faz como os outros. Trocando em miúdos: todo mundo come mal, independentemente do poder aquisitivo.

Bombas calóricas

Da década de 1980 para cá, o mercado foi inundado por alimentos industrializados e processados. Mais do que isso, as gôndolas dos supermercados passaram a ceder espaço aos chamados alimentos ul- traprocessados, como as bolachas recheadas, o macarrão instantâneo e uma série de outros itens que representaram um tsunami de gordura, açúcar e sódio. “Esses produtos são verdadeiras bombas calóricas”, explica Conde, acrescentando que “nós, humanos, não estamos preparados fisiologicamente para ingerir esse tipo de comida. Em consequência, surgem a obesidade e as doenças que a acompanham”.

São as duas faces de uma mesma moe- da: de um lado, obesidade, de outro, desnutrição. De acordo com o Ministério da Saúde, o déficit de altura nas meninas com menos de 5 anos, um dos principais indicadores de desnutrição, caiu 85% de 1974 a 2007. Já entre os meninos, a redução foi de 77% no mesmo período. Caso o Brasil mantenha o ritmo apresentado, a desnutrição, reconhecidamente um problema de saúde pública, será praticamente nula daqui a 10 ou 15 anos.

A análise sobre a redução no déficit de altura mostra que as crianças brasileiras estão cada vez mais próximas do padrão internacional fixado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), estabelecido a partir das medidas antropométricas (peso e altura) de meninos e meninas sadios. Dados da “Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher”, do Ministério da Saúde, indicam que a desnutrição, que em 1996 atingia 13,4% das crianças com menos de 5 anos, caiu para 6,7% em 2006, um recuo de 50%. O estu- do “Saúde Brasil 2008”, da mesma pasta, demonstra ainda que os ganhos em altura ocorrem nos adolescentes de 10 a 19 anos. Nessa faixa etária, a redução do déficit foi de 70%, aproximadamente, de 1974 a 2003.

Os avanços são observados também na população adulta. O estudo comprova que, de maneira geral, o brasileiro está mais alto. As mulheres ganharam 3,3 centímetros em 14 anos. Elas cresceram quase duas vezes mais que os homens, passando de uma média de 1,55 metro em 1989 para 1,58 metro em 2003. Nesse período eles avançaram 1,9 centímetro na altura e chegaram a uma média de 1,70 metro, contra 1,68 em 1989. Entretanto, mesmo com esse ganho entre os adultos, ainda se está abaixo do padrão mundial usado como referência.

Modelo de prato saudável

Um programa de alimentação saudável, lúdico e de fácil compreensão, foi lançado em São Paulo pelo instituto do Coração (incor), do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), na estação Sé do metrô, em outubro do ano passado. Denominado “Meu Prato Saudável”, o projeto tem por objetivo ensinar as pessoas a se alimentar melhor e com porções de tamanho ideal. Adotando os mesmos alimentos que frequentam diariamente a mesa do brasileiro, uma parcela do “prato saudável” é constituída por salada e verduras e um outro tanto por carboidratos (arroz, batata ou massas) e proteínas animais (carne, frango ou peixe) e vegetais (feijão, lentilha etc.).

Por ocasião do lançamento, os usuários do metrô usaram joguinhos em tablets para montar o prato e receberam cartilhas com receitas. Além disso, réplicas de alimentos em resina foram utilizadas por nutricionistas para ilustrar o tamanho recomendado das porções. A estratégia de divulgação inclui também um site (www.meupratosaudavel. com.br), aplicativos para celular e uso de redes sociais. O projeto deve ser expandido para todo o país, começando por Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Outro programa parecido é dirigido a crianças de até 12 anos e deverá ser levado às escolas por meio de uma parceria com a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo.

É claro que, quando a renda dos pais é superior, as crianças se alimentam melhor e, portanto, têm mais saúde, conquista que se reflete na altura. Prova disso são os dados da “Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008/2009 – Antropometria e Estado Nutricional de Crianças, Adolescentes e Adultos no Brasil”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com o estudo, enquanto 8,2% das crianças com menos de 5 anos apresentam déficit de crescimento na classe populacional de menor renda, na classe mais rica esse índice cai para 3,1%. Por outro lado, ainda segundo o mesmo levantamento, a maior prevalência de déficit de altura está na região norte do Brasil (8,5%), a menor na região sul (3,9%) e índices próximos à média nacional no nordeste (5,9%), no sudeste (6,1%) e no centro-oeste (6,1%). A pesquisa não apontou diferenças entre as populações das zonas rurais e urbanas.

O estudo “Saúde Brasil 2008” mostra que, apesar de estar ficando obeso, o brasileiro ainda se encontra, na maior parte dos casos, próximo ao peso ideal, com IMC de 25. Explicando melhor, IMC é o índice de massa corporal, calculado da seguinte maneira: o peso, em quilos, dividido pela altura ao quadrado. O sobrepeso é caracterizado quando o IMC ultrapassa aquele valor, e a obesidade, quando o índice fica acima de 30. Infelizmente, o excesso de peso já atinge uma parcela significativa da população: 43,3% das pessoas com mais de 18 anos e que vivem nas capitais estão com sobrepeso. Por isso, alguns cuidados precisam ser tomados para evitar que a tendência ao sobrepeso e à obesidade se acentue. E isso já começou a ser feito (ver boxes às págs. 30 e 31).

Monitoramento

O fantasma da obesidade vem rondando a todos, mas assombra principalmente os jovens do sexo masculino. O “Saúde Brasil 2008” aponta ainda um aumento na relação entre peso e altura, e a tendência nesse caso é maior entre os meninos de 10 a 19 anos. Esse grupo apresentou o maior risco de obesidade, com uma elevação de 82,2% do IMC num período de 29 anos – uma situação preocupante. Já entre as meninas de 10 a 19 anos, o aumento do IMC foi de 70,3%. No caso delas, há uma tendência à estabilidade, em índices próximos do padrão de referência. Também há diferenças entre os dois sexos na idade adulta. Enquanto o risco de obesidade dos homens cresceu constantemente de 1983 para cá, as mulheres mantiveram o índice estável nos últimos 15 anos. Existe uma explicação para essa “brecada” no acréscimo de peso, mais nítida nas mulheres com maior escolaridade e renda: elas se preocupam com o corpo e com a saúde mais que os homens. Além disso, como houve um aumento importante na altura, obviamente o IMC ficou adequado.

O estudo dos indicadores de saúde tem permitido a criação de horizontes normativos em saúde pública, isto é, a definição objetiva de situações desejáveis que podem ser atingidas pela popula- ção. Segundo o professor doutor Daniel Garlipp, que trabalhou em conjunto com o professor Adroaldo Gaya na pesquisa que retratou o aumento da estatura das crianças brasileiras, a investigação da altura nas diferentes faixas de idade é considerada atualmente uma importante alternativa, no monitoramento de mudanças nos padrões econômicos, de saúde e de nutrição, comparada aos indicadores essencialmente monetários.

Garlipp também acredita que as mudanças ocorridas a cada geração estão associadas a variações da situação ambiental: melhorias nas condições sanitárias, econômicas e sociais, combinadas aos fatores mais importantes que influenciam o crescimento, quais sejam, a nutrição e a ausência de doenças. No Brasil ainda há poucas pesquisas a esse respeito, mas o fenômeno vem sendo estudado mundialmente nos últimos 150 anos.

“Na Europa, o acompanhamento do aumento na estatura data do século 19”, relata a doutora Angela Maria Spínola e Castro, professora adjunta da Escola de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde é responsável pelo Setor de Endocrinologia do Departamento de Pediatria. Ela diz que os europeus mais altos são os holandeses, com média masculina de 1,80 metro. Já os portugueses ostentam a menor média do continente, com 1,70 metro. Angela, todavia, faz uma observação importante: a pesquisa holandesa considerou apenas habitantes com pais e avós nativos, excluindo fatores genéticos externos.

Já no Brasil é impossível acreditar em “média” do ponto de vista genético, considerando que o país é formado por uma mistura de raças e de povos de todos os quadrantes. Sendo assim, na opinião da médica, devem ser levados em conta apenas os fatores ambientais, descartando completamente os de ordem genética – pelo menos pelas próximas duas gerações. Ao Departamento de Pediatria da Unifesp chegam crianças de todo o país e até do exterior. Baseada em sua experiência, Angela comprova que o perfil dos pacientes e das pessoas em geral mudou muito, graças às melhores condições de vida.