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Renovando o Turismo
Moacyr Scliar*
Há um antigo filme norte-americano, uma comédia sem maiores pretensões, que tem contudo um título absolutamente fantástico: If It’s Tuesday, This Must Be Belgium. Descreve uma speed tour, aquelas viagens de turismo que têm como objetivo mostrar às pessoas um máximo de coisas num mínimo de tempo: tirada a foto, vamos em frente, para a próxima atração. Resultado: lá pelas tantas os turistas nem sabem mais onde, exatamente, estão. E aí, “Se hoje é terça-feira, isto deve ser a Bélgica. Rápido, onde está a câmera?”
Viajar corresponde a uma aspiração do ser humano, explicando o fascínio despertado por obras como “As viagens de Marco Polo”. O relato das andanças do famoso aventureiro do século treze teve incontáveis edições e incendiou a imaginação de muita gente e estabeleceu um modelo para um tipo de literatura que sempre fez sucesso com os leitores; o norte-americano Paul Theroux, por exemplo, é muito conhecido pelos livros em que narra suas visitas a vários países. No passado, viajar era coisa para uns poucos aventureiros e/ou milionários, mas, com o tempo, tornou-se acessível a muitas pessoas, sobretudo de classe média. O hábito da viagem foi se generalizando e se diversificando. Os turistas tinham, e têm, objetivos diversos. Existem aqueles que vão em busca da beleza natural, como é o caso das cataratas do Iguaçu. Existem os que querem ver monumentais construções do passado, como a muralha da China. Ou obras arquitetônicas como a catedral de Notre Dame. Ou a arte: os quadros e as esculturas que nos são mostrados nos museus de todo o mundo.
Tudo isso vale a pena. Mas se o objetivo do turismo é conhecer aquilo que para nós é novo, que não faz parte da experiência cotidiana, por que não renovar a própria maneira de fazer turismo? Por que não proporcionar às pessoas experiências que as surpreendam e que, ao mesmo tempo, representem um marco em suas vidas? Esta é a proposta do SESC para o próximo Dia Mundial do Turismo, comemorado no dia 27 de setembro. Este ano, as comemorações deverão destacar o papel do turismo na sociobiodiversidade brasileira.
Biodiversidade é uma palavra-chave num mundo que enfrenta graves problemas ambientais e no qual a extinção de espécies tanto animais como vegetais têm sido a regra, como decorrência de uma relação predadora de seres humanos com a natureza. Árvores são derrubadas ou queimadas, espécies animais são extintas, ecossistemas são destruídos. E o resultado aparece todos os dias no noticiário: o aquecimento global, as catástrofes ambientais.
O Brasil possui cerca de um quinto da biodiversidade do planeta: cerca de 5 mil espécies de vertebrados, cerca de 50 mil espécies de plantas, milhões de espécies de insetos. Uma natureza exuberante com um verdadeiro caleidoscópio de paisagens e de biomas: a Amazônia, o Cerrado, o Pantanal, a Caatinga, a Mata Atlântica, a Zona Costeira Marinha, o Pampa... Um patrimônio do país e da humanidade. Pode-se dizer que o futuro de nosso planeta depende, em grande parte, da capacidade de nossa gente de manter esta biodiversidade. Uma enorme responsabilidade, portanto, para a qual precisamos nos preparar, adquirindo consciência do problema e do que devemos fazer a respeito. A questão da diversidade não se esgota apenas no plano biológico, natural. Existe também a diversidade sociocultural, igualmente importante. No Brasil a sociodiversidade resulta da existência de mais de 200 povos indígenas, de inúmeras comunidades tradicionais (quilombolas, extrativistas, agricultores familiares, pescadores), sem falar nos grupos étnicos como aqueles que se formaram em regiões de colonização. São pessoas que têm vivências diferentes, mas partilham conosco o mesmo país e a mesma fundamental condição humana.
A relação do turismo com a sociobiodiversidade pode ser muito importante por causa do chamado turismo de natureza, que engloba ecoturismo, turismo de aventura, turismo educacional ao ar livre, isto sem falar no turismo rural, realizado em fazendas em cujas atividades os turistas participam. Um precursor nesta área foi o norte-americano Henry David Thoreau(1817-1862), poeta, historiador, filósofo e naturalista que, aos 27 anos, foi morar no meio da floresta, às margens do lago Walden. Ali construiu uma cabana e ali passou a viver, produzindo seu próprio alimento. Estava em busca, segundo suas palavras, “dos fatos essenciais da existência”, para que, quando morresse, não chegasse à conclusão de que “não tinha vivido”. Baseado em sua experiência escreveu “Walden; ou, A vida nos Bosques”, obra que fez extraordinário sucesso e que se tornou uma verdadeira referência no pensamento ecológico.
O turismo da natureza está em rápida expansão no mundo todo, o que é uma excelente notícia, mas que, ao mesmo tempo, traz certa preocupação. É preciso reconhecer que existe um tipo de turista capaz de causar graves danos naturais. São aquelas pessoas que, acampando espalham lixo pelo campo, poluem os cursos d’água; que destroem espécimes vegetais e animais; e que podem causar incêndios acidentais ou mesmo criminosos, capazes de destruir enormes extensões de mata nativa. Da mesma maneira existem pessoas que não respeitam os costumes das comunidades que visitam. Portanto, faz-se necessário um processo educativo capaz de mudar o próprio conceito de turismo, transformando-o numa atividade capaz de conectar aquele que a pratica com a natureza e com outros seres humanos. Neste sentido, a iniciativa do SESC é altamente oportuna e inteligente: se fazer turismo significa mudar de cenário, de modo de vida, se fazer turismo significa experimentar coisas novas, por que não começar esse processo de mudança em nosso próprio ser? Viajar não é só percorrer novos caminhos, novas trilhas; há também uma viagem interior, na qual podemos descobrir novos e insuspeitados valores dentro de nós mesmos. Para descobrir um novo mundo, Colombo precisou cruzar o oceano em precárias caravelas. Nós podemos fazer esta descoberta de maneira bem mais simples. Tudo o que precisamos fazer é dar o primeiro passo nesse novo caminho, um caminho que nos proporcionará surpresas, alegrias, e que certamente nos conduzirá a um Brasil melhor, a um mundo melhor.
*Moacyr Scliar é escritor. Autor de “Manual da Paixão Solitária” e “Histórias que os Jornais Não Contam”, entre outros