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O discurso do sujeito: idosos, em São Paulo, ano 2009
Introdução
Em diferentes regiões do planeta, sobretudo a partir dos anos 2000, surgem questões sobre como interpretar a parcela crescente de indivíduos longevos (REBOUÇAS e PEREIRA, 2008). Características individuais geram adaptações levando a distintas formas de viver essa etapa da vida. Proliferam-se publicações reconhecendo a necessidade de novos paradigmas para compreender esses grupamentos compostos de pessoas cada vez mais velhas (BARRETO et al., 2006; BUSSE et al., 2010).
Sendo assim, não parece viável abordar o fenômeno do envelhecimento de hábitos fornecem detalhes e partes do todo. Impõe-se análise molar, com divisão em segmentos; representações estáticas traçando linhas; ao mesmo tempo em que se fazem interpretações moleculares, de devires, de virtualidades (BAUM, 2004).
O número de brasileiros mais velhos também cresceu nas últimas décadas (IBGE, 2011). Portanto, o conteúdo referido anteriormente, ao mesmo tempo, influencia a vida dos habitantes do país. Como exemplo, pode-se mencionar o debate sobre dados revelando quanto a aposentadoria dos idosos repercute nos gastos públicos; em contrapartida, a educação dos jovens não encontra forma adequada de financiamento, sugerindo que o tema acaba inspirando ponderações que envolvem reflexões englobando pessoas de todas as cidades (CAMARGO, 2004).
A agenda de debates sobre a inserção da velhice comporta temas sobre gênero, faixas etárias, doenças, assim como outros detalhes. Compreender o quadro a ser traçado pressupõe considerar padrões nunca dantes vistos (RAMOS, 2003). O conjunto resultante torna-se um dos desafios do mundo contemporâneo e exigirá soluções que distinguem cada sujeito, cada família, mas também abarca questões comunitárias e populacionais (MENDES et al., 2005).
O trabalho aqui apresentado se insere neste contexto e se fundamenta em reflexões surgidas diante de fragmentos de discursos livres de idosos dos anos 2000, moradores do Sudeste brasileiro, com nítida influência da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em especial do Hospital São Paulo, que presta assistência à saúde aos residentes dos arredores.
O objetivo será sugerir aspectos das condições de vida dos sujeitos que envelhecem em centros urbanos, no século XXI, apontando possíveis repercussões no traçado de seu perfil.
DESENVOLVIMENTO
Estudo qualitativo realizado por meio de entrevistas semiestruturadas (MINAYO, 2007). O texto contém informações colhidas no curso de pesquisa multicêntrica na qual foi validado questionário sobre atividades diárias e constava de etapas quantitativa e qualitativa, sendo que somente a última será alvo desta publicação.
Foram realizadas 102 visitas domiciliares em pessoas com 60 anos e mais de idade, de ambos os sexos, moradoras da Vila Clementino, em São Paulo, capital, no ano 2009, de julho a outubro, após marcação de horário realizada por funcionário credenciado da Unifesp. A quantidade de indivíduos foi definida por ocasião da validação e sorteada para representar o bairro e os tipos com independência completa, parcial ou nula em atividades diárias.
A técnica de escuta em profundidade e sondagem foi realizada (MALINOWSKI, 1944). A abordagem foi conduzida de forma aberta, sem limitação de expressão, nem de tempo, utilizando roteiro sobre atividades diárias, mas visando ao subjetivo, partindo de perguntas do tipo: “Como anda a vida? O que faz no dia a dia? Quais seus sonhos e planos?”. A cada resposta, o entrevistador introduzia dúvida sobre a realização de uma a uma das 20 atividades que compunham o roteiro. As sessões duraram entre uma e duas horas. O discurso detalhado foi obtido, transcrito e analisado. A análise foi conduzida empiricamente e interpretou o pensamento enunciado, despercebido, mas vazado na fala. As lógicas empregadas no cotidiano, em termos de capacidade, de gestos e ações, permitiram selecionar expressões que exemplificam categorias.
Respostas de idosos sobre a vida diária foram comparadas com observações de profissionais de saúde, no entanto os detalhes não serão enfocados. Aqui são apontadas categorias de pensamento reveladas por idosos durante as entrevistas, relacionando-as com seu entorno significativo. A interpretação dos achados também pressupõe características da pesquisadora que realizou a leitura, ou seja, pessoa feminina, com cinco décadas vividas, médica, especialista na área gerontológica e com formação psicanalítica, além de inserção no campo da saúde coletiva.
Achados
A centena de idosos, metade de cada gênero, a maioria casada, distribuída em três tipos funcionais e com idades variando entre 60 e 95 anos, apresentava características que reproduzem a seleção intencional dos coordenadores da pesquisa que desejavam analisar este tipo de pessoas. A partir do vigésimo entrevistado os discursos se repetiam: de cunho religioso; poliqueixosos; impregnados de morte e com demandas assistenciais não atendidas.
Quando idades e tipos funcionais foram exauridos, considerou-se ter atingido a saturação. No entanto, o total prefixado pela etapa quantitativa do estudo não permitia que fossem finalizadas as visitas na trigésima entrevista, forçando os entrevistadores a atingir uma centena delas. E, para surpresa dos pesquisadores, da terceira dezena em diante de encontros apareceram novos perfis: em todas as idades e tipos funcionais surgiram sujeitos com caracterizações inusitadas
Nos primeiros achados, de forma geral, foi percebida falta de coerência quando a autoavaliação do idoso era confrontada com opinião de outras pessoas no domicílio. Perceberam-se respostas incongruentes, rotinas sociais que exigem aptidões físicas sendo realizadas por diferentes membros da família em contraste com a autodescrição dos idosos, referindo-se autônomos e independentes, mostrando incoerência entre opiniões sobre afazeres da vida diária.
Quando o idoso recebia assistência médica da Unifesp, foi constante que descartassem antigos conceitos e se referissem à experiência da doença, usando ideias objetivas, expressas por meio de termos técnicos como se repetissem um script ouvido em atendimentos recebidos do serviço das vizinhanças. As falas mostraram-se superficiais, refletindo algum nível de impregnação de ideias oriundas de profissionais de saúde. Nesses casos raramente o indivíduo conseguia falar sobre a situação de forma espontânea e com fundamentos próprios. Mas estes se revelavam capazes de facilmente socializar-se com entrevistadores, sendo muito colaborativos. A impressão sugere que, nesses casos, o envelhecimento e a doença são usados e contribuem para preencher o tempo livre com exames e consultas, entre outros procedimentos afins.
Foram identificados idosos que parecem transformar a entrevista em situação social. Outros falam sobre o passado demoradamente, como se fosse testemunho sobre si mesmo. Outra categoria forneceu informações sobre sua condição atual de forma voluntária, mas canalizou posturas com tipologias estreitas e respostas que vão desde chavões até a tentativa de manipular opiniões à deriva do capricho e abreviar o término da conversa. Os idosos que permanecem fiéis aos hábitos de vida e socialização, e por isso apresentam-se aparentemente mais espontâneos e sem expressões- clichês, mostraram-se propensos a não revelar sobre suas dificuldades relacionadas às condições atuais, negando categoricamente e possivelmente até escondendo sintomas. Com relação aos depoimentos que continham sonhos e projetos, quando direcionados a relacionar também itens da saúde física, em alguma instância aparecem termos técnicos, tipologias estreitas e, de forma contundente, negativas de deficiências cotidianas.
A seguir são apresentados fragmentos de discursos selecionados intencionalmente pela autora deste texto para exemplificar a discussão. Não há interesse em esgotar os achados do estudo e sim substanciar reflexões, inclusive relacionadas à técnica de coleta de dados sobre a vida diária das pessoas estudadas.
Primeiros achados: os “velhos-velhos” reproduzindo frases feitas.
- De cunho religioso -
“Perder minha esposa não foi alegre, mas sou cristão, sei para onde ela foi e que tudo está no controle de Deus” (Sr. JCS, 76 anos).
- Poliqueixosos -
“Não aceito a solidão, porque nunca fui sozinha. Choro, choro porque dependo de todos e me revolto. Hoje não sou mulher para descer meia dúzia de escadas” (Sra. JN, 79 anos).
- Impregnados de morte -
“Antes estava aceso, agora sinto dor na alma. Uma droga.” (Sr. EJF, 81 anos).
- Com demandas assistenciais -
“A gente cuida dos outros e esquece-se de si. Alguém cobrando, a gente acaba se cuidando. Fiquei em função da família. Estou ficando doente, digamos, com as coisas fora do normal” (Sra. ZS, 63 anos).
Fundamento teórico: os tipos encontrados até a segunda dezena de entrevistas podem ser interpretados sob o viés que admite a religião, a família e outros fatores sociais influenciados pelo biológico, já que “a experiência corporal é uma constante da condição social do homem” (LE BRETON, 2007).
Achados originais: os “novos-velhos” produzindo figuras inéditas.
- Da modernidade tardia -
“Estou aposentado, mas tenho uma vida muito agitada. Sou viageiro. Vou levando minha vida em ondas, minha vida é econômica. Eu invisto na minha felicidade, pinto a minha Kombi, me fantasio e vou pelo mundo vendendo minha atuação para fazer propaganda. Não sou casado, só tenho namoradas” (Sr. CAV, 64 anos).
“Quero ter tempo para mim, desejo ler, ir ao teatro, ir a Vinhedo. Gosto de dançar, namorar, paquerar e até ficar. Tenho vida bem ativa, não mais porque também gosto de ficar comigo. Quando era moça, era moça velha. Agora sou velha moça. A minha geração vivia para fazer o que o mundo queria. Hoje fazemos o inverso: descobrimo-nos” (Sra. NAB, 78 anos).
- Da atividade sem idade -
“Toda minha vida foi de desafios, não gosto de rotina. Gosto de andar, faço academia, tenho muitos amigos. Comecei a falar de mim. Tive coragem de escrever de mim. Vou lançar o terceiro livro. Eu preciso estar criando, me sinto útil. A vida é conquistar. Quem não sonha não vive” (Sr. SGPV, 68 anos).
“Estou bem dentro do mundo, sou atualizada. Tenho caixinhas no cérebro, sei separar as coisas, isso me permite aguentar. Não guardo rancor, sou otimista” (Sra. CMLP, 73 anos).
- Do novo mercado de trabalho -
“Ociosidade! Não aguento isso. Trabalho há oito anos para uma advogada fazendo serviços de rua. Vou a bancos, cartórios e tudo que ela precisa; uso meu passe e não pego fila, ganho pouco, mas me divirto de office-old” (Sr. APC, 78 anos).
Fundamento teórico: as falas desses novos idosos revelam reações e pensamentos sobre a velhice sentida. Este marco significativo aponta para a manutenção dos planos e sonhos de sentir-se ativo para continuar a viver, a despeito das condições naturais. Considerando esta perspectiva, fica também evidente que o contexto social impacta os sujeitos e imprime em seus corpos a maneira de ser e estar, permitindo vivência diversificada por parte dos indivíduos, invertendo o que era de se esperar, o determinismo dos corpos sobre o ser (BOURDIEU, 1999).
Reflexões:
Em uma perspectiva crítica, a argumentação que segue pode ser introduzida por meio do recorte proposto por Foucault (1972), quando sugere a existência dos pouco, médio ou muito loucos, o que inclui a todos, e desmascara a “marginalização ou exclusão” da loucura. E, sob este ponto de vista, o envelhecimento também revela a todos como pouco, médio ou muito velhos.
Este texto trata, em especial, da condição de indivíduos mais velhos, também chamados idosos. O grupo em questão caracteriza-se por ter maior tempo vivido e por isso vem sendo tratado como diferente, e até “moribundo” (ELIAS, 1982). A alusão às ideias sobre a loucura, em Foucault (1972), visa reforçar características presentes em todos, mas que são mais bem consideradas no outro, sem esforço de aproximação pessoal. De forma geral, a velhice constitui-se em exemplo de situação que ocorre com todo ser humano, no entanto algumas vezes pode ser vivenciada com inabilidade subjetiva, causando negação ao enfrentamento, assim como dificuldade de buscar novas perspectivas diante da sua inexorável constatação (VERAS, 2006).
Os resultados deste estudo contêm fragmentos de discursos que revelam idosos no padrão de “excluídos” (ELIAS, 1982). Eles repetem falas monótonas, sem contestação, sucumbindo, chorando e chorando, reclamando e reclamando da chatice de envelhecer. Para estes, a constituição do sujeito velho, participante social, aparece como quimera. Os achados descritos permitem distinguir essas pessoas. Cabe comentar que a aspiração máxima, nestes casos, sugere concentrar-se na rotina diária. Nada mais. Sobreviver cada dia constitui o ápice e detém o prazer.
As pessoas que têm a vida fixada na realização das atividades da vida diária repetem modelo conhecido (ELIAS, 1982). A forma como elas falam sobre tomar banho, pentear o cabelo ou ir à esquina adquire valor de plenitude ou fracasso total. Essas pessoas vivem para isso e respondem a isso com tensão que compromete uma possível veracidade cartesiana da informação. O sentido de realização como sujeitos torna-se restrito ao universo de atividades cotidianas que significa viver ou morrer para estes “velhos-velhos”. Quando essas pessoas se referem a uma atividade parece que estão dizendo: “não consigo, estou fracassado!”; “dependo dos outros, estou morto” ou mesmo “consigo fazer; sou forte”; “sou autônomo e sinto-me livre”.
Sob o ponto de vista dos sujeitos que compõem as comunidades dos anos 2000, portanto, pode-se distinguir nitidamente um primeiro tipo de discurso relacionado ao envelhecimento. E esses indivíduos, quando acabam por depender de ajuda para viver, curvam-se, entregam-se à incapacidade e definem a velhice como “espaço perto da morte” (ELIAS, 1982).
No entanto, o envelhecimento populacional, realidade crescente em diferentes áreas do planeta, como já mencionado na introdução deste texto, insere-se nos anos 2000 também com novidades. Os dados estatísticos de acompanhamento de coortes revelam que as populações de idosos estão se apresentando com menor proporção de doenças crônicas e de incapacidades (CHRISTENSEN et al., 2007). Tem sido possível envelhecer mais e melhor nos anos 2000, diferentemente do que ocorria em anos anteriores, apesar dos constantes desafios ainda presentes no campo da saúde pública (WALLERSTEIN et al., 2011).
E neste contexto foram selecionados fragmentos de discurso, ao mesmo tempo confirmando achados mundiais (LIMA et al., 2008). Os enfoques das falas podem caracterizar novos tempos. Os sujeitos escutados apresentaram novas figuras, novos conteúdos. Esses “novos-velhos” fazem coisas inusitadas, namoram assumidamente, usam até termos como “ficar”, provavelmente admitindo relacionamentos pouco duradouros, comuns na atualidade. Encontram-se idosos que se denominam de “viageiros” e se permitem fazer atuações transvestidos; outros trabalham de formas inovadoras criando a figura dos “office-old” e se divertem com isso.
Este grupo de idosos referido em parágrafo anterior não revela atenção voltada para atividades da vida diária. Simplesmente as realizam. Sua fala se direciona para polos distantes. A constituição destes sujeitos aparece com sentido diverso, atemporal e aproximado do que vem sendo tratado por projetos de todas as gerações e, portanto, “intergeracionais” (FERRIGNO, 2010). Essas pessoas demandam trabalhar, ganhar dinheiro, pagar as contas, viajar, namorar, fazer farra, além de participar de grupos de pessoas de diferentes idades. O conteúdo escutado sugere que amam, brigam, sofrem, choram, riem e se divertem. Os significantes empregados fazem conexão com anseios presentes em distintas comunidades, de rendas desiguais. Suspeita-se de movimento que empuxa o envelhecimento para fora de barreiras de uma idade específica, ou de um grupo hermético, excluído (FERRIGNO, 2010).
O aumento do número de pessoas mais velhas presentes em diferentes locais tem sido marcante (LIMA et al., 2008). Os indivíduos com mais idade do passado, que se apresentavam como conselheiros, patriarcas ou matriarcas e detinham o poder em espaços privados ou mesmo eram marginalizados, vêm sendo substituídos pela maciça participação de idosos na comunidade, repercutindo na vida pessoal, nas instituições, no espaço público e nas questões políticas. Uma comunidade de todas as idades vem dividindo diferentes dimensões, na família, no trabalho e no divertimento. Lembrando que a velhice de hoje foi a juventude de cerca de 30 anos atrás, o que, no caso das primeiras décadas dos anos 2000 no Brasil, significa que foram jovens em períodos de intensa contestação, como as décadas de 1960 e 1970, quando barreiras sociais foram rompidas, amplamente. Alguns deles protagonizaram o movimento hippie, a emancipação feminina, as roturas políticas, com diversas maneiras de engajamentos (LIMA et al., 2008).
E, finalmente, ao revelar a incorporação das novas culturas, diante de evidências de intercâmbio sofrido pela linguagem, desvenda-se no século XXI uma provável marca de mudanças a serem mais bem constatadas no futuro perfil deste grupo de pessoas mais velhas (LIMA et al., 2008).
As formas de expressão, aqui mencionadas, podem inspirar hipóteses de existência de mistura de arquétipos e diferentes formatos de encarar a velhice na atualidade, o que permite suspeitar que, como na loucura em Foucault (1972), tornar-se-á plausível falar de uma heterogeneidade de apresentação do envelhecimento existente e reconhecível em todas as idades e em todas as pessoas.
Considerações Finais
Destaca-se neste estudo a diversidade de tipos encontrados, reforçando a existência de distintas atitudes diante da “velhice”. Foram citadas frases denotando queixas e posturas do tipo “autocomiseração”.Pretendeu-se evidenciar que envelhecer no século XXI mantém a conotação da inexorável constatação da finitude e, portanto, da morte (ELIAS, 1982). Para exemplificar foram usadas, nesses casos, as falas dos que reclamam sobre mazelas do corpo ou se restringem a tarefas habituais para sentirem-se plenos. E entre estes se mantêm os que tentam esconder o medo de incapacidades, repetindo chavões. Não se trata de fazer diagnóstico da doença que pode ser evidenciada na situação, pretende-se apenas evidenciar o conteúdo expresso pelas pessoas.
No entanto, há de se considerar o surgimento de posturas que surpreenderam aos jovens entrevistadores e, portanto, foram consideradas originais e com tendência “intergeracional” (FERRIGNO, 2010). Já são encontrados idosos comemorando não ter morrido e permutando termos usados por pessoas de distintas idades, ao tempo em que ficam cada vez mais velhos. As falas usadas foram daqueles que, independente da situação dos corpos, mantêm atitudes inventivas, reveladoras de criatividade presente no envelhecimento.
Mais uma vez não se trata de identificar mecanismos de fuga ou outros agravos à saúde, o foco se mantém em revelar o conteúdo possível de ser proclamado por pessoas longevas na primeira década do século XXI (LIMA et al., 2008). Destaque-se ainda o papel da impregnação dos discursos colhidos por “termos usados na área da saúde”. Ao que parece o saber próprio dos profissionais de saúde, que sabidamente pode ser transmitido (MINAYO, 1988), repercute nitidamente e estabelece marcas na linguagem, e tem potencial de modificar a autoavaliação dos mais velhos. Nos casos em questão foram percebidas palavras repetidas como ecos cujos significados são mais conhecidos por aqueles que fazem exames, passam remédios e constantemente perguntam sobre os corpos.
A velhice do novo milênio necessariamente não repete características de épocas anteriores, o que pode distinguir o envelhecer nos anos 2000. Futuros estudos se beneficiarão ao evitar paradigmas relacionados aos mais velhos. Provavelmente verificações sobre o envelhecimento se beneficiem com introdução espontânea, visando identificar o inusitado, inclusive subterfúgios, exacerbação ou negação de temas investigados. No caso dos idosos, merece esclarecimento, por exemplo, a tendência à supervalorização das atividades diárias como foco de realização pessoal ou ainda a negação de dificuldades relacionadas à saúde física, evitando reconhecer limites na inserção da vida em comunidade.
Mais adequado provavelmente será buscar mudanças e especificidades (MALINOWSKI, 1944). E, neste contexto, as pesquisas de avaliação populacional merecem atenção especial, já que se propõem a analisar grupo formado por pessoas tão díspares.
Os achados aqui apresentados têm potencial de influenciar novas pesquisas já que corroboram o combate ao “idadismo” (SPECIAL SENATE COMMITTEE ON AGING, 2009). A contribuição principal foi a de chamar atenção sobre as particularidades de cada pessoa em qualquer idade, aspecto instigante que pode direcionar novas investigações no século XXI.
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