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Trabalho após a aposentadoria: influência na qualidade de vida do idoso
KÁTIA LILIAN SEDREZ CELICH
MICHELI BALDISSERA
Introdução
Hoje, com a melhoria da saúde pública sob vários aspectos e os avanços tecnológicos, as pessoas estão vivendo mais e envelhecendo melhor. A longevidade é um fenômeno mundial. A proporção de pessoas acima de 60 anos está crescendo mais rapidamente que a de qualquer outra faixa etária (OMS, 2002). Apesar de o envelhecimento ser um processo natural, o organismo sofre alterações anatômicas e funcionais, com repercussões nas condições de saúde do idoso e, consequentemente, na sua qualidade de vida (VECCHIA, BOCCHI e CORRENTE, 2005).
No entanto, a velhice não pode ser atrelada somente às perdas, pois o idoso pode apresentar um envelhecimento ativo, fato que é compreendido como o processo de otimização de oportunidades de bem-estar físico, mental e social – através do curso da vida –, de forma a aumentar a expectativa de vida saudável e a qualidade de vida na velhice (FREITAS, 2006).
Ainda que na velhice a dimensão física tenha maior influência sobre a qualidade de vida dessas pessoas, outras questões não podem ser ignoradas como promotoras de bem-estar, como os fatores psicológicos e a inserção social do idoso (ALVARENGA et al., 2009).
Nesse contexto, a aposentadoria pode desencadear alterações emocionais e influenciar, de modo singular, na atuação social do idoso, tanto de maneira positiva quanto negativa, dependendo de como o indivíduo a compreende e a vivencia. Para Witczak (2005), o afastamento do trabalho e a aceitação da aposentadoria geram sentimentos antagônicos, uma vez que o sujeito se depara tanto com o medo de enfrentar a crise da perda de sentido de vida quanto com o sentimento de liberdade, de poder descansar, estar livre do relógio, poder utilizar o tempo como melhor lhe agradar.
Compreender os motivos que levam o idoso a se manter no mercado de trabalho após a aposentadoria implica reflexões sobre o sentido e os significados do trabalho para o homem. O trabalho, especialmente em nossa sociedade, densamente imbuída pela lógica capitalista, não se constitui apenas como uma fonte de renda, mas assume um papel relevante, no sentido de conferir identidade aos sujeitos, valorização, crescimento e desenvolvimento pessoal, bem como emancipação. Soares et al. (2007) contribuem afirmando que, por meio do trabalho, o homem modifica e transforma o mundo, ao mesmo tempo em que se transforma e se humaniza.
Por meio do trabalho, o homem estabelece planos, metas e aspirações, constrói seus laços afetivos, exerce sua criatividade, garante sua independência e expressa sua produtividade (RODRIGUES et al., 2005). Talvez esses fenômenos sejam determinantes na opção de permanecer ativo no mercado de trabalho mesmo após a aposentadoria.
Portanto, em uma sociedade em que se mensura o valor das pessoas pelo que fazem para ganhar a vida, o afastamento do trabalho decorrente do processo de envelhecimento pode também representar um retrocesso na posição social. Sem a oportunidade de trabalhar, algumas pessoas se sentem esvaziadas e sem propósito na vida, o que pode ocasionar uma ruptura identitária ou o redimensionamento de seus projetos e objetos de identificação.
No Brasil, o número de idosos, aqui definido como sendo pessoas com 60 anos de idade ou mais, passou de 3 milhões, em 1960, para 7 milhões, em 1975, e 14 milhões, em 2002, o que significa um aumento de 500% em 40 anos, e calcula-se que alcançará 32 milhões em 2020 (CAMARANO, 2001). Segundo dados do IBGE (2005), mais da metade dos idosos do sexo masculino e quase 1/3 dos do sexo feminino que estavam no mercado de trabalho eram aposentados em 1998, tendo essa participação crescido no período considerado. A participação do idoso brasileiro no mercado de trabalho é alta, considerando-se os padrões internacionais; isso está relacionado a uma particularidade muito específica do mercado de trabalho brasileiro, que é a inserção do aposentado (CAMARANO, 2001).
É importante atentar que o momento da aposentadoria é cerceado por vários fatores críticos e que merecem ser observados pelos profissionais que atuam na área de saúde, no intuito de colaborarem para a manutenção da qualidade de vida na velhice.
Diante desse contexto, este estudo tem como objetivos: descrever a influência do trabalho na qualidade de vida dos idosos após a aposentadoria e investigar quais os motivos que os levam a se manter no mercado de trabalho, após a aposentadoria.
DESENVOLVIMENTO
Método
Foi realizado um estudo transversal, com 60 idosos, ou seja, indivíduos com idade superior ou igual a 60 anos, aposentados e que permanecem exercendo suas funções profissionais com trabalho remunerado, em seis empresas no município de Erechim/RS.
Os idosos foram selecionados de maneira aleatória, visitando-se seis empresas do município de Erechim e investigando-se no departamento de pessoal quantos idosos aposentados estavam ativos no trabalho. A coleta de dados ocorreu no período de janeiro a julho de 2009.
O município de Erechim/RS, segundo a contagem populacional do censo (IBGE, 2007), apresenta 92.945 habitantes, sendo que, destes, 10.576 são idosos, o que corresponde a 11,38% da população.
Para a coleta de dados, utilizou-se um instrumento de pesquisa proposto pelas pesquisadoras (Apêndice A) contendo questões pertinentes ao estudo. Após a coleta dos dados, estes foram analisados por meio da estatística descritiva.
Todos os procedimentos éticos foram respeitados. Os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, onde ficou assegurada a não divulgação dos dados de identificação. Ainda, para manter o sigilo e o anonimato dos participantes, não foi realizado qualquer tipo de identificação. As empresas deram seu consentimento para a coleta dos dados. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Campus de Erechim, sob o parecer número 186/TCH/08.
Resultados e discussão
Foram avaliados 60 idosos aposentados que continuam trabalhando. Destes, 60% são do sexo masculino, o que corresponde a 36 homens, e 40% são do sexo feminino, o que corresponde a 24 mulheres, o que denota diferenças entre os sexos, ou seja, a participação feminina idosa é menor do que a verificada para a correspondente masculina. Proporção também encontrada em pesquisa realizada pelo IBGE (2005).
Em relação à idade, pode-se observar que 56,67% têm entre 60 e 64 anos, seguidos de 36,67% que têm entre 65 e 69 anos, apenas 6,66% têm idade igual ou superior a 70 anos. A partir da análise desses dados, é possível se afirmar que os idosos que se mantêm no trabalho, em sua grande maioria, são os mais jovens, ou seja, que apresentam idade inferior a 70 anos. Estudo multidimensional realizado com 7.920 idosos gaúchos apontou que a participação dos idosos no mercado de trabalho é muito mais importante para os idosos mais jovens, especialmente na faixa dos 60 aos 64 anos de idade, e que essa participação diminui com a idade, sendo irrelevante para os idosos acima de 70 anos (BÓS e BÓS, 2004).
Quando avaliado o grau de escolaridade, todos os níveis apresentam oscilações, com destaque para os trabalhadores com curso superior (33,33%) e fundamental completo (26,67%). Notória é a declaração de Camarano (2001) ao afirmar que idosos com nível superior tendem a se manter economicamente ativos por maior tempo quando comparados com idosos com menor nível escolar. Fato confirmado nesta pesquisa.
Em relação à profissão que exercem, existe uma concentração maior de aposentados que permanecem trabalhando na área da educação, com 23,33%, seguida dos metalúrgicos, com 20%, e dos auxiliares de serviços gerais, com 16,67%.
Os dados possibilitam a observação de que o nível de escolaridade é fator decisivo na remuneração do benefício da aposentadoria bem como na remuneração do trabalho. Ao passo que 40% dos idosos pesquisados recebem entre 2 e 3 salários mínimos de aposentadoria, 33,33% recebem de 4 a 5 salários mínimos e apenas 13,33% têm uma renda superior a 6 salários mínimos.
Ainda, as análises das informações demonstram que 53,33% dos idosos economicamente ativos recebem como remuneração de trabalho entre 2 e 3 salários mínimos, seguidos de 23,33% com remuneração igual ou superior a 6 salários, 16,67% tem uma remuneração de 4 a 5 salários e 6,67% recebem apenas 1 salário mínimo.
Quando comparados os dados da profissão com a remuneração recebida da aposentadoria e a recebida com a manutenção do trabalho, pode-se observar que os indivíduos que recebem como benefício apenas um salário são os mesmos que vão receber um salário no trabalho adicional. E estes estão em profissões que permitem um nível de escolaridade mais baixo.
Nas últimas décadas, ocorreram importantes mudanças na legislação previdenciária pública do Brasil. Destaca-se, entre as mudanças na legislação previdenciária, a redução do salário máximo de contribuição para os trabalhadores da iniciativa privada, bem como a própria conjuntura econômica do país, que oscilava em momentos de crise a momentos de aquecimento econômico, fazendo com que os aposentados atingidos por essa situação buscassem outras formas de defender a renda, e uma delas foi o trabalho (LIBERATO, 2003). O benefício previdenciário continua sendo um componente bastante representativo da renda total, mesmo em se tratando de classes com faixas salariais elevadas.
Em relação ao número de dependentes, constatou-se que 43,33% dos participantes da pesquisa possuem um dependente, geralmente o cônjuge; 30% têm sob sua dependência mais de duas pessoas e 26,67% dos entrevistados não possuem dependentes. Estes dados mostram que a renda obtida pela aposentadoria, somada à do trabalho, é decisiva na vida da grande maioria desses idosos, e sua responsabilidade financeira familiar é grande. Mais uma vez se confirma que a maioria dos lares brasileiros é chefiada por pessoas com 60 anos ou mais, os quais arcam com boa parte do orçamento familiar e, às vezes, com sua totalidade (IBGE, 2005). O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, por intermédio de um estudo, identificou que 12 milhões de famílias brasileiras são mantidas por idosos com a renda da aposentadoria. A pesquisa ainda constatou que, de cada dez pessoas acima de 60 anos, seis sustentam a casa e três ainda têm algum tipo de trabalho remunerado (BELTRÃO e CAMARANO, 2002).
É interessante observar a percepção que os entrevistados têm de sua saúde, quando 66,67% a consideram boa e 23,33% afirmam ser ótima; somente 6,67% acham que é regular e 3,33% que é péssima. Fato que pode justificar manterem-se ativos no mercado de trabalho por um período considerado longo, uma vez que 46,67% estão aposentados entre 6 e 10 anos e 30% de 1 a 5 anos, seguidos de 13,33% que estão aposentados entre 11 e 15 anos e 10% com mais de 16 anos, e ainda permanecem trabalhando.
Pressupomos que o bom estado de saúde desses idosos possibilita que permaneçam tanto tempo no mercado de trabalho, mesmo depois de aposentados. Várias pesquisas afirmam que um dos fatores mais importantes para que tal fato ocorra é o bom estado de saúde dos indivíduos. Idosos que experimentam uma degradação nos seus níveis de saúde, causada por uma enfermidade ou por algum acidente, teriam menor força, energia e vigor (BÓS e BÓS, 2004).
No entanto, um dado relevante que deve ser considerado é que um número significativo de entrevistados (67%) afirma continuar trabalhando apenas por necessidade financeira, 23% pelo crescimento intelectual e apenas 10% pela manutenção do convívio social. Os baixos valores dos benefícios previdenciários, somados ao prolongamento da vida, têm feito com que muitos idosos continuem trabalhando para garantir uma renda que supra as necessidades individuais e familiares, pois muitos continuam sendo chefes de família, ou ainda para evitar queda brusca do padrão de vida.
Diante dessa constatação, fica evidente que a situação dos idosos é muito delicada, sendo necessário o comprometimento da sociedade e dos gestores públicos com as questões concernentes ao envelhecimento e à qualidade de vida dessa população. Não é mais possível que se aceite a realização de políticas públicas e leis delas resultantes, como a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso, sem a participação efetiva e representativa dos principais protagonistas, os idosos.
Assim, essas ações podem ser compreendidas como estratégias para controlar um grupo social que cresce rapidamente por causa do envelhecimento populacional e que, por isso mesmo, passa a ser interessante do ponto de vista político-eleitoral e mercadológico. Problematiza-se então a ideia de representatividade institucional, na medida em que não são contempladas, nessas políticas e ações, demandas primordiais dos idosos, como o aumento no valor da aposentadoria, por exemplo. E isso obriga muitos aposentados a continuarem trabalhando para suprir suas necessidades, situação que compromete ainda mais sua autonomia (PERES, 2007).
Vale destacar que, mesmo que a maioria dos idosos entrevistados (67%) relate estar trabalhando por uma questão de necessidade financeira, já que essa renda tem implicações determinantes em sua vida, eles conseguem perceber que trabalhar é bom. Para 93,33% o fato de permanecerem ativos no trabalho interfere de maneira positiva em suas vidas, no sentido de que 46,66% se sentem úteis para a sociedade, 16,66% consideram estar desfrutando boa saúde, 30% permanecem trabalhando, pois o trabalho faz com que se sintam capazes, e para 13,33% significa ter independência. Apenas para 6,66% o fato de continuar trabalhando interfere de maneira negativa em suas vidas, restringindo as possibilidades de lazer e de liberdade.
Os motivos que levam estes idosos a continuar trabalhando é decorrente da sua boa saúde, ou seja, 83,33% percebem que têm condições físicas e psíquicas para o trabalho, já para 16,66% é somente até alcançar um objetivo específico e para 10% até que a empresa os mantenha.
Apesar de observarmos a satisfação dos idosos em permanecer trabalhando, ficou evidente que, se eles tivessem tempo livre, 76,66% gostariam de realizar atividades de lazer, 20% de conviver mais com a sua família, 6,66% de realizar atividades religiosas, 6,66% de participar de atividades comunitárias e 3,33% de envolverem-se em trabalhos voluntários.
É valido afirmar que o baixo valor pecuniário é um fator importante para manter o idoso ativo no trabalho, mas os fenômenos de ordem subjetiva, como continuar sentindo-se útil em um conjunto social pautado pelo valor produtivo, são justificativas plausíveis e aceitáveis pelos idosos.
A maneira como percebem o trabalho após a aposentadoria pode ser ressaltada pela sua história de vida. Os processos de envelhecimento e de aposentadoria ocorrem de maneiras diferenciadas, apresentado múltiplas interfaces, que estão relacionadas às mudanças na vida social e no mundo do trabalho, à reorganização da vida familiar que se presencia na sociedade contemporânea, ao convívio dentro e fora do trabalho, à rotina laborativa, aos papéis sociais desempenhados, ao status do sujeito, ao modo de ser de cada um, aos projetos de vida e a muitos outros fatores (BULLA e KAEFER, 2003).
Conclusão
Ao final deste estudo, conclui-se que o trabalho, após a aposentadoria, exerce uma influência positiva na qualidade de vida da maioria dos idosos participantes da pesquisa. As motivações determinantes para essa permanência devem-se, primeiramente, ao fato de poderem continuar produtivos para manter um lugar de reconhecimento no núcleo familiar e na sociedade. Ainda, o trabalho lhes confere autonomia, independência, possibilidade de convívio social, aumento da renda, sendo estes os principais argumentos para que permaneçam ativos após a aposentadoria.
Outro fato relevante é que, para poderem continuar trabalhando, ter saúde física e emocional é fator determinante. Portanto, investir, sistematicamente, em programas de prevenção, que garantam melhor autonomia e independência na terceira idade, é imprescindível para um envelhecimento com qualidade de vida e que possibilite a opção ao idoso de continuar ou não trabalhando após já ter se aposentado.
A obtenção do benefício da aposentadoria pelo trabalhador nem sempre é condição que proporciona a sua retirada da força de trabalho. Pessoas idosas com boas condições de saúde física e mental mantêm boas perspectivas de vida e podem assumir e manter papéis relevantes na sociedade e no mercado de trabalho. E, dessa forma, continuarem participando em todos os âmbitos da vida social e exercendo seus direitos de cidadania. É bem verdade que muitos continuam trabalhando por necessidade, uma vez que, em alguns casos, o sustento da família depende do seu salário.
Os idosos são um importante contingente populacional que, certamente, tem experiência de vida, qualificação e potencialidades a oferecer à sociedade. Assim, o evento da aposentadoria não sinaliza a ruptura com o mundo do trabalho. O fato de aposentar-se passa a ter um novo significado, em que o idoso tem autonomia para optar entre manter-se ativo no mercado de trabalho e a possibilidade de parar e assumir uma nova fase de vida, investindo em outros projetos.
No entanto, essa realidade é mais comum para idosos mais jovens, ou seja, aqueles que têm entre 60 e 64 anos de idade, tornando-se praticamente inexistente para aqueles acima de 70 anos. Pode-se concluir que, para os idosos participantes, um fator decisivo são as condições de saúde referidas e o nível educacional.
Sugere-se que outros estudos sejam realizados focalizando essa temática. No momento, eles são escassos. Acredita-se que as pesquisas poderão evidenciar a influência que o trabalho exerce na qualidade de vida de idosos após a aposentadoria. Bem como demonstrar quais os motivos que os levam a esta permanência. Espera-se, ainda, que seja possível vislumbrar outras opções que promovam bem-estar na velhice e que garantam o reconhecimento e a valorização desses idosos. Outrossim, espera-se que a remuneração dos idosos aposentados seja condizente com as suas reais necessidades, a fim de que só permaneçam trabalhando se entenderem ser o trabalho algo positivo nessa fase da vida e não por motivos financeiros.
É necessário realizarmos a seguinte reflexão: a valorização do idoso em nosso meio social é um desafio que requer respostas urgentes, pois ficou evidente nesta pesquisa que um dos fatores que os motivam a permanecer no trabalho é a garantia de reconhecimento familiar e a valorização da sociedade. Dessa forma, eles permanecem inseridos no contexto social e sentem-se úteis e capazes.
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