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Unindo os fragmentos: construção de políticas públicas e garantia de direitos para idosos no Brasil

MARIA DAS GRAÇAS MELO FERNANDES
BRUNO MELO FERNANDES

Introdução

O envelhecimento da população mundial constitui um dos grandes desafios a serem enfrentados nas próximas décadas, dadas as demandas assistenciais requeridas por essa população, particularmente no campo da saúde nos seus diferentes níveis de atenção. Observa-se uma transição demográfica rápida e irreversível num cenário de profundas transformações sociais. Essa transição resultou da manutenção por um período de tempo razoavelmente longo de taxas de crescimento da população idosa superiores às da população mais jovem (IBGE, 2008).

As perspectivas para o futuro próximo são de crescimento a taxas elevadas da população idosa e “muito idosa”, provocado pela entrada da corte dos baby boomers na última fase da vida (elderly boomers) e pela redução da mortalidade nas idades avançadas (CAMARANO, 2006). Estima-se que em 2050 existirá cerca de bilhões de idosos com 60 anos ou mais no mundo. As últimas projeções para 2025, divulgadas no U. S. Bureau of the Census, classificam o Brasil como a sétima população de idosos do mundo, a qual incorpora mais de 32 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, ficando à frente de China, Índia, Estados Unidos, Japão, Indonésia e Rússia, respectivamente (PASCHOAL, FRANCO e SALLES, 2007).

Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mostram que no Brasil a população com 60 anos ou mais é de quase 15 milhões de pessoas, representando 8,6% da população brasileira. Na década de 1940, a expectativa de vida do brasileiro ao nascer era de 37 anos para os homens e de 39 anos para as mulheres, e os idosos representavam cerca de 4% da população. No final dos anos de 1990, com uma expectativa de vida de 64 anos para os homens e de 70 para as mulheres, a fração de idosos correspondia aproximadamente a 7,8% da população total. Já em 2008, a expectativa média de vida do brasileiro alcançou 72,7 anos (IBGE, 2008), com perspectiva de alcançar 81,2 anos em 2050 (PASCHOAL, FRANCO e SALLES, 2007).

Além do envelhecimento da população total, a proporção da população “mais idosa”, de 80 anos e mais, está aumentando também, alterando a composição etária dentro do próprio grupo, ou seja, a população idosa também envelheceu. A sua participação na população brasileira passou de 1,0% para 1,4%. Embora o porcentual seja baixo, está se falando de 1,6 milhão de pessoas com 80 anos e mais. Isso leva a uma heterogeneidade do segmento idoso e aumenta a demanda por cuidados de longa duração, e ainda requer o pagamento de benefícios previdenciários e assistências por um período de tempo mais longo (IBGE, 2008).

No contexto do envelhecimento populacional, inúmeros fatores se inter-relacionam. Entre eles, os de maior relevância são aqueles ligados à previdência social e à saúde, os quais constituem desafios para o Estado, os setores produtivos e as famílias. Considerando isso, Giddens (1999) ressalta que o envelhecimento constitui um grande problema por causa da “bomba-relógio” da aposentadoria. Corroborando essa assertiva, Veras (2003) destaca que, entre 1999 e 2050, o coeficiente entre a população ativa e inativa diminuirá em menos da metade nas regiões desenvolvidas e em uma fração ainda menor nas menos desenvolvidas. Assim sendo, uma nova reforma da previdência, nas próximas décadas, será recolocada em pauta, e novos embates virão.

Cabe ressaltar que a aposentadoria, apesar de ter como proposição a garantia de direitos e de inclusão social do idoso na sociedade democrática brasileira, quanto a seus valores, do ponto de vista econômico, não permite o atendimento satisfatório das suas necessidades de sobrevivência, especialmente dos mais pobres, que evidenciam um envelhecimento, no geral, patológico e com incapacidades associadas, requerendo, portanto, maior demanda de recursos tanto do seu sistema de apoio formal (Estado, Sociedade Civil) como do informal (família). Isso é reconhecido por Carvalho et al. (1998, p. 28) ao discorrerem que “a aposentadoria é quase sempre um rito de exclusão. Marca oficialmente a entrada do indivíduo no mundo da velhice, com todas as dificuldades, perdas e representações sociais excludentes”.

Tal fato agrava-se quando a aposentadoria do idoso (nas camadas pobres), em resposta à crise econômica e social gerada pelo Estado mínimo neoliberal, passa a ser a única fonte de renda da família (filhos e netos desempregados e com baixo nível de escolaridade), exacerbando, assim, sua dolorosa pobreza, pois 70% dos aposentados e pensionistas do INSS recebem um salário mínimo por mês (GOLDMAN, 2004). 

Essa realidade é corroborada por Veras (2003) ao salientar que num país como o nosso, com um vasto contingente de pobres de todas as idades, com uma política de saúde caótica, com benefícios previdenciários ínfimos, com uma assistência social praticamente inerte e com um forte preconceito contra os idosos, não é difícil presumir as dificuldades que estes, principalmente os mais pobres, vivenciam.

Além disso, ante o rápido desenvolvimento tecnológico dos anos recentes, o idoso tem vivenciado a diminuição do seu status social, especialmente de suas habilidades, conhecimento e experiências, tornando suas contribuições sociais imediatas menos relevantes. A ideologia do saber atual é gerada pelo conhecimento técnico-científico dominado pelos jovens. Nesse contexto, poucos idosos (alguns artistas, políticos, profissionais liberais) conseguem ser melhores nessa idade do que quando jovens.

Em face desse panorama, tentaremos, ao longo deste trabalho, buscar refletir, a partir da literatura pertinente, como os idosos, bem como a Sociedade Civil e o governo têm se mobilizado no sentido de construir políticas públicas e institucionalizar direitos com a finalidade de reduzir desigualdades sociais experimentadas por esse segmento populacional. 

Políticas públicas e direitos no contexto democrático

O termo “política” diz respeito a um conjunto de objetivos que informam determinado programa de ação governamental e condicionam sua execução. Política pública é a expressão atualmente utilizada nos meios oficiais e nas Ciências Sociais para substituir o que até a década de 1970 era chamado planejamento estatal (BORGES, 2006). Nos Estados democráticos modernos, o conceito de política pública tem íntima ligação com o de cidadania, pensada como o conjunto das liberdades individuais expressas pelos direitos civis (NERI, 2005). A concretização da cidadania ocorre por meio do espaço político, como o direito a ter direitos.

O Estado brasileiro não garante o acesso de uma população amplamente desprivilegiada, a exemplo da maioria dos idosos, aos serviços públicos que poderiam dignificar o seu cotidiano. Na prática o que ocorre é que os que detêm renda mais alta suprem suas necessidades e resolvem seus problemas no âmbito do privado (por exemplo, por intermédio de organizações privadas de assistência médica), com o incentivo da perspectiva neoliberal, porque isso favorece o desenvolvimento do mercado (BORGES, 2006). No entanto, é inegável que o Estado tem um papel importante na dinâmica social, por produzir bens e serviços que abrangem o coletivo. Isso é fundamental para a concretização da democracia na sociedade.

Corroborando essa assertiva, Draibe (2003) ressalta que as bases do neoliberalismo estão na focalização, privatização e descentralização, as quais geram uma situação de assistencialismo e uma desuniversalização das ações. Neste contexto, o corte dos gastos sociais contribui para o equilíbrio financeiro do setor público e à política social cabe somente o papel de solucionar os problemas que o mercado, a comunidade e a família não conseguem suprir.

Os resultados deste enfoque, do ponto de vista social, são o crescimento da pobreza, da desigualdade social, do desemprego e da exclusão social, acompanhados de uma lógica economicista, autoritária e tecnocrática, que é impressa pelo Poder Executivo. No campo político, configura-se uma crise da democracia e, no campo cultural, um aprofundamento do individualismo, do consumismo e do pensamento único (DRAIBE, 2003).

No Brasil, apesar da ocorrência do processo de redemocratização em curso, estabelecido principalmente com a promulgação da Constituição de 1988, verificam-se profundas desigualdades sociais as quais são vivenciadas mais visivelmente pelos idosos, pois os que hoje têm 60 anos e mais, em sua grande maioria, tiveram pouco acesso à educação formal e, por força do sistema de governo vigente entre 1961 e 1984, tiveram pouquíssimas chances de realizar propostas de gestão democrática ou participativa ou delas participar, ou seja, a maioria desses idosos vivencia um processo de despolitização (CANÔAS, 1995).

Essa realidade é consubstanciada por Goldman (2004) em pesquisa recente, envolvendo idosos, na qual se verifica uma descrença por parte destes quanto aos rumos políticos do país e, ainda, uma compreensão restrita da dimensão política (entendida por muitos como política partidária), esvaziando, assim, seu sentido mais amplo e contribuindo para o desempoderamento desses idosos, conforme analisa Bobbio (1993, p. 954): “política, entendida como forma de atividade ou de práxis humana, está ligada estreitamente ao conceito de poder”. Se os idosos não ocuparem seu espaço político, certamente outros o ocuparão, o que traz repercussões graves para a conquista da sua cidadania no contexto democrático, especialmente na democracia participativa. Outro fator que fortalece o distanciamento dos idosos do processo político é a não obrigatoriedade do voto a partir dos 70 anos. 

Atores, personagens e cenário envolvidos na construção das políticas e dos direitos dos idosos 

A propagação do fenômeno envelhecimento e de suas questões foi inicialmente promovida pelas organizações internacionais (Organização Mundial da Saúde e Organização das Nações Unidas), que tiveram papel fundamental na análise e comunicação do impacto do envelhecimento sobre os países em desenvolvimento na tentativa de estimulá-los a adotarem medidas para o enfrentamento dessa realidade. Entre essas medidas, duas tinham destaque especial: no campo da saúde, fomentar o envelhecimento saudável e, no campo social, lutar pelo envelhecimento com direitos e dignidade (GOLDMAN, 2004).

A partir disso, em meados da década de 1980, toma ímpeto o movimento da Sociedade Civil com novos atores em cena, entre eles professores universitários, associações, idosos politicamente organizados e alguns parlamentares comprometidos com questões sociais, exigindo a valorização e o respeito à pessoa idosa. Esse movimento influenciou a construção da Constituição Cidadã (1988), primeira Constituição da República Federativa do Brasil a versar sobre a proteção jurídica ao idoso, a qual impõe à família, à sociedade e ao Estado o dever de amparar os idosos (UVO e ZANATTA, 2005).

Apesar dessas conquistas, até 1994 não existia no Brasil uma política nacional para os idosos; o que havia era um conjunto de iniciativas privadas (já antigas) e algumas medidas públicas consubstanciadas em programas (PAI, Papi, Conviver, Saúde do Idoso) destinados a idosos carentes. Era mais uma ação assistencial em “favor” deles do que uma política que lhes proporcionasse serviços e ações preventivas e reabilitadoras (SCHONS e PALMA, 2000).

Para o enfrentamento dessa realidade, os idosos buscam fortalecimento no espaço público gerado pelo movimento social, por fóruns e Conselhos de Idosos, que lhes permitem se posicionar pela concretização de ideais democráticos, como a conquista de sua cidadania, reinventando sua própria velhice (BREDEMEIER, 2003). Também contribuem para isso sua significância numérica e qualitativa e sua presença no cenário político por meio do voto e da representação.

Cabe destacar que as autoridades governamentais brasileiras só iniciaram/intensificaram sua mobilização em prol de políticas específicas para os idosos (até então esquecidos) a partir de efeitos produzidos pela sua organização sociopolítica e, ainda, dado o impacto negativo, com repercussão nacional e internacional, originado pela tragédia ocorrida em 1996, no Rio de Janeiro, na Clínica Santa Genoveva (clínica privada, custeada por recursos públicos de saúde), onde ocorreu a morte de uma centena de idosos.

Conforme verificamos, a percepção do problema social da velhice e a proposta de políticas públicas são resultantes de um processo de negociação em que se realiza o diálogo entre os sujeitos do problema (a sociedade e o movimento social dos idosos) e os agentes das políticas (Estado e instituições) na busca de corresponsabilidade democrática pela preservação dos direitos e das garantias sociais (PAZ, 2002). 

Essa politização dos idosos, especialmente dos mais escolarizados, associada aos ideais dos tempos pós-industriais, trouxe à pauta algumas questões culturais que favorecem um novo modo de pensar e agir no âmbito do envelhecimento, o qual, de algum modo, tem influenciado as políticas públicas e os direitos dos idosos: a primeira foi a quebra da centralidade do trabalho, como valor maior na visão de mundo da sociedade (aspecto dominante na sociedade industrial), o que permitiu ao idoso construir sua identidade numa ótica de não trabalho, mas de utilidade e sentido da vida; a segunda é o pluralismo de ideias, de comportamento e de atividades, como valor, quebrando estereótipos ideológicos e comportamentais; a terceira é a valorização da subjetividade como um plano importante a ser incluído em todos os níveis da vida, da ciência e das políticas (MINAYO, 2000).

Uma vez delineadas algumas implicações do envelhecimento sobre o sistema social e pontuados alguns percursos adotados pelos idosos, pela Sociedade Civil e pelo Estado para a efetividade do conjunto de políticas e leis imbuídas de proteger o cidadão idoso, passamos a discorrer sobre os princípios e as estratégias incorporados nesses dispositivos legais, para melhor clarificar as conquistas e os desafios a serem enfrentados pelos idosos brasileiros na contemporaneidade.

Avanços conquistados pelos idosos com a Constituição de 1988 

Os direitos dos idosos assegurados na Constituição de 1988 (capítulo da Seguridade Social em seus artigos 203 e 204) foram regulamentados por meio da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS (Lei no 8.742/93). Entre os benefícios mais importantes proporcionados por essa lei, constitui-se o Benefício de Prestação Continuada, regulamentado em seu artigo 20. Esse benefício consiste no repasse de um salário mínimo mensal às pessoas idosas e às portadoras de deficiência que não tenham condições de sobrevivência, tendo como princípio central de elegibilidade a incapacidade para o trabalho (GOMES, 2002), objetivando a universalização dos benefícios e a inclusão social.

Apesar disso, essa política pouco vem contribuindo para a construção da cidadania, pois aqueles que se encontram abaixo da linha de pobreza possuem tantas necessidades básicas não atendidas que um salário mínimo não basta para lhes garantir uma vida digna. Estudos de Sposati (2000), entre outros, demonstram a insuficiência do nosso salário mínimo, que apenas contempla uma cesta básica, configurando a linha da indigência e reduzindo as necessidades humanas à alimentação. 

O grau de seletividade existente na LOAS faz com que muitos idosos não sejam incluídos nos benefícios, seja por estarem fora do patamar de pobreza ou da faixa etária estipulada pelos critérios da lei (65 anos), seja por não terem acesso aos documentos exigidos ou por não se encontrarem na condição de “incapazes para o trabalho”. Ante essa realidade, para ter acesso ao benefício, a pessoa precisa estar numa condição vegetativa como ser humano, embora haja várias formas de deficiências que não permitem a inserção nas relações de trabalho (SILVA, 2006). Reforçando essa assertiva, destacamos que os idosos, pela falta de qualificação e/ou pela estigmatização cultural, são, no geral, menos competitivos no mercado de trabalho, o que não deixa de ser uma “incapacidade”, pois “os capazes” asseguram a própria sobrevivência.

Política Nacional do Idoso

A Política Nacional do Idoso, instituída pela Lei no 8.842/94, regulamentada em 3/6/1996 por meio do Decreto no 1.948/96, amplia significativamente os direitos dos idosos, assegurando-lhes direitos sociais, autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. Essa política está norteada por cinco princípios:

1. a família, a sociedade e o Estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida;

2. o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objetivo de conhecimento e informação para todos;

3. o idoso não deve sofrer discriminação de qualquer natureza;

4. o idoso deve ser o principal agente e o destinatário das transformações a serem efetivadas por meio dessa política;

5. as diferenças econômicas, sociais, regionais e, particularmente, as contradições entre o meio rural e o urbano do Brasil deverão ser observadas pelos poderes públicos e pela sociedade em geral na aplicação dessa lei.

A análise dos princípios ora expostos permite-nos afirmar que a lei atende à moderna concepção de Assistência Social como política de direito, o que implica não apenas a garantia de uma renda, mas também vínculos relacionais e de pertencimento que assegurem um mínimo de proteção social, visando à participação, à emancipação, à construção da cidadania e de um novo conceito social para a velhice.

Para o alcance dessas metas, foi criado um Plano Integrado (Interministerial) de Ação Governamental que manteve a concessão do Benefício de Prestação Continuada e incorporou novas ações: readequação da rede da saúde e assistência social para atendimento integral ao idoso, elaboração de instrumentos que permitem a inserção da população idosa na vida socioeconômica das comunidades, modernização de leis e regulamentos, desenvolvimento do turismo e lazer, além da reformulação dos currículos universitários no sentido de melhorar o desempenho dos profissionais no trato das questões do idoso.

Apesar dessa proposição de esforços nas diferentes áreas do governo, a implementação dessa política nos estados revela apenas ações isoladas e incipientes sobre a realidade da pessoa idosa no país, esbarrando num amplo complexo de variáveis que se entrelaçam, entre elas os reduzidos recursos financeiros (SILVA, 2006), tornando-a, de algum modo, apenas um ideal.

O Estatuto do Idoso

Na atualidade, o Estatuto do Idoso, criado pela Lei no 10.741, de 1 de outubro de 2003, estabelece prioridade absoluta às normas de proteção ao idoso, elencando novos direitos e estabelecendo vários mecanismos específicos de proteção, os quais vão desde precedência no atendimento ao permanente aprimoramento de suas condições de vida até à inviolabilidade física, psíquica e moral (CENEVIVA, 2004). Esse Estatuto constitui um marco legal para a consciência idosa do país; a partir dele, os idosos poderão exigir a proteção aos seus direitos, e os demais membros da sociedade tornar-se-ão mais sensibilizados para o amparo dessas pessoas (UVO e ZANATTA, 2005).

No âmbito desse Estatuto (2003), os principais direitos do idoso encontram-se no artigo 3o, o qual preceitua: 

é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Apesar da importância dos aspectos ora explícitos referentes ao Estatuto do Idoso, Neri (2005), ao analisar as políticas de atendimento aos direitos do idoso expressos nesse marco legal, concluiu que o documento é revelador de uma ideologia negativa da velhice, compatível com o padrão de conhecimentos e atitudes daqueles envolvidos na sua elaboração (políticos, profissionais, grupos organizados de idosos), segundo os quais o envelhecimento é uma fase compreendida por perdas físicas, intelectuais e sociais, negando análise crítica consubstanciada por dados científicos recentes que o apontam, também, como uma ocasião para ganhos, dependendo, principalmente, do estilo de vida e do ambiente ao qual o idoso foi exposto ao longo do seu desenvolvimento e da maturidade.

Cabe destacar que as políticas de proteção social, baseadas em suposições e generalizações indevidas, podem contribuir para o desenvolvimento ou a intensificação de preconceitos negativos e para a ocorrência de práticas sociais discriminatórias em relação aos idosos. A consideração dos direitos dos idosos deve ocorrer no âmbito da noção de universalidade do direito de cidadãos de todas as idades à proteção social, quando se encontrarem em situação de vulnerabilidade (NERI, 2005).

A despeito dessa ideologia negativa da velhice embutida na construção do Estatuto do Idoso, é de fundamental importância que todos os segmentos da sociedade, operadores jurídicos e, principalmente, os idosos, sejam instruídos quanto aos seus aspectos positivos, pois eles precisam conhecer seus direitos para exercê-los e reivindicá-los.

Considerações finais

Na síntese dos aspectos aqui pontuados, bem como das ideias de Mendonça e Abigalil (2007), ressaltamos que o processo político ocorrido no Brasil após 1988 e até então demonstra a força política dos idosos e aposentados e indica o avanço significativo do Brasil em relação à conquista da legislação para a defesa dos direitos de atenção à pessoa idosa. Apesar disso, muito ainda precisa ser feito para os idosos, pois, embora essa população tenha formal e legalmente assegurada a atenção às suas demandas, na prática, as ações institucionais mostram-se tímidas, limitando-se a experiências isoladas.

Como salienta Neri (2005), bom seria que chegasse o tempo em que se verificasse a melhoria do nível educacional e do bem-estar da população, pois, neste cenário, talvez não necessitássemos mais de um Estatuto do Idoso. Em consonância com essa autora, destacamos que fica a esperança de que o progresso social e o aperfeiçoamento da democracia possam permitir mudanças em nossa maneira de olhar os idosos e em nossa concepção sobre igualdade e universalidade dos direitos. Uma sociedade boa para os idosos é uma sociedade boa para todas as idades.

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