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Entrevista: Wlamir Marques
Wlamir Marques, 73 anos, ao lado de Amaury, Ubiratan e Rosa Branca, foi uma das maiores estrelas do basquetebol brasileiro. Wlamir fez parte de um elenco cuja conquista jamais foi superada: o Bicampeonato Mundial, primeiro em Santiago do Chile no ano de 1959 e depois no Rio de Janeiro em 1963. Num Maracanãzinho lotado, a equipe brasileira derrotou os poderosos Estados Unidos, uma impressionante e insuperada façanha.
Em seu apartamento em São Paulo, Wlamir recebeu a revista A Terceira Idade e narrou saborosas histórias dessa época de ouro de nosso basquete. Comentou a situação desse esporte em nosso país. Refletiu sobre questões relativas ao envelhecimento de atletas, sobre as condições do aposentado brasileiro e, por fim, sobre sua própria condição de pessoa idosa.
Sempre pedimos aos nossos entrevistados que comecem esta conversa nos contando sua história. O que você poderia nos contar de sua infância, de suas relações com seus pais, seus avós? Você conviveu com pessoas mais velhas, como foi sua experiência?
Sou natural de São Vicente, nasci no dia 16 de julho de 1937. Farei 73 anos em julho. Muito cedo, com nove, dez anos, comecei a praticar esporte. Meu pai e minha mãe me apoiavam. Ainda garoto, comecei a frequentar as praias e a praticar natação, que foi meu primeiro esporte. Cheguei a ganhar algumas provas, mas São Vicente era um lugar difícil, naquela época você não tinha as dependências esportivas que se tem hoje. A maioria das atividades eram praticadas na praia mesmo. Futebol era na praia, atletismo era na praia, enquanto que basquete e vôlei eram mais ligados a clubes. Iniciei no basquete, que acabou sendo o carro-chefe da minha carreira, no Clube de Regatas Tumiaru, um clube que ainda existe. Antigamente os clubes tinham esse “Regatas” no nome, como Clube de Regatas Flamengo, Clube de Regatas Vasco da Gama etc, porque eles tinham o remo como um esporte importante. Ali, eu comecei a jogar basquete, mas ao mesmo tempo eu jogava futebol, como goleiro. Eu também jogava vôlei no Clube Tumiaru e defendia o clube na natação. O interessante nessa história é que minha mãe queria que eu fosse nadador e meu pai que eu jogasse futebol. E ainda tinha um tio, que era técnico de vôlei, que me levava para jogar vôlei.
Havia outros atletas na família?
Sim, tinha meu irmão recém-formado em Educação Física, que me levou para o atletismo. Eu ganhei algumas provas de salto e de arremesso. Eu sempre fui muito atlético, tive um crescimento prematuro, com quatorze anos já tinha esse tamanho. Mudei de residência e do lado de lá do muro de casa havia uma quadra. Vi a garotada brincando ali, aí pensei, “vou entrar nessa quadra” e estou nela até hoje.
Uma curiosidade: o basquete no início de sua história como modalidade esportiva era jogado com cestas de frutas, é verdade?
Isso mesmo. O basquete começou nos Estados Unidos, em 1891, com a utilização de cestas de frutas, em Massachusetts, na cidade de Springfield. Lá o inverno era muito rigoroso. O diretor de uma escola pediu a um professor de educação física para ele inventar um jogo que pudesse ser disputado em recinto fechado na época de inverno. O que ele fez? Havia um espaço grande e coberto na escola, uma espécie de ginásio, e quando ele olhou para um dos cantos do estádio, ele viu uma cesta de colher pêssegos. Só que essa cesta de colher pêssegos tinha fundo e ao lado da cesta tinha uma escada. Ele colocou do outro lado também uma outra cesta com escada. Assim foi inventado o basquete. Você imagina então, a cada cesta a que se fazia, alguém subia na escada e tirava a bola de lá para o jogo ser reiniciado! Até que alguém percebeu que seria melhor retirar o fundo da cesta. Depois foi criado o aro, a redinha. O jogo chegou ao Brasil em 1896 e a primeira atividade de basquete que houve aqui aconteceu na Universidade Mackenzie. Na época, como bola de basquete era usada uma bola de futebol, esporte estabelecido há mais tempo.
De que forma você se firmou como atleta de basquete?
Naquela época, os jovens obedeciam aos pais. Mas, minha mãe queria que eu fizesse natação, meu pai futebol e meu irmão atletismo e o outro irmão, vôlei! Aí eu resolvi ficar na minha que era o basquete. A minha carreira foi meteórica, em 1952 fui campeão brasileiro juvenil, eu tinha quinze anos. Como eu tive um crescimento prematuro, desde cedo eu não jogava com os da minha idade, só jogava com adultos. Minha história vai ser contada, ela está sendo escrita por várias pessoas.
Alguém está escrevendo sua biografia?
Eu mesmo. Há uma comunidade do Orkut que uma família carioca montou e que se chama “Wlamir Marques, - somos fãs”. E para essa comunidade eu comecei a escrever minha história, estou escrevendo sobre conquistas esportivas e outras passagens da minha vida. Se quiserem, vocês poderão ver, estou escrevendo sobre o que me aconteceu em 1963. Estou contando sobre o Bi-Campeonato Mundial. Parei ali. Tem muita coisa, depois vem uma fase de Corinthians, eu fiquei dez anos lá, tem muita história. Até chegar aos dias de hoje, eu tenho a impressão que já vou estar lá com os anjos, alguém vai ter que terminar.
Em seus 36 anos de carreira, você conquistou mais de 40 títulos: campeonatos estaduais, brasileiros, sul-americanos e mundiais. Qual conquista mais o emocionou? Que lembranças você guardou desse momento?
Estou escrevendo sobre minha maior conquista, o bicampeonato mundial. Nossa equipe conseguiu a medalha olímpica de bronze, um grande momento, mas o bicampeonato mundial foi muito interessante, porque foi conquistado no Rio de Janeiro com a participação do torcedor carioca que é muito participativo, ele tem um sentimento esportivo mais intenso do que o do paulista. O bicampeonato mundial foi o último grande título do Brasil, nunca mais se conseguiu chegar próximo, chegamos só a um terceiro lugar. Então, foi a maior conquista do basquetebol brasileiro até hoje.
Na final vencemos os Estados Unidos, não é?
Sim. O último jogo foi contra os Estados Unidos e nós ganhamos por 85 X 81. E por que foi importante para mim essa vitória contra os Estados Unidos? É que uns dias antes, uns dez dias antes, nos Jogos Panamericanos de São Paulo, nós perdemos a final para os Estados Unidos, no lotadíssimo ginásio do Ibirapuera. Perdemos por uma diferença de 22 pontos. Nós amargamos essa grande derrota. Eles jogaram muito naquele dia. Todas as bolas caíam em nossa cesta. Foi decepcionante, dentro de casa, perder por 22 pontos. Mas, no Mundial ganhamos.
Geralmente os Estados Unidos não mandam equipes de profissionais, não é?
Agora mandam, a partir de 92 passaram a mandar. A partir de 92, nas Olimpíadas de Barcelona é que os profissionais do basquete americano foram autorizados a jogar. Foi quando criaram o Dream Team, muito conhecido até hoje.
Mas, de 92 para cá, os Estados Unidos não venceram todas.
Realmente, não. Na penúltima Olimpíada, em 2004, por exemplo, quem ganhou foi a Argentina, porque os EUA não levaram grandes jogadores. Mas na última ganharam porque levaram seus melhores atletas.
Eles se dão ao luxo de ganhar quando quiserem.
Sem dúvida. Desde os anos 60, os Estados Unidos estavam muito à frente. Já existia a NBA, todos os grandes jogadores da NBA passaram pela seleção olímpica, todos eles foram famosíssimos. Você não tinha chance quando eles levavam essas grandes seleções, eles eram absolutamente favoritos, só perdiam, quando levavam uma seleção, por exemplo, das Forças Armadas. Só por curiosidade, o primeiro campeonato mundial disputado, foi o de 1950, na Argentina. A Argentina foi campeã. Só que os Estados Unidos levaram a equipe da Chevrolet para representar os Estados Unidos. Em 1954, foi no Brasil e era para ser em São Paulo, por ocasião do IV Centenário. Mas, o ginásio do Ibirapuera estava sendo construído e quando faltava um mês para o começo da competição, caiu a cúpula do ginásio e não deu tempo para consertar. O Mundial foi transferido para o Rio. Eu estava nesse mundial, tinha 17 anos. O estádio do Maracanazinho, não estava terminado também. Você andava em cima de pedra, tábua, cimento, e improvisaram uma quadra ali no meio e foi disputado o Mundial. Em 59 nós fomos campeões, e em 63, também. Eu tenho duas coisas para contar, uma coisa que poucas pessoas sabem, porque o esporte é muito desvalorizado no Brasil, é que sou duas vezes campeão do mundo e duas vezes vice, mas o vice não é considerado. O Brasil vai agora para a África do Sul. Se o Brasil não ganhar no futebol, eles serão todos pichados, mesmo sendo vice. O Brasil tem que ir lá e ganhar. Em 16 de julho, o Brasil perdeu a copa de 1950. Eu me lembro, morava em São Vicente, e havia um serviço de alto-falante, que eles colocavam em vários postes, e nós ficamos ouvindo. E o Brasil perdeu. Foi a maior tragédia esportiva que houve no Brasil. Os uruguaios até hoje comemoram.
Fale-nos sobre seus companheiros de seleção, Amaury, Ubiratan, Rosa Branca... O que você se lembra dessa turma?
Vamos começar pelo Rosa. Eu o conhecia desde os quinze anos, ele jogava por São Carlos, ele era de Araraquara, começou a jogar basquete com o professor Julio Mazzei, foi da equipe do Santos. O Rosa, pelo potencial físico, muito cedo foi para a seleção brasileira. Ele foi convocado para primeira seleção brasileira, no campeonato Sul-americano. Em 1958, no Chile, ele foi para o Mundial, mas não como titular. O Rosa, em 1963, foi titular absoluto, quando ganhamos o bicampeonato mundial. Depois do São Carlos ele veio para o Palmeiras, em 1962, mas ele teve uma discussão com o técnico e com o clube e no mesmo ano ele se transferiu para o Corinthians, para onde eu também tinha ido. Nós ficamos no Corinthians, praticamente dez anos juntos. Inclusive, ele era meu afilhado. Eu era padrinho de casamento deles, dele e da Odete, a esposa dele.
Há uma história engraçada sobre a cerimônia de casamento do Rosa Branca. Você poderia contá-la?
Realmente é uma história interessante. Quando jogávamos no Corinthians, morávamos próximos e nós íamos ao clube diariamente. O Corinthians era mais nossa casa do que a nossa própria casa. E o Rosa me convidou para ser padrinho de casamento. Tudo bem. No dia do casamento dele, nós ficamos a tarde inteira no clube, jogando bocha, jogando baralho. Às seis horas, eu falei a ele: “Vamos, Rosa, vamos para casa, tomar um banho e ir para o seu casamento”. Fomos e depois fomos para a igreja. Para o casamento foi também o presidente do Corinthians, o Wadih Helu, foram várias pessoas, e estávamos lá e o Rosa nada, não chegava! Chegou uma hora em que eu não aguentei mais e perguntei para o padre sobre o que estava acontecendo. Aí o padre disse: “Mas vocês não estão sabendo? Ele adiou o casamento”. “Como? Não é possível, passei a tarde inteira com ele!”, respondi. Nossa, e para avisar todo mundo que estava ali?! Só sei que alguma coisa não deu certo e ele pediu para adiar o casamento, sem avisar ninguém!
E o Amaury? Fale sobre ele.
O Amaury esteve na seleção de 54 comigo. Eu tinha dezesseis anos e fui convocado para a seleção adulta e depois fui para o Mundial. Aliás, tem uma história interessante, porque o Amaury não foi convocado oficialmente, ele foi indicado pelo técnico do São Paulo, que disse tinha um jogador assim, com tais condições, e o Kanela, técnico da seleção, disse: “Então manda ele aqui”. Eu tinha 17 anos, ele tinha 18. No primeiro treino ele já impressionou e já era considerado titular. Ele começou a jogar basquete na Argentina, porque seu pai era argentino, foi famoso cabeleireiro aqui em São Paulo, tinha programa na TV, inclusive, era o Antoine, tinha um salão na praça da República e tinha um programa na TV Record.
E o Ubiratan?
Ah, o Ubiratan Pereira Maciel, o Bira. Ele também jogou comigo. Ele começou no clube Floresta, que hoje é o Esperia; não fez categoria de base, começou já com 18 anos, por causa do seu físico, alto, na época, hoje seria considerado baixo. Começou a se destacar, pela força física, não pelo lado técnico, mas pela força física. Nós não tínhamos jogadores altos naquela época, então ele apareceu como uma coisa diferente. Nesse ano de 63, o Corinthians o levou, foi para lá jogar comigo. Muito cedo ele foi para a seleção de adulto, mesmo não sendo um grande jogador, mas um jogador grande. Era um jogador de salto. Nós todos saltávamos bem, mas ele era mais, tinha equilíbrio, era elástico, não fazia exercícios, nada, era uma coisa natural, da pessoa. Não existia academia naquela época. Não fazíamos musculação, não tinha instrutor físico, o técnico fazia tudo.
Como está sendo essa sua experiência de professor universitário?
Dou aula em faculdade até hoje, preciso trabalhar, como ex-jogador não tenho ajuda. Eu falo para minha esposa, acho que está na hora de eu parar de dar aula. Não é porque estou velho, mas estou velho para esse tipo de atividade. O jovem para quem eu dou aula me respeita muito, me ouve, mas eu não estou mais querendo esse tipo de imagem, um professor, por mais títulos que possa ter. Meus alunos me ouvem, mas... Não sei se é para me agradar... Dou aula há 36 anos.
E como é sua relação com a Terceira Idade?
Eu não vivo com ninguém da minha idade. Apenas com minha mulher. Quando tem campeonato de master, eu não vou, eu não jogo. Eu tive um problema em 88, fiz uma cirurgia cardíaca, eu achei melhor não jogar mais.
O que você pensa sobre o envelhecimento de um atleta de alto rendimento? Quer dizer, não só no seu caso, mas dos atletas em geral, como é que o envelhecimento é percebido pelo atleta que fez tanto com seu corpo, que o trabalhou no limite para as competições? Que opções surgem para esses ex-atletas? As pessoas dessa geração passaram por dificuldades econômicas?
O fato de ser jogador profissional não quer dizer que seja rico, ou que vá ficar rico. Tem jogador de futebol que ganha mil reais, então vamos falar sobre os atletas de ponta. Eu sempre digo que esporte é vida, esporte é emoção e esporte é infarto. Porque ele não dá garantia de saúde para esses atletas. Exige-se muito do corpo. Mesmo sob orientação médica, há risco pelo grande esforço que se faz. Quando eu tive problema no coração, o médico disse que eu estava com o coração dilatado, com “coração de boi”, como alguns chamam. Em 88, eu tinha 59 anos de idade. Não foi só o esporte, na época eu fumava também, tinha cinco holerites, precisava trabalhar, precisava ganhar dinheiro; como professor, eu trabalhava um pouquinho em cada lugar. Demissão no Brasil se dá a torto e a direita. A vida do atleta de ponta não é uma vida regular como a de um civil, o desgaste é muito grande, não só físico, mas também emocional. Esses atletas sofrem muita pressão. Eu perdi muito da minha capacidade vital, com a cirurgia que fiz em 88.
A propósito, como você acha que o Brasil está tratando seus velhos?
Muito mal. Desculpe-me falar assim, mas em todos setores, há uma omissão, um desrespeito total pelos idosos. Você vai a um banco aí você vê... Por exemplo, eu vou ao Bradesco. O Bradesco tem um sistema de senha e tem o caixa. Nos dias de pagamento o aposentado pega uma senha e espera por uma hora e meia, duas horas para ser atendido. No Itaú, não tem senha e nem lugar para você sentar, todo mundo reclama, mas não tem solução.
O Estatuto do Idoso melhorou essa situação?
Nada. Não tem o Estatuto da criança? Ele é respeitado? Não. Ninguém respeita nada. O grande problema do idoso, é querer dar conselho a ele. Ele não quer conselho, ele quer dar conselho. Mas, ninguém quer ouvi-lo, porque acham que ele está gagá. Nos Estados Unidos, que tem uma grande população de idosos, o respeito que existe com eles é uma coisa espetacular. No Brasil, as coisas não andam bem. Aqui, você faz o que quiser, não há respeito. O trabalho do SESC é maravilhoso, porque encontra um espaço onde ele é respeitado, em todos os sentidos. Eu gosto do trabalho do SESC pelo trabalho que ele faz com a Terceira Idade, pela melhoria da condição física.
Hoje há muita informação para se preparar o envelhecimento, em áreas como alimentação e atividade física. Você acha possível se preparar para o envelhecimento? Você se preparou?
Eu não me preparei. Nós, atletas, não recebemos nada, por todos esses títulos que ganhamos, mais de quarenta, nunca recebemos um tostão. O que a gente ganhou foi medalha e troféu. Não sobrou nenhum dinheiro, absolutamente nada. Quando eu parei de jogar, em 1974, eu me formei professor de Educação Física, porque antes disso eu não tinha tempo para estudar. Eu ficava cinco, seis meses fora do país. Trabalhei na Universidade de Mogi das Cruzes, trabalhei na UNESP, em Rio Claro, coordenava o departamento de basquete do Clube Pinheiros, me virava na década de oitenta. Então, eu parei de fumar, porque eu dormia mal, ainda tive problemas emocionais como técnico de basquete, muita pressão, cobrança, eu não gostava de ser técnico, mas eu era obrigado para ganhar algum dinheiro. Muitas vezes, ia para a seleção contrariado, eu queria descansar, queria ficar com a minha família. No dia em que meu filho nasceu, eu estava no Chile numa concentração. A minha filha, nasceu em 1960, eu fui conhecê-la 40 dias depois, eu estava em Roma, na olimpíada. Então, eu queria sossego, mas não podia, eu pensava assim: “Se eu deixar de ir eu vou perder dinheiro”. Quando eu parei de jogar, tive que tocar minha vida de um jeito mais forte do que quando eu jogava, e eu, sinceramente, não me cuidei para chegar hoje a ter uma vida melhor, com mais saúde, mais saudável. Ninguém consegue, porque a vida vai deteriorando.
Mas, você não acha que essa atividade profissional o ajuda a se manter em melhores condições de saúde?
A minha atividade atualmente é a seguinte: eu dou aula na faculdade, e sou comentarista de basquete da ESPN Brasil. Eu comento os jogos, a partir de julho começam os mundiais, feminino e masculino. E minha atividade ficou restrita a isso, não tenho mais aquele volume de atividades que eu tinha antigamente. Talvez este seja o último ano que eu dê aula. Sabe por quê? Já pensou, saio da minha casa às 5h30 para chegar às 7h (ou mais) em Santo André para dar aula, todos dias? É muita coisa. E a volta, à noite, então eu penso muito nessas coisas. Hoje eu penso em parar.
Você está falando em trabalho, mas o seu lazer como é?
Não tenho. Meu lazer é só o computador. Sou sócio benemérito do Esperia, sou sócio do Corinthians, tenho a carteirinha, mas não frequento. Eu tenho uma casa perto de Caraguatatuba e tenho um apartamento na Prainha, em Caraguá também. Então, quando eu posso, eu vou lá. Gosto de praia.
O que você faz com o computador? Você tem o Orkut?
Eu tenho o Orkut e tenho contato com essa comunidade que mencionei. Há muita gente que me pergunta sobre jogos, garoto que quer conselho sobre o que fazer... Perguntam: professor, não estou conseguindo observar o jogo direito, o que será que tenho que fazer, eles pedem conselho...
Você falou dessa questão do conselho, que o velho quer dar conselho, mas não tem quem o ouça. Mas, pela internet parece que você tem sido ouvido pelos jovens. Você acha que nessas redes sociais esses conselhos são mais ouvidos do que no mundo real?
Muito mais. Mas, claro, é preciso falar com conhecimento. A credibilidade está em você falar coisas certas. Depois de uma semana, o aluno retorna: “Olha, professor, eu tentei fazer de sua maneira e deu resultado”. É assim. O meu lazer é esse. O meu passatempo principal, na minha vida, hoje, é esse aí. Outra coisa, eu jogo joguinhos. Quando vocês me chamaram eu deixei um em stand by.
Como, então, tem sido seu relacionamento com as gerações mais novas. Você acha que essa relação no mundo virtual fica facilitada? Porque você disse que são jovens que perguntam no Orkut. Essa relação com outras gerações são facilitadas no mundo virtual?
Ficam sim. Você não precisa marcar encontro, hora, nem nada. É livre a participação. Você também vê o outro, vê o outro lado, uma crítica, mas o cara te respeita. É importante esse meio virtual. Ele veio aliviar a vida de muitos idosos aqui. Quando ainda não havia computador, a gente escrevia a mão. Hoje, você escreve textos assim, sem precisar usar borracha para apagar. Se não fosse assim eu jamais escreveria sobre a minha vida. No computador é uma beleza. Há um livro sobre a minha vida em Piracicaba. Eu fiquei oito anos em Piracicaba. Chama-se “Um disco voador que pousou em Piracicaba”. As pessoas me chamavam de “Disco Voador”. Eu era também o “Diabo Loiro”, que agora mais velho, virou o “Diabo Branco”. “Disco Voador” porque eu saltava muito alto. Vivi 9 anos em Piracicaba. O autor do livro é o jornalista, Moacyr Nazareno. Tudo o que foi escrito a meu respeito no “O Diário de Piracicaba” e no “Jornal de Piracicaba”, transformou em livro. Uma repórter da ESPN Brasil, Carla Gomes, acha que eu tenho muitas histórias para contar e quer fazer um livro. Há, ainda, um outro escritor que quer comprar a minha história, porque ele é do Corinthians. Ficamos muito tempo conversando, ele me perguntou algumas coisas e foi anotando. Quando foi um mês atrás, ele me deu o trabalho terminado, ele ia atrás de uma editora, para ver se conseguia publicar. Não tem muita coisa publicada sobre o basquete brasileiro.
Como está o basquete no Brasil atualmente hoje? Desde a geração do Oscar Schmidt não temos tido conquistas importantes.
Pois é, o Brasil, depois de minha geração, teve mais uma geração competitiva, a do Oscar e do Marcel, até meados de 90. Ela não conquistou os mesmos títulos, mas manteve o basquete brasileiro no topo, entre os seis melhores países do mundo. Em 78, no Mundial nas Filipinas, o Brasil ficou em terceiro lugar. E houve aquele grande feito, a medalha de ouro nos Jogos Pan Americanos de Indianápolis, quando ganharam dos Estados Unidos lá dentro da casa deles. As participações olímpicas não foram ruins, o Brasil foi quinto, sexto, estava bom. Até metade da década de noventa, em 96.
E o que aconteceu daí em diante com o nosso basquete?
É o que acontece até agora: esse país vive do fenômeno, do talento individual. Por exemplo, o César Cielo. Ele apareceu de repente e foi esse sucesso, recordista mundial de natação, campeão olímpico, mas não fazemos atletas em série, com exceção do futebol, como fazem os Estados Unidos. O nosso vôlei tem tido renovação, sempre tem uma geração mais nova, só que o vôlei, não tem a evolução mundial que têm o basquete e o futebol. Você pega um campeonato mundial de basquete como nós vamos ter agora, tem dez países que podem ser campeões do mundo. No vôlei, dois ou três, no máximo. No basquete, ficamos à espera de fenômenos. Os fenômenos que nós temos, estão jogando fora do país.
É falta de patrocínio, é falta de direção da Federação, do governo, do Ministério dos Esportes?
O governo nós tiramos do caminho, porque se você esperar alguma coisa do governo no esporte, você está danado. Patrocínio não falta, em nível de seleção, Eletrobrás é patrocinadora, mas só para a seleção. Mas acontece que esses nossos jogadores, que são os melhores, que estão fora do país, jogando nos EUA, na NBA, eles não são donos de si. Eles têm donos. Todos eles têm, os que jogam na Europa também, há um investimento grande em cima deles. Geralmente, nas grandes competições eles não são autorizados a disputar ou estão contundidos pela carga de trabalho. O Nenê mesmo, ele teve um câncer de testículo há uns dois anos atrás. Agora, vamos ter um Mundial, começa em agosto ou setembro e trouxeram um técnico argentino, que foi campeão olímpico, pela seleção da Argentina. Se ele tiver todos jogadores brasileiro da NBA à disposição para formar a seleção brasileira, nós vamos ter uma boa equipe. Acho que não para ser campeã do mundo, mas capaz de não ficar em décimo sétimo lugar como ficou no último campeonato. Eu sempre digo, se estivermos entre os quatro será espetacular. Se ficarmos entre os seis estará ótimo, se for entre os oito, tudo bem.
Wlamir, grato pela entrevista.
Obrigado a vocês e parabéns ao SESC pela publicação do livro “Esporte para Idosos”, acho que será muito útil a estudantes e professores.