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O caminho para a competitividade

por Miguel Nítolo

Resultado de uma concepção simples, mas de enorme eficácia, as incubadoras de empresas se transformaram, nos últimos tempos, numa ferramenta de valor inestimável para o crescimento da nação, na medida em que são portadoras de meios capazes de alavancar atividades. Poucas iniciativas têm, como elas, a virtude de dar asas ao novo e de fortalecer o empreendedorismo, dois imperativos num mundo globalizado e cada vez mais competitivo.

Surgidas nos Estados Unidos na primeira metade do século passado, as incubadoras de empresas foram idealizadas com o propósito de servir de guarda-chuva aos projetos de indivíduos declaradamente empreendedores e que trazem consigo ideias inovadoras e passíveis de ser transformadas em produtos, processos e negócios sustentáveis, mas que não teriam forças para, sozinhos, caminhar da teoria à prática.

Em outras palavras, segundo Sérgio Risola, diretor executivo do Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), estamos diante de um mecanismo que estimula a criação de pequenas empresas por meio da formação complementar do empreendedor, em seus aspectos técnicos e gerenciais. Em atividade há 13 anos, o Cietec é um exemplo bem acabado dessas células de produção, conduzidas por indivíduos ativos e arrojados. A incubadora comandada por Risola nasceu de um convênio firmado pela atual Secretaria de Desenvolvimento do estado de São Paulo com o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo (Sebrae-SP), a Universidade de São Paulo (USP), o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), com a missão, segundo seu diretor executivo, de “apoiar a criação, o fortalecimento e a consolidação de empreendimentos inovadores e de base tecnológica”.

Nada de garagem, porão ou fundo de quintal, onde muitas empresas começaram a duras penas, mas, sim, de acomodações apropriadas, dotadas de área de produção, laboratórios e espaços para treinamento. E, de quebra, serviço de consultoria e assessoria nos campos contábil, financeiro, jurídico, mercadológico e técnico, para citar apenas alguns. “Como o próprio nome expressa, a incubadora é um local onde a empresa iniciará suas atividades mediante a observância de cuidados que miram, essencialmente, seu desenvolvimento”, explica Guilherme Ary Plonski, presidente da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec). Segundo ele, é comum os empreendedores serem apaixonados por seus produtos mas acabarem colocando em segundo plano as atividades relacionadas à gestão da empresa. “As incubadoras estão, pois, habilitadas a transferir conhecimentos e disponibilizar suporte nessa área”, garante Plonski, que também é professor da USP.

Um dos méritos das incubadoras, de acordo com as palavras de Risola, que também é o atual presidente da Rede Paulista de Inovação, é o fato de terem colaborado para reduzir o elevado índice de óbitos entre as micro e pequenas empresas. Conforme estatísticas do Sebrae, no Brasil a taxa de mortalidade desses empreendimentos gira em torno de 56% até o terceiro ano de vida, uma verdadeira carnificina. “Para conseguir lograr êxito em sua proposta, a incubadora oferece aos donos de projetos um ambiente flexível e encorajador, além de uma série de facilidades para o surgimento e o crescimento de novos negócios a um custo bem menor que o de mercado, visto que esses valores são rateados e, às vezes, subsidiados”, esclarece o diretor do Cietec. A Anprotec informa que a taxa de mortalidade das empresas que passam pelas incubadoras é de 20% – ainda no período de incubação – e de apenas 10% após a graduação.

Em linhas gerais, segundo a professora Regina Faria, gerente da incubadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o cenário atual é bastante favorável ao empreendedorismo inovador, tanto devido ao processo acelerado de expansão da economia quanto ao fato de haver linhas de crédito disponíveis para esse ramo empresarial. “Além das próprias incubadoras, temos hoje uma série de instituições que apoiam e financiam negócios dessa vertente”, ela afirma. Um exemplo é o Programa de Subvenção Econômica, operado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, que ampara grandes projetos e empresas nascentes através do programa Primeira Empresa Inovadora (Prime). “É uma experiência com resultado feliz em que as incubadoras selecionam projetos para receber R$ 120 mil. As empresas agraciadas são ajudadas e acompanhadas em seus passos iniciais, mesmo que não residam fisicamente na incubadora.” Em 2009, consta, foram contemplados quase 2 mil negócios inovadores em todo o Brasil e, em 2011, lembra Regina, será lançado um novo edital em moldes similares e com o mesmo objetivo.

Escora

Em seu material informativo, a Finep justifica esse empurrão financeiro com o argumento de que muitos dos empreendimentos inovadores nascentes apresentam fragilidades estruturais e diversas dificuldades de desenvolvimento porque seus fundadores se desviam do foco principal do negócio a fim de se dedicar a atividades paralelas para, segundo eles, garantir sua sobrevivência no curto prazo. O Prime funciona como uma escora às empresas nessa fase crítica, “possibilitando aos empreendedores uma dedicação integral à elaboração de produtos e processos e à construção de uma estratégia vencedora de inserção no mercado”. Uma boa notícia é que as empresas que atingirem as metas estabelecidas nos planos de negócios poderão candidatar-se a um empréstimo do Programa Juro Zero, que, de acordo com a Finep, foi criado com a finalidade específica de estimular o progresso das micro e pequenas empresas de fato inovadoras.

Se antes eram muitas as barreiras no caminho das empresas incubadas, agora, mesmo que ainda haja empecilhos, a constituição e operação de uma instalação do gênero é razoavelmente menos difícil de concretizar. Um dos principais desafios continua relacionado à inexistência de uma cultura empreendedora no país, um aleijão que afeta basicamente todos os setores da atividade. A professora Regina lembra também que o aquecimento do mercado e a elevada oferta de empregos geram, naturalmente, uma aversão ao risco. Muitas pessoas que poderiam estar investindo em um negócio próprio acabam preferindo, por acomodação ou receio, postergar ou, pior, desconsiderar a chance de viabilizar projetos muitas vezes factíveis e de interesse do país. Apesar de tudo isso, o Brasil ocupa posição de destaque no cenário mundial, despontando como o quinto maior parque de incubadoras de empresas do planeta.

“O movimento brasileiro de incubadoras é reconhecido internacionalmente, tanto pelo número de unidades em funcionamento quanto pela qualidade dos projetos”, destaca Plonski. Ele conta que são 400 as incubadoras de empresas em franca atividade no país, presentes em quase todos os estados, e que, juntas, abrigam mais de 8 mil empreendimentos inovadores, 1,7 mil deles já disputando o mercado (o tempo médio de incubação é de 4 anos). Números divulgados pela Anprotec mostram que o conjunto dos empreendimentos incubados gera um faturamento médio anual da ordem de R$ 2,5 bilhões. Além disso, 88% das incubadoras priorizam o desenvolvimento econômico regional e 100% dos municípios brasileiros com mais de 1 milhão de habitantes dão abrigo a essa modalidade de investimento. A Anprotec estima que 10 mil empresas inovadoras podem vir a ser graduadas até 2020, um salto fenomenal em relação ao quadro atual.

Esse número, porém, poderia ser ainda maior. Daisy Andrade de Melo e Souza, coordenadora de Empreendedorismo da Sociedade Mineira de Software (Fumsoft), que tem sob sua tutela a Insoft-BH, incubadora de base tecnológica localizada em Belo Horizonte, lembra aqui o resultado da pesquisa “Empreendedorismo no Brasil”, do Global Entrepreneurship Monitor (GEM). Conduzido pelo Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP) e outras instituições do ramo, o estudo levantou que o país em 2008 tinha a terceira maior população de indivíduos envolvidos em atividades empreendedoras, atrás apenas da Índia e dos Estados Unidos. “No entanto”, ela diz, “é elevado o número de ‘incubados’ que estão nessa situação por casualidade, tendo ficado claro que ainda são poucos os que colocam no mercado produtos efetivamente inovadores. Apesar disso, penso que esse panorama está mudando para melhor.”

É preciso dizer que as empresas que ganham espaço dentro das incubadoras não são escolhidas a bel-prazer (ou pelo menos não deveria ser assim). “Em geral, as incubadoras fazem um processo de seleção por editais, abrindo assim a oportunidade para que os candidatos apresentem seus planos de negócios”, explica Regina Faria, da UFRJ. Ela declara que “quase todas as incubadoras oferecem algum suporte para a elaboração desse trabalho”. Lembrando que o processo de seleção de novos projetos deve ser rigoroso e bem fundamentado, Risola, do Cietec, explica que eles são julgados de conformidade com os seguintes passos e requisitos: pré-seleção; realização de curso para capacitação para a elaboração do plano de negócios; viabilidade técnica e econômica do empreendimento; capacidade gerencial e técnica dos proponentes; e seleção final. Ele ressalta que as propostas devem ser avaliadas com base nos seguintes critérios: viabilidade tecnológica, econômica e mercadológica da empresa/empreendimento; equipe técnica; potencial de disponibilidade de recursos financeiros para a implantação; conteúdo tecnológico e grau de inovação dos produtos ou serviços; e potencial de interação com as entidades de ciência, tecnologia e ensino.

Prêmio Finep

É assim que as incubadoras têm legado ao mercado um sem-número de novas companhias. Muitas delas, com apenas alguns anos de atividade, já ocupam posição de destaque em sua área. Não é demais lembrar o nome de algumas: Bematech (automação comercial), Angelus – Ciência e Tecnologia (soluções odontológicas inovadoras) e Opto Eletrônica (áreas médica, industrial, de componentes ópticos, aeroespacial e de defesa). As duas últimas receberam, em 2009, o Prêmio Finep de Inovação, uma confirmação do grande potencial das incubadoras. A Bematech, por exemplo, que começou em 1989, iniciou sua caminhada dentro da Incubadora Tecnológica de Curitiba e, hoje, opera fábrica na capital paranaense e filiais em Nova York e em Taipé, capital de Taiwan. Detentora de várias patentes, a Angelus – fundada em 1994 e até 1996 na Incubadora Industrial de Londrina – exporta parte da produção para 50 países e já planeja marcar maior presença lá fora com a instalação de subsidiárias. A Opto Eletrônica, por sua vez, que principiou operações junto com o Centro Incubador de Empresas Tecnológicas da Fundação ParqTec, de São Carlos, no interior de São Paulo, tem atuação mundial, com exportações e unidades comerciais nos Estados Unidos e México, e representação em vários países.

A história das incubadoras teve início em São Carlos e em Campina Grande (PB) no final da década de 1980. Em 1991, a ideia chegou ao município paulista de Itu, cuja unidade teria funcionado como uma espécie de mola propulsora, estimulando o surgimento de outras instalações em diversas partes do país. “Desde sua fundação, ela tem como parceiros o poder público local e o Sebrae e, a partir de janeiro de 2009, passou a ser gerida pela Associação Comercial e Industrial de Itu”, relata Cláudio Luis Bellon, gestor da incubadora. Ele conta que já passaram por ali 67 empresas e que, no momento, somam dez as que estão abrigadas sob seu teto, negócios que rendem faturamento anual da ordem de R$ 1,4 milhão e dão emprego a 62 pessoas. “A prefeitura responde pela infraestrutura e o Sebrae pelas consultorias”, esclarece Bellon, informando que, periodicamente, a incubadora de Itu participa de encontros com as congêneres de outros municípios da região, como Sorocaba e Votorantim, quando as empresas aproveitam para expor seus produtos e, dessa maneira, facilitar a integração entre os empresários.

O Sebrae está quase sempre presente. Segundo Evelin Cristina Astolpho, da Unidade de Atendimento e Fomento do órgão em São Paulo, são disponibilizados às empresas incubadas programas de capacitação e consultorias em gestão empresarial, em mercado e em inovação e tecnologia. “Em 2008”, explica ela, “o Sebrae-SP investiu R$ 9,8 milhões em 79 incubadoras no estado e, para este ano e o próximo, o valor estimado do desembolso chega a R$ 20 milhões.”

É notório que o segmento está pronto para deslanchar uma nova ofensiva, agora como consequência dos avanços do Brasil e de sua posição como nação emergente. Além das aplicações internas, em franca expansão, o país comemorou, no ano passado, a entrada recorde dos investimentos estrangeiros diretos, aqueles destinados ao setor produtivo, que alcançaram US$ 48,5 bilhões, quase o dobro de 2009, quando teriam sido investidos aqui US$ 25,9 bilhões.

Diante de um quadro tão promissor, novas incubadoras começam a surgir, muitas delas amparadas por universidades, uma aposta da área educacional que tem ajudado a dar asas ao setor desde o primeiro momento. A Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, por exemplo, colocou para funcionar, recentemente, uma incubadora mista voltada, num primeiro momento, para o atendimento de projetos de arquitetura e design, economia criativa e tecnologia. “Ela opera num prédio situado de frente para o campus e ocupa área coberta de 300 metros quadrados”, conta o engenheiro Alexandre Nabil Ghobril, coordenador do Núcleo de Inovação e Tecnologia daquela escola. Mestre e doutor em administração, Ghobril relata que cada empresa dispõe de um espaço próprio de aproximadamente 16 metros quadrados. “A equipe de gestão da incubadora é composta de cinco pessoas, e ela conta, no momento, com 17 empresas apoiadas, dez no estágio de pré-incubação e sete no de incubação propriamente dito.”

Credenciamento

Por razões variadas, algumas incubadoras podem estar deixando a desejar, levando preocupação à Anprotec. “Diante disso, desenvolvemos o programa Cerne (Centro de Referência para Apoio a Novos Empreendimentos), que visa garantir que elas tenham procedimentos mínimos padronizados”, informa Plonski, o presidente da entidade. Ele declara que a partir deste ano, a Anprotec iniciará o processo de credenciamento de todas as incubadoras em atividade no país. A associação também está acompanhando com atenção o comportamento dos parques tecnológicos e os investimentos que são feitos nesse segmento. Essas unidades, grosso modo, representam um passo adiante em relação às incubadoras: parecem-se com elas em tudo, mas diferem num ponto crucial, já que seu objetivo primeiro é o desenvolvimento de tecnologia de ponta.

Plonski destaca que o número de cidades que podem e devem dispor de parques tecnológicos é limitado em razão do porte dos investimentos e da necessidade absoluta de ambientes propícios à pesquisa e ao desenvolvimento. “Os parques têm como característica principal a participação conjunta de empresas, poder público (municipal, estadual ou federal) e instituições de ensino, e seu objetivo final é, sempre, a geração de inovações indispensáveis à competitividade da nação”, explica Maurício Andrade, diretor executivo do Parque Tecnológico do Vale do Sinos (Valetec), de Campo Bom, no Rio Grande do Sul. Com 50 empresas associadas, o parque gaúcho gera 433 empregos diretos e patrocinou até agora 91 patentes industriais. No Brasil todo, a Anprotec informa que há 25 parques em funcionamento, outros 17 se acham em processo de implantação e 32 em fase de projeto. São iniciativas necessárias para um país que, mais do que nunca, precisa de ideias inovadoras para alavancar seu crescimento.