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Fauna em risco une esforços de biólogos

Animais em perigo de extinção mobilizam entidades e especialistas

HENRIQUE OSTRONOFF


Peixe-boi-marinho: "criticamente em perigo"
Foto: Fábia Luna

Em fevereiro de 2006, os biólogos George Brown, pesquisador da Embrapa Florestas, e Samuel James, do Centro de Pesquisa em Biodiversidade da Universidade de Kansas (EUA), se dirigiram até o quilômetro 418 da rodovia BR-040, no município de Conselheiro Lafaiete (MG). Nesse lugar, o ex-professor do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) Gilberto Righi havia registrado pela última vez, em 1969, a presença de uma espécie de minhoca considerada extinta desde 2002. Chegando ao local, os pesquisadores realizaram diversas escavações e, frustrados, não encontraram o que buscavam.

Após alguns dias, os biólogos voltaram a escavar. Dessa vez à beira da represa Bacia do Custódio, dentro do Parque Estadual do Itacolomi, em Ouro Preto (MG). Recolheram diversos exemplares de minhocas, entre os quais alguns que desconheciam, e os levaram para ser analisados em laboratório. Duas semanas depois, quando realizava o trabalho de dissecação, um procedimento indispensável para o zoólogo fazer o reconhecimento preciso de uma espécie, Samuel James resolveu "por desencargo de consciência" comparar um dos espécimes à descrição daquela considerada extinta. George Brown testemunhou a cena e conta que ouviu Samuel James gritar: "Ressuscitou!" Surpreendentemente, aquela minhoca era da espécie Fimoscolex sporadochaetus, tida como desaparecida. O pesquisador da Embrapa avisou o Ministério do Meio Ambiente (MMA), houve comunicação oficial do fato e a redescoberta virou notícia em órgãos da mídia nacional.

Pode-se perguntar o porquê de tanta comemoração. A minhoca-branca, como é conhecida, não passa de um pequeno invertebrado de 7 centímetros que vive embaixo da terra. O número de espécimes vivos é desconhecido e provavelmente eles ocupam apenas um ou poucos territórios muito restritos, explica George Brown, que estuda há quase 30 anos as oligoquetas – classe que compreende as minhocas. Além disso, trata-se apenas de um entre os mais de 10 mil tipos que se calcula existir no mundo, dos quais perto de 3,5 mil são conhecidos. O Brasil tem cerca de 350 espécies descritas, embora Brown acredite que no país haja mais de mil, levando-se em conta as descobertas frequentes de novas variedades.

George Brown responde à indagação citando uma ideia contida em The Formation of Vegetable Mould Through the Action of Worms (A Formação de Terra Vegetal por meio da Ação de Minhocas), livro de 1881 do naturalista inglês Charles Darwin: "Pequenas ações a longo prazo podem gerar grandes transformações". E acrescenta: "Nesse livro, Darwin enfoca justamente como as minhocas, mesmo sendo pequenas, ao longo do tempo, levando-se em conta a escala geológica, podem causar grandes transformações na paisagem geológica. Então sabemos que, se uma minhoca for extinta – e ela é importante para a criação de estrutura para arejar o solo, além de ser alimento para animais como passarinhos e muitos outros –, isso pode ter um efeito cascata em níveis diferentes de acordo com sua relevância no ecossistema". Justamente por isso, organizações governamentais e não governamentais ligadas ao meio ambiente têm feito grandes esforços para preservar espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção.

Lista de ameaçados

Os animais em situação de risco no Brasil não são poucos, o que pode ser verificado no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, uma caudalosa publicação lançada pelo MMA em 2008, com dois volumes e 1,5 mil páginas. Produzida desde 2002 por centenas de pesquisadores sob a coordenação técnica da Fundação Biodiversitas, uma ONG concentrada na preservação da biodiversidade, a obra é uma revisão de listas anteriores da fauna em perigo divulgadas desde o final dos anos 1960.

O levantamento não só descreve com detalhes as espécies ameaçadas como classifica-as em graus de risco, utilizando os conceitos da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla do nome em inglês), entidade do setor ambiental que aglutina milhares de especialistas de órgãos governamentais e ONGs de quase todo o mundo. Os critérios da IUCN levam em conta dados como tamanho da população, distribuição geográfica da espécie e ritmo da redução do número de indivíduos, entre outros. Esses fatores definem os níveis de ameaça às espécies, que vão de "vulnerável" a "extinta".

O Livro Vermelho relaciona 627 espécies que correm algum risco de desaparecer do território brasileiro ou mesmo da Terra, nos casos em que só ocorrem no Brasil. Dentre os animais vertebrados do país há 218 classificados como "vulneráveis", 104 "em perigo", 92 "criticamente em perigo", 2 "extintos na natureza" e 3 "extintos". Dos invertebrados, 112 "vulneráveis", 59 "em perigo", 33 "criticamente em perigo" e 4 "extintos" – na realidade, agora são 3, desde a redescoberta da minhoca-branca. E, apesar de o Brasil possuir uma das maiores biodiversidades, com estimativas de abrigar 13% da biota do planeta, sua fauna corre riscos sérios. Entre os vertebrados, 6,2% das 6.743 espécies do país sofrem algum tipo de ameaça, principalmente os mamíferos, que aparecem na lista com 69 espécies das 668 conhecidas, e as aves, com 160 das 1,8 mil registradas. Dos invertebrados, apenas 0,2% está ameaçado. Mas os insetos, embora reúnam cerca de 89 mil variedades, contribuem com 15% do total da lista, ou 96, duas das quais já extintas.

As aves maçarico-esquimó (Numenius borealis) e arara-azul-pequena (Anodorhynchus glaucus) fazem parte da lista dos extintos. A primeira, migratória, foi vista pela última vez em 1987. A outra, que vivia no sul do país, teve sua população reduzida já a partir de 1830, e em 1912 morreu a última de que se teve notícia, no Zoológico de Londres. Um único exemplar de um tipo de perereca (Phrynomedusa ?mbriata) foi registrado em 1898. Entre os invertebrados, um minhocuçu (Rhinodrilus fafner) que chegava a atingir 2,1 metros, uma formiga (Simopelta minima) e uma libélula conhecida como cavalo-de-judeu (Acanthagrion taxaensis) também desapareceram.

No entanto, o total de espécies extintas ou em risco pode ser ainda maior. De acordo com o biólogo Adriano Paglia, analista de biodiversidade da reconhecida ONG Conservação Internacional e um dos editores do Livro Vermelho, os números que se apresentam podem não refletir toda a realidade. "A principal razão disso é que nosso conhecimento da diversidade ainda é bastante reduzido. Sabemos muito pouco das espécies que existem hoje e menos ainda do que já se perdeu."

Causas da ameaça

Os perigos a que a fauna brasileira está sujeita não são novidade. Ainda segundo Paglia, "a destruição do habitat por queimada ou pela derrubada de floresta para permitir a implantação da agropecuária e de cidades é a primeira causa de risco de extinção. Outros fatores importantes, no caso de alguns organismos, são a caça, o comércio ilegal – a captura de animais para vender – e também a introdução de espécies exóticas, ou seja, aquelas que não são nativas da região, que pode afetar o equilíbrio ecológico do local e levar à supressão de uma série de organismos".

O Brasil é signatário de acordos internacionais de preservação do meio ambiente, como a Convenção sobre Diversidade Biológica e, desde 2002, possui uma Política Nacional de Biodiversidade. O MMA sustenta diversos programas voltados para a conservação da natureza e tem desenvolvido esforços para deter a destruição de biomas. No entanto, embora com intensidade menor do que nos últimos anos, o desmatamento galopa – somente de agosto de 2008 a janeiro deste ano a floresta amazônica perdeu área equivalente a duas cidades do Rio de Janeiro. Quanto ao cerrado, segundo estudos feitos na Universidade Federal de Goiás (UFG), em 40 anos estima-se que apenas metade do bioma será preservado, pois no período uma área equivalente a meio estado de Goiás deve desaparecer. Da mata atlântica restam menos de 10%, distribuídos por áreas fragmentadas.

Só em 2008, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apreendeu mais de 51 mil espécimes da fauna que estavam sendo traficados, dos quais cerca de 85% eram aves da ordem dos passeriformes – os passarinhos –, admiradas por colecionadores. De acordo com a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), o comércio ilegal de animais movimenta de US$ 10 bilhões a US$ 20 bilhões por ano no mundo, e o Brasil contribui com 5% a 15% do total – um exemplar de mico-leão-dourado, por exemplo, vale US$ 20 mil no mercado externo, e uma arara-azul-de-lear, US$ 60 mil. Além disso, são frequentes os atropelamentos de animais em rodovias que margeiam unidades de conservação, como parques nacionais e reservas biológicas.

Apesar do quadro pouco animador, e mesmo por causa dele, pesquisadores acadêmicos e ligados a associações de conservação da natureza se dedicam a proteger a fauna, lutando para evitar que as espécies hoje ameaçadas de extinção desapareçam. Algumas dessas ações são coordenadas pelo MMA. Outras são de iniciativa de ONGs, que recebem apoio e recursos do ministério, assim como de instituições públicas e privadas nacionais e estrangeiras, para viabilizá-las.

De acordo com Marcelo Marcelino de Oliveira, um dos diretores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao MMA, o órgão traça planos de ação para proteger espécies ameaçadas: "Primeiro, estabelecemos uma meta vinculada a um prazo, por exemplo o que podemos fazer em 5 anos para melhorar a situação de determinada espécie. Daí traçamos um conjunto de ações para alcançar esse objetivo. Então é firmado um compromisso, porque não se trata de uma iniciativa isolada do ministério e do Instituto Chico Mendes. Há uma série de atores nos estados, unidades de conservação, ONGs, pesquisadores. Na verdade, o que fazemos é organizar essas ações, comprometer-nos a executá-las e acompanhar e monitorar o avanço em cada etapa do trabalho". Atualmente, o ICMBio mantém planos de ação voltados para 18 espécies, "mas nossa perspectiva é atingir neste ano mais de 65. Embora seja ainda um número reduzido – se chegarmos a esse patamar serão apenas 10% das espécies ameaçadas –, estamos tentando ganhar o máximo possível em escala", afirma Oliveira.

De olho nos bichos

Um dos programas de preservação de espécie ameaçada é realizado pelo Centro de Mamíferos Aquáticos (CMA), órgão do ICMBio sediado em Ilha de Itamaracá, no estado de Pernambuco. De lá é coordenado o projeto de preservação do peixe-boi-marinho (Trichechus manatus), mamífero classificado na categoria "criticamente em perigo". Além dos trabalhos de pesquisa e monitoramento, animais encontrados encalhados nas praias ou doentes são levados ao CMA para recuperação e posterior reintrodução no habitat.

O mamífero, que pode atingir 4 metros e 600 quilos, era comum na costa entre o Espírito Santo e o Amapá, mas hoje tem sido visto apenas de Alagoas para o norte. A bióloga Fábia Luna, chefe do CMA, conta que relatos históricos do final do século 19 descrevem a existência no Maranhão de bandos de até 300 peixes-bois-marinhos. "Hoje no Brasil todo existem 500 indivíduos", afirma Luna.

A drástica redução da população se deu principalmente por causa da caça – seu couro era utilizado para a fabricação de correias industriais. A degradação do habitat do peixe-boi-marinho – mangues e estuários – e a presença de plásticos na água, consumidos pelos animais, também contribuíram para seu desaparecimento contínuo. Desde a última contagem, feita entre 1990 e 1993, quando pesquisadores percorreram o litoral e por meio de entrevistas com pescadores e observações calcularam quantos animais existiam, o número de indivíduos permanece o mesmo. Isso apesar dos esforços para preservar a espécie, que envolvem campanhas de conscientização contra a caça e monitoramento em pontos do litoral. "É bom saber que a população não diminuiu, esse é um dado positivo. Mas também não aumentou, o que é negativo. Esperávamos que ao longo desses anos pudéssemos ter um crescimento do número de animais", lamenta a chefe do CMA.

Outro animal que sofreu uma diminuição crítica de população foi o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus), conhecido também como mono-carvoeiro e mono. Esse primata encontra-se na categoria "criticamente em perigo" e não deve ser confundido com uma espécie semelhante, o muriqui-do-sul (Brachyteles arachnoides), que recebe também o nome de mono-carvoeiro e está classificado como "em perigo". Embora estime-se que haja cerca de mil indivíduos do primeiro e cerca de 1,2 mil do outro, a diferença de categoria pode ser explicada. De acordo com o biólogo da UFG Fabiano Rodrigues de Melo, que desenvolve ações de preservação da espécie, "como o muriqui-do-sul está em áreas mais extensas, e boa parte delas protegidas pelo estado ou pela União, o animal tem uma proteção maior. Ambas no entanto correm risco, já que uma espécie ameaçada que está na categoria ‘em perigo’ é tão problemática quanto uma ‘criticamente em perigo’". Enquanto os muriquis-do-sul habitam áreas dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e uma pequena parte do Paraná e estão abrigados em pelo menos 11 unidades de conservação, o muriqui-do-norte encontra-se em Minas Gerais, Espírito Santo e na divisa da Bahia com o estado mineiro, em terras privadas e apenas três áreas protegidas.

Ainda de acordo com Melo, pesquisa feita por Álvaro Coutinho Aguirre em 1971 estimou que, na época do descobrimento, no Brasil haveria 400 mil indivíduos das duas espécies na região de mata atlântica. E, como costuma acontecer, a diminuição de sua população tem a ver com a destruição e a fragmentação de seu habitat, além da caça, já que, ainda segundo Melo, o muriqui continua a ser capturado para servir de alimento. Para tentar reverter o quadro, Melo e outros especialistas vêm se mobilizando para localizar animais da espécie com o objetivo de protegê-los. Além disso, têm proposto a criação de unidades de conservação, como a Reserva Biológica da Mata Escura, o Parque Estadual Alto Cariri e o Refúgio de Vida Silvestre Mata dos Muriquis, todos em Minas Gerais, que surgiram para preservar o habitat do muriqui-do-norte.

O formigueiro-do-litoral (Formicivora littoralis) é uma das espécies da fauna brasileira que mais correm o risco de desaparecer do planeta. O pequeno pássaro de pouco mais de 10 centímetros aparece no Livro Vermelho do MMA na categoria "criticamente em perigo". E durante a edição de 2007 do Birdfair, evento promovido na Inglaterra que reúne observadores de pássaros de todo o mundo, foi considerado uma das quatro variedades de aves mais ameaçadas.

Localizado pela primeira vez em 1951, o formigueiro-do-litoral foi descrito somente em 1990. É a única ave endêmica de áreas de restinga e ocorre apenas em oito municípios do litoral do Rio de Janeiro. "Como ela habita uma faixa muito estreita de vegetação de restinga, tendo como limite sul Saquarema e, ao norte, o início de Armação dos Búzios, a pressão sobre essa ave é muito grande em termos do habitat, pois está em uma área bastante cobiçada para atividades de veraneio", explica Maria Alice dos Santos Alves, professora do Departamento de Ecologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Ainda de acordo com Maria Alice, que se dedica ao estudo da ave há cinco anos, existem cerca de 2 mil indivíduos da espécie, o que pode parecer um número elevado para ser considerada "criticamente em perigo". No entanto, "o problema é que, embora ela seja abundante onde ocorre, a ameaça ao seu ambiente é muito intensa. E se perde o habitat, ela não pode mais sobreviver". A situação é mais crítica na medida em que o com-com, como o formigueiro-do-litoral também é conhecido, não habita a restinga de Jurubatiba, uma área protegida pelo parque nacional de mesmo nome, localizada alguns quilômetros ao norte de Armação dos Búzios, nos municípios de Macaé, Carapebus e Quissamã. "Ele tem hábitos bem específicos, o que geralmente ocorre com espécies endêmicas, e não sobrevive em outros lugares além dessa faixa estreita de ocorrência."

As ações voltadas para a proteção da espécie envolvem estudos que contam com a participação de alunos de graduação e pós-graduação de Maria Alice, também presidente do Instituto Biomas, uma ONG voltada à conservação ambiental. Os pesquisadores se dedicam a observar as aves e algumas recebem anilhas metálicas coloridas para poder ser conhecidas individualmente. São feitos levantamentos detalhados do número de indivíduos, dos locais onde ocorrem, assim como de seus aspectos ecológicos: "Qual a dieta da espécie – trata-se de uma ave quase que essencialmente insetívora –, como ela ocupa o espaço, qual o tamanho da área de que necessita para sobreviver e reproduzir", explica Maria Alice.

O projeto de pesquisa do formigueiro-do-litoral foi iniciado por meio do incentivo da Fundação Biodiversitas e desde então tem recebido o apoio de ONGs, como a Fundação O Boticário, a BirdLife International, a Save Brasil e a Pingo d’Água, organização dedicada à educação ambiental, sediada na cidade fluminense de Iguaba Grande. Um plano de ação de proteção da espécie coordenado pelo ICMBio deve ser publicado ainda no primeiro semestre de 2009.

Reversão

"O mico-leão-dourado é o que a gente chama de uma espécie bandeira para a conservação. Por ter carisma, atrai a atenção das pessoas, e assim se consegue abrir mais o leque de informações e produzir alguns conceitos mais complexos", afirma a engenheira florestal e advogada Denise Rambaldi, secretária-geral da Associação Mico-Leão-Dourado, ONG criada em 1992 em favor da proteção do primata.

O animal virou símbolo da luta pela preservação não só da espécie como do meio ambiente, especialmente da mata atlântica, seu habitat. As ações para sua preservação começaram ainda no início dos anos 1960, quando o primatologista Adelmar Coimbra Filho fez um levantamento das áreas de ocorrência. A espécie, endêmica, habita apenas a floresta atlântica da baixada litorânea do estado do Rio de Janeiro e está presente em oito municípios. Na ocasião foram contados cerca de 200 exemplares.

Esse foi o impulso inicial para o estabelecimento do Programa de Conservação do Mico-Leão-Dourado, no começo da década de 1970, que resultou na criação de unidades de conservação voltadas para a preservação da espécie – a Reserva Biológica de Poço das Antas, em 1974, a primeira desse tipo no país, e a Reserva Biológica União, em 1998 –, além da instalação de uma área de proteção ambiental (APA) que cobre 70% da bacia hidrográfica do rio São João.

De acordo com Denise Rambaldi, não só a criação das áreas de conservação e a realização de pesquisas minuciosas sobre o mico-leão-dourado, mas também ações de educação ambiental e campanhas na mídia se mostraram eficazes na reversão do quadro de quase extinção do primata. Até 2003 o animal foi classificado como "criticamente em perigo" tanto pela IUCN como nas listas nacionais. A partir daquele ano, a situação melhorou, com a passagem para a categoria "em perigo". "É importante notar que é o primeiro caso de um primata ameaçado de extinção que consegue se recuperar a ponto de mudar o status na lista." Segundo Denise, a experiência mostra que pode ser muito mais rápido e barato proteger do que ter de recuperar lá na frente. Hoje, a associação estima que haja cerca de 2 mil micos-leões-dourados.

A ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) é um caso de espécie "extinta na natureza". Típica da caatinga, ela foi descrita pela primeira vez em 1818. Em 1986 foram vistas apenas três dessas aves, em Curaçá, no nordeste da Bahia, e em 2000 o último exemplar desapareceu. No entanto, existem hoje cerca de 60 indivíduos em cativeiro, distribuídos em zoológicos de Tenerife, na Espanha, Qatar, Alemanha e Brasil.

Yara Barros, doutora em zoologia e coordenadora do Programa de Reprodução em Cativeiro do ICMBio, trabalha com ararinhas-azuis desde 1995. Ela explica que o Programa de Recuperação da Ararinha-Azul, coordenado pelo ICMBio, tem como objetivo reintroduzir a espécie no habitat. Há, no entanto, empecilhos: "Existem poucos indivíduos em cativeiro. Além disso, a maior parte dessas aves está fora do país e não há como o governo brasileiro conseguir legalmente a propriedade delas", afirma. Por conta disso, o pareamento das aves tem sido feito com o deslocamento de ararinhas entre os locais em que se encontram. Yara acredita que é preciso atingir pelo menos 150 aves em cativeiro para começar a restituí-las à natureza. Dessa forma se garante um estoque de aves e evita-se um possível novo desaparecimento. "Estimamos em cinco a dez anos o prazo para poder começar as reintroduções", diz a coordenadora do ICMBio. Para que a quase extinção da ararinha-azul, causada principalmente pela caça para o tráfico, não volte a ocorrer, é mantida em Curaçá a Escola da Ararinha, que, além de atender cerca de 25 crianças e oferecer aulas de alfabetização para 30 adultos, já conscientiza a comunidade sobre a futura reintrodução da ave.

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