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Alma de menino
Escritor já aos 13 anos, Fernando Sabino é um operário das letras
JORGE LEÃO TEIXEIRA
Fernando Sabino, que recebeu o prêmio Machado de Assis de 1999, concedido pela Academia Brasileira de Letras, para o conjunto de sua obra, é um polivalente. Começou a escrever aos 13 anos, quando redigiu uma história para a revista "Argus", da polícia mineira. Depois fez crônicas para a revista "Carioca", na qual venceu um concurso de contos.
Adolescente, publicou em 1941 um livro de contos (Os grilos não cantam mais) que motivou uma carta elogiosa de Mário de Andrade, de quem se tornaria amigo e correspondente. Casado, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde foi nomeado serventuário da Justiça.
Se em Belo Horizonte iniciara com Hélio Pelegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos uma amizade que se tornaria tão sólida quanto a que unia os famosos mosqueteiros de Alexandre Dumas, no Rio passou a conviver com gente como Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Augusto Frederico Schmidt, Rubem Braga, Vinícius de Morais e Carlos Lacerda.
Em 1946, trocou o Rio por Nova York, onde ocupou um emprego no escritório comercial do Brasil. Aprendeu inglês e mergulhou na literatura inglesa e americana, ganhando uma visão nova do Brasil e do mundo. Enviava crônicas para o "Diário Carioca" e "O Jornal", reunidas posteriormente no livro Cidade vazia. Em 1948, com mais uma filha, um carro e uma geladeira, voltou para o Rio.
Teve um namoro com a política quando, impressionado com uma entrevista de Juarez Távora, fez cobertura da campanha presidencial de 1955 para o "Diário Carioca". Visitou 155 cidades com Juarez, tendo criado com Otto Lara Resende os slogans de sua campanha.
Morou em Londres entre 1964 e 1966, como adido cultural, lá chegando 15 dias após a derrubada de João Goulart pelos militares. Trabalhou como um mouro. Além do serviço diplomático, era correspondente do "Jornal do Brasil" e escrevia crônicas para revistas brasileiras. Casado pela segunda vez, somava então seis filhos.
Viajaria mais tarde pelas Américas, Europa e Extremo Oriente, escrevendo para jornais e revistas. A partir de 1972, começou a dedicar-se ao cinema, em parceria com David Neves, realizando uma série de documentários sobre Hollywood para a TV Globo, embrião da Bem-Te-Vi Filmes, para a qual dirigiu documentários sobre escritores brasileiros. Com Rubem Braga, fundou duas editoras bem-sucedidas: a Editora do Autor e a Sabiá.
Na Sabiá marcou época como editor. Rubem Braga, Vinícius de Morais, João Cabral de Melo Neto e Clarice Lispector foram alguns dos escritores editados.
Operário das letras
Trabalhador infatigável, Sabino já escreveu 41 livros: romances, novelas, contos, crônicas, memórias, infantis, uma leitura do Evangelho e até um Dicionário de lugares-comuns, a maioria com várias reedições. O encontro marcado está na 99a edição, enquanto O grande mentecapto e O menino no espelho atingiram 55 edições.
Quando indagam por que é tão lido, ele responde que segue o conselho de André Gide: entre duas formas de dizer, escolha sempre a mais simples. "Mas não me sinto realizado. Mesmo porque, no dia que me sentir, serei um homem acabado."
Talvez por isso, Sabino jamais dispensa novos projetos. Está coletando seus escritos esparsos na imprensa ou conservados nas gavetas, para reuni-los num livro. A busca nas gavetas resultou num achado curioso: a peça escrita a pedido de Cacilda Becker, A noite única, que a morte da atriz impediu que fosse montada.
A morte não assusta Sabino. "Acostumei-me a sua presença, e, à medida que o tempo passa, o medo diminui. O que sinto é pena de sair daqui. A vida tem sido boa, dando-me mais do que eu esperava e merecia", diz.
A memória das amizades é o que faz recuperar a criança que existe dentro de todos nós, afirma. "É também o que me permitirá morrer em paz", diz. "Já tenho até o meu epitáfio pronto." E o recita, tranqüilo:
"Aqui jaz Fernando Sabino. Nasceu homem, morreu menino".
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