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Em cartaz no Sesc Pompeia até 2 de agosto, a exposição Arte Para Crianças (veja boxe Para os pequenos) quebra o paradigma segundo o qual a sofisticação, a complexidade e o apuro seriam somente “coisa para adulto”. Muito ao contrário, o evento, que reúne alguns dos mais importantes artistas contemporâneos nacionais e estrangeiros, vem – desde 15 de maio, quando foi inaugurado – atraindo um grupo cada vez maior de pequenos. Segundo os organizadores, o público exigente aprovou a iniciativa, tanto que pedem aos pais para voltar. “[Fazer e organizar arte para criança] prioritariamente é não infantilizar o conhecimento nem a capacidade de aprendizado dela”, afirma a produtora cultural, doutora em história da arte e organizadora da mostra do Pompeia, Daiana Castilho. “Em segundo lugar, é preciso lembrar que a gente está formando o cidadão que vai ver a arte do futuro. E um terceiro aspecto está muito mais ligado à produção de exposições em si porque produzir para esse público é totalmente diferente de produzir para qualquer outro tipo de público.”
Daiana explica ainda que é imprescindível para um evento de arte para criança estar cercado de todo o cuidado, inclusive no que diz respeito à segurança, já que há muita interação com as obras. “Estamos falando de um público muito sensível em todos os sentidos”, diz a produtora. “Ele é muito sensível ao que você apresenta a ele, ele dá uma resposta completamente imediata, se ele gostou ele vai mostrar isso, se não, ele diz imediatamente que não está legal, que não está bom.”
No que diz respeito à produção no campo das artes plásticas e visuais voltada para a criança, Daiana acredita que “há uma lacuna muito grande” na oferta de eventos. “E acho que isso acontece mesmo nos outros campos, no teatro ou com shows de música, por exemplo”, afirma. “As poucas produções que existem têm uma demanda enorme, dificilmente quem tem filho hoje consegue, durante um mês, levá-lo em quatro diferentes eventos durante esse período. Não há uma oferta que supra essa demanda.” No caso das artes plásticas, Daiana define o mercado como absolutamente restrito. “Até mesmo antes de começar a trabalhar na Arte Para Crianças, eu conhecia pouquíssimos eventos, um ou dois, no Brasil, que já faziam coisas para crianças”, diz. “E nos últimos tempos, salvo engano, há duas ou três exposições feitas especificamente para esse público. Então é um mercado que tem uma lacuna gigantesca, mas que ao mesmo tempo tem uma resposta maravilhosa, porque o que você faz é sempre muito bem recebido pelo público [infantil]. Ele dá um retorno imediato, desde que você esteja disposto a trabalhar na qualidade que ele exige.”
Respeito à inteligência
Por outro lado, para o músico Marcio Coelho, que se dedica exclusivamente ao público infantil, a produção musical para os pequenos “vai de vento em popa”. “Há um movimento crescente de pessoas se dedicando quase integralmente à canção infantil. E isso é muito bom.” Segundo Marcio, a música infantil passou por um intervalo desde a produção da Coleção Disquinho, de Braguinha, nos anos de 1960 e 1970, até o lançamento de Quero Passear, de 1988, do Grupo Rumo – na sua opinião, clássico do gênero. “Durante esse hiato, o mercado ficou cheio de oportunismos, ou seja, pessoas que fazem música para crianças, mas não com o intuito de fazer uma música de qualidade para esse público, uma música que respeite a capacidade intelectual da criança, que tenha os mesmos atributos de arranjo [da música adulta] e tudo mais, mas sim pessoas interessadas nos subprodutos que essa canção geraria.” O músico afirma que a situação sofreu uma feliz guinada desde o início da década de 1990. “Diversas pessoas começaram a trabalhar nessa área: eu e Ana Favaretto [também compositora e parceira de trabalho], o Hélio Ziskind na Cultura. Então, isso tudo tinha que aparecer uma hora.”
E pelo visto, de fato, apareceu. Por exemplo, o programa Cocórico, da TV Cultura, cujas músicas são de Ziskind, pode ser considerado um sucesso entre os pequenos. “A criança tem total condição de escolher o que é bom”, afirma Hélio Ziskind. “Se ela tiver em volta dela um contexto favorável para que preste atenção em si mesma em vez de ficar imitando os outros que nem macaco, tudo funciona.” Para o músico, escolher é uma coisa que se aprende desde pequeno. “Depende de o vínculo com a música ser verdadeiro.”
De acordo com Ziskind, para fazer música endereçada ao público infantil, deve-se seguir certos preceitos – no seu caso, bem particulares. “Tem duas coisas diferentes: uma é a parte musical propriamente e outra é a questão da letra”, explica. “Na parte musical, atualmente eu digo que a música é como o mar, a música é a mesma para adultos e crianças, não tem diferença, a música é uma só, só que tem gente que nada no raso e gente que nada no fundo. E pode ter adulto que nada no raso e criança que nada no fundo. Eu não faço distinção quando estou criando para criança e quando estou criando para adulto.” No que diz respeito a separar o público adulto do infantil na hora de criar, Marcio Coelho assina embaixo da afirmação de Ziskind. “E só não faz dessa maneira quem não faz música para criança de forma responsável”, complementa. “Ou seja, o principal é respeitar a capacidade intelectual da criança.”
Uma boa história
Tratar a criança com o devido respeito também é a regra número um na boa literatura para os pequenos. Ao menos é essa a opinião de duas feras na área: Ruth Rocha e Tatiana Belinky. “A minha linguagem se prende a um sentimento muito forte de solidariedade pelas crianças”, declara Ruth. “Além disso, tenho para mim que, embora as crianças passem por momentos de alegria, de riso e de graça, em outros elas sofrem injustiças, infelicidade, impotência, tristeza, castigos... Sinto que as crianças não são tão felizes como muitos pensam.” A escritora diz ainda que desse pensamento nasceu “uma grande cumplicidade” entre ela e o seu público. “Nesse sentido, acredito que eu consiga falar com elas por meio dos meus livros. Na verdade, escrevo como quem está falando, como quem está contando histórias.”
Tatiana afirma que desde muito pequena aprendeu a lidar com crianças ocupando uma posição um tanto de educadora. “Minha mãe era dentista e trabalhava o dia todo, acabei sendo ‘irmãe’ do meu irmãozinho, dava banho, comida, levava para a escola”, diz. “Tenho uma experiência pessoal com criança por isso.” A escritora foi a primeira a adaptar a obra O Sítio do Pica-pau Amarelo, de Monteiro Lobato, para a TV e também já atuou como tradutora, além da produção como poeta e ficcionista – tudo para a criançada. “Gosto de escrever histórias de terror para as crianças”, conta. “Elas gostam de se sentirem apavoradas. É normal e necessário que a criança chore, ria, tenha medo. Eu era uma menina esquisita, não chorava e não mentia, ficava com o choro recolhido.”
Para a escritora, é importante que se tome contato com diferentes emoções desde a primeira idade. E a literatura é, segundo ela, um ótimo meio para isso. “Rir, chorar e ter medo de faz-de-conta faz bem”, recomenda.
O que muito se discute hoje quanto à produção artística para as crianças são as transformações pelas quais o mundo passou nos últimos vinte anos – sobretudo quando falamos das telecomunicações, que tornaram parte da infância itens como a interatividade em tempo real da internet e a profusão de informações que chegam, muitas vezes, sem um filtro adequado para as crianças. Para Ruth Rocha, no entanto, essas coisas vêm e vão e a literatura fica. “As histórias que faziam sucesso há trinta anos continuam fazendo sucesso até hoje”, avalia. “Veja o caso do Menino Maluquinho [de Ziraldo]. Nossa linguagem [refere-se à produção dos anos de 1960 e 1970] era tão moderna que não houve alteração.”
Quando o assunto é a forma como se devem transmitir assuntos mais delicados às crianças, Ruth reconhece que toda a atenção é pouca. “Tudo o que é feito para a criança demanda cuidado”, assegura. “A mensagem não precisa ser transmitida de forma tão explícita. O autor tem de ter um veículo, ou seja, uma história boa, em que personagens se movimentem de modo verossímil. Feito isso, ele pode tratar de qualquer tema.”
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Observação
Apresentar narrativas temáticas que transmitam informações também é papel do teatro infantil. Embora haja muita gente boa fazendo teatro infantil atualmente – nomes que vão desde os veteranos Vladimir Capella e Ilo Krugli até novatos como Claudia Vasconcelos e Carlinhos Rodrigues –, essa forma de expressão ainda perde com o amadorismo mostrado em algumas produções. “É um círculo vicioso”, explica Dib Carneiro Neto, jornalista, crítico e dramaturgo. “De fato, há produções fracas, improvisadas demais, que acabam por aumentar o estigma de ‘teatrinho’”. O jornalista garante que esses espetáculos pouco compromissados com a qualidade e o profissionalismo acabam por afastar o público. Isso torna as produções pouco rentáveis – “pobres, deficitárias e deficientes”, categoriza Dib. Assim, as produções continuam ruins, num crescendo que, por sua vez, afasta a mídia. “Se a imprensa dá menos espaço, as peças também não se viabilizam, pois elas precisam de divulgação”, continua. “Sem divulgação, não há público. Sem público, não há dinheiro. Sem dinheiro, não há um mínimo de cuidado com a qualidade técnica e visual. Enfim, é mesmo um círculo vicioso.”
Para o crítico, o principal é eliminar o preconceito. “Não só do público, que tacha injustamente o teatro infantil de ‘teatrinho’, mas também o preconceito dos produtores com relação aos temas a abordar, da imprensa com relação aos espetáculos, e dos adultos com relação às crianças”, afirma.
Segundo a diretora Cristina Lozano, que tem no currículo, entre outros espetáculos, o elogiado As Roupas do Rei, de 2002 – concebido a partir de texto de Claudia Vasconcelos –, é importante também ter os olhos abertos para a visão estritamente comercial que ainda ronda a produção teatral e televisiva para crianças. “Muitas vezes, a coisa vem absolutamente pronta e a criança simplesmente deseja um produto”, explica Cristina. “Não há um questionamento se aquilo lhe serve, se lhe é bom.” Procurando uma abordagem que apontasse para um caminho inverso, Cristina opta pela delicadeza e pelo diálogo com o universo infantil em seus espetáculos. Resultado: As Roupas do Rei foi escolhida como a melhor peça infantil pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), na época. “Tudo começa quando o texto consegue ser abrangente em todos os sentidos, levando em conta as formas como a criança observa as coisas, como ela recebe as informações externas”, finaliza Cristina.

O público infantil é o centro das atenções de uma série de eventos em várias unidades do Sesc São Paulo
Foram lançamentos de CD, mostras de arte, shows musicais e até festival de cinema. Tudo voltado especialmente para o público infantil. Claro que as atrações também fizeram a alegria dos mais velhos, mas as convidadas de honra eram mesmo as crianças.
Até o dia 2 de agosto, fica em cartaz, no Sesc Pompeia, a exposição Arte Para Crianças, cujo objetivo é mostrar que arte contemporânea é, sim, acessível a todas as idades. O evento tem curadoria de Evandro Salles e é organizado pela produtora cultural Daiana Castilho. “A ideia da curadoria é apresentar a esse público o supra-sumo, o melhor da arte contemporânea”, explica Daiana.
“Por isso mostrar arte de alta qualidade em diferentes suportes.” A mostra mistura escultura, vídeo-hist órias e instalações de 16 artistas brasileiros e estrangeiros. Nomes como os de Amílcar de Castro, Athos Bulcão, Cildo Meireles, Eder Santos, Nuno Ramos, Tunga e Yoko Ono. “Hoje vale o entendimento de que a criança precisa ser infantilizada, precisa ter o conhecimento infantilizado, para que a coisa chegue até ela”, teoriza a organizadora. “E o objetivo da curadoria é justamente o contrário, é mostrar que durante a infância o indivíduo tem um aparato intelectual absolutamente preparado e aberto para receber as informações mais sofisticadas.”
Parte da programação do Sesc Pinheiros até 23 de agosto, a mostra Proibido Não Tocar – Crianças em Contato com a Obra de Bruno Munari, concebida pela instituição italiana Museo Dei Bambini (museu das crianças), origina-se da produção do designer ?italiano para também provar que arte não é intocável, em todos os sentidos. A programação é mais uma aposta do Sesc São Paulo de oferecer ações de alta qualidade para o público em idade pré-escolar. “Um público cujo profundo universo imaginário é a base, o suporte, a pedra fundamental do que seremos quando adultos”, afirma o diretor regional do Sesc, Danilo Santos de Miranda, no catálogo da exposição. A mostra interativa é composta de quatro blocos divididos entre duas instalações, uma sala de jogos e um laboratório.
Entre os dias 24 e 28 de junho, foi realizado, no Sesc Pompeia e Ribeirão Preto, um dos mais importantes eventos da América Latina voltado à música infantil: o Encontro Internacional Latino-Americano da Canção para Crianças, com curadoria dos músicos Marcio Coelho e Ana Favaretto, que trouxe grandes nomes do gênero vindos da Argentina, de Cuba, do Uruguai e da Colômbia, além dos representantes brasileiros. No palco do evento, pisaram nomes-chave da produção musical para crianças, como o argentino Luis Pecetti e o brasileiro Hélio Ziskind. Também foi apresentado durante o evento o espetáculo Na Casa da Ruth, concebido e interpretado pela cantora Fortuna a partir de poemas de Ruth Rocha. A intérprete dividiu o palco com as crianças do Coral Infantil do Sesc Vila Mariana, sob regência de Gisele Cruz. “Não imaginávamos fazer um trabalho que, além de ser gostoso, bonito e divertido para as crianças, pudesse ser tão bem aceito pelo público”, comenta Gisele. “Preparar as crianças para esse trabalho foi uma experiência de aprendizado para todos nós, e ver o coro no palco sozinho, pleno, seguro do trabalho que faz foi uma emoção imensa.” Esse mesmo show foi registrado, numa outra ocasião, e transformou-se num DVD lançado pelo Selo Sesc e pode ser encontrado na loja virtual da instituição (www.sescsp.org.br/loja).
Já no CineSesc, de 12 a 19 de julho, o assunto foi cinema, com o projeto Cineclubinho, que reuniu 13 curtas-metragens brasileiros, com diferentes técnicas de animação, para pais e filhos curtirem as férias juntos. Entre os destaques, a animação em 3D Icarus (2007), de Victor-Hugo Borges, baseada em contos infantis e que conta a história do personagem-título, um garoto de quatro anos, que vive numa grande cidade e que se sente só, pois seus pais trabalham muito; e o divertido Calango! (2007), de Ale Camargo e também em 3D, que mostra o lagarto do título tentando almoçar um grilo – mas, claro, as coisas não saem exatamente como ele espera.