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A Fórmula da Água

A Fórmula da Água
por Ivanildo Hespanhol

Doutor em engenharia ambiental pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, e em saúde pública pela Universidade de São Paulo (USP), o professor Ivanildo Hespanhol divide-se entre as aulas de pós-graduação em conservação e reúso de água que ministra no Departamento de Engenharia Ambiental da Escola Politécnica da USP e a diretoria do Centro Internacional de Reúso de Águas Cirra, órgão sem fins lucrativos ligado ao departamento da Poli. O centro funciona nos campos do ensino, pesquisa e extensão e, entre suas atividades, presta serviço para indústrias, firmas de consultoria, alguns ministérios – como os do Meio Ambiente e da Educação – e atua com agências de fomento, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Na conversa que teve com o Conselho Editorial da Revista E, ?Hespanhol abordou diversos temas ligados à água, seu uso e reúso. Entre os assuntos, o convidado desta edição falou sobre a situação dos mananciais de São Paulo, indicou o caminho para a recuperação dos rios que cortam a cidade e alertou sobre o que cada um de nós, em todos os setores da sociedade, pode fazer para consumir racionalmente esse que é um dos bens naturais mais preciosos para o homem. A seguir trechos:

Os rios de São Paulo

Essa história [sobre os rios que cortam a cidade terem salvação] é comprida. Vou começar falando sobre o sistema de abastecimento de água de São Paulo. A cidade hoje distribui, na Região Metropolitana, aproximadamente 70 metros cúbicos de água por segundo, ou seja, 70 mil litros de água por segundo. Há um coeficiente de retorno usado pelos engenheiros e que constata que 80% da água distribuída a uma comunidade volta como esgoto – nós usamos e ela sai de nossa casa como esgoto. Então, se nós temos 70 metros cúbicos distribuídos, temos 56 metros cúbicos por segundo de esgoto gerado. As cinco estações do Projeto Tietê – Barueri, Parque Novo Mundo, Suzano, ABC e São Miguel – têm capacidade instalada de tratamento de 18 metros cúbicos por segundo. Nós geramos 56 metros cúbicos e temos capacidade de tratar 18 metros cúbicos – na verdade, tratamos apenas 13 metros cúbicos, porque as linhas-tronco das adutoras são posteriores às estações de tratamento. Ou seja, se geramos 56 e tratamos 13, onde fica o restante? No rio Pinheiros, Tietê, Tamanduateí.

Agora, sobre melhorar os rios, não há dúvida: se pararmos de lançar esgoto neles, eles vão melhorar. Não é preciso fazer nada. Eles vão degradando a matéria orgânica e decompondo-a. Em questão de alguns anos teremos rios limpos. Isso foi feito no Tamisa [rio que corre ao sul Inglaterra e que passa pela capital, Londres].

Foram colocados interceptores nas margens para coletar o esgoto e em pouco tempo o rio foi saneado.

Desperdício

A gente tem muitas formas de melhorar a conta de água em casa. A primeira coisa é checar os vazamentos.

Temos os dados médios do Brasil que mostram que antes de abrirmos a porta do banheiro, nós já temos uma perda de cerca de 17% [de água] – ou seja, uma perda bastante significativa. Uma vez eu fiz uma reforma na minha cozinha e minha mulher queria uma máquina de lavar louça. Eu fiquei observando a forma como as pessoas lavam o prato antes de colocar na máquina; percebi que elas colocam o prato embaixo da torneira, passam a esponja e depois colocam dentro da máquina para lavar. Pensei que se desse mais uma volta com a esponja no prato, ele já estaria limpo. Mas, enfim, perdi a briga (risos). Mas a indústria está contribuindo. Hoje temos máquinas domésticas que lavam mais quilos [de roupa] com menos água, e há umas que estão vindo do Canadá e dos Estados Unidos e que prometem economizar mais.

Outra grande perda nas residências são as descargas. Nós temos hoje que mudar nossas descargas de válvula usuais para caixas acopladas, pois a vazão dessas válvulas é de aproximadamente dois litros de água por segundo – então, se a gente aperta a descarga por dez segundos, o que é normal, já gastamos 20 litros de água. Existe certa dificuldade para efetuar essa troca, pois há necessidade de fazer uma pequena obra no sistema de coleta de esgotos da bacia sanitária, ou seja, implica custos, mas acho que vale a pena. Na parte de lavatórios, o Brasil já está contemplado com as torneiras automáticas, que dão vazão e param, mas em relação aos chuveiros isso ainda não acontece. Ainda assim, hoje em dia temos chuveiros com introdução de ar que dão a impressão de se dispor de uma vazão menor.

O professor Ivanildo Hespanhol esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E em 20 de maio de 2009

Mananciais

Há algum tempo, os mananciais eram limpos. Quem recebe água do [manancial] Cantareira tem uma água relativamente limpa hoje. Mas o Guarapiranga, que é o segundo manancial de São Paulo, com algo em torno de 16 metros cúbicos por segundo, está significativamente degradado, principalmente por esgotos domésticos. O Alto Cotia é o melhor reservatório de São Paulo, mas tem uma vazão pequena. O Baixo Cotia é um dos piores reservatórios do mundo e abastece regiões nobres de São Paulo, como Alphaville. Há 10, 15 anos, ele era um reservatório limpo. Mas a bacia de drenagem do Cotia abriga o que se poderia chamar de parque industrial mais poluidor do mundo. Lá eles fabricam garrafas do tipo PET, usam um produto químico chamado ácido ftálico, em dosagens significativas. O ácido ftálico é um disruptor endócrino, um hormônio. Esses elementos poluidores modernos adentram a estação de tratamento de água, que não tem condições de removê-los. O reservatório Billings, por exemplo, não tem condições de abastecer a rede de distribuição pública de água com tratamento convencional apenas. Portanto, as condições de nossos mananciais são, hoje, extremamente críticas.

Reúso macro

Acho que todos têm responsabilidade [sobre o uso consciente da água], cada indivíduo, em casa. Mas o grande reúso, que eu chamo de reúso macro, não está sendo pensado ainda no Brasil. Eu disse que o abastecimento em São Paulo é de 70 metros cúbicos por segundo, mas quanto dessa água é usado para fins potáveis, para beber, tomar banho, cozinhar? Eu diria que, no máximo, uns 30 metros cúbicos. O que sobra dessa conta, ou seja, 40 metros cúbicos, representa o potencial de reúso na cidade de São Paulo. Nós poderíamos usar para reserva de incêndio, lavagens de rua, irrigação de parques esportivos, fontes luminosas, enfim, para uma infinidade de usos urbanos não potáveis. A Sabesp [Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo] tem hoje programas de reúso de água, mas acredito que eles serão dedicados a vazões relativamente baixas, se comparadas com as grandes vazões distribuídas na Região Metropolitana de São Paulo. Se fosse exercida a prática de reúso, utilizando os 40 metros cúbicos restantes, para fins não potáveis, em vez de usar a água potável, não haveria necessidade de importar água, como se vem fazendo atualmente.

 


“Se pararmos de lançar esgoto neles [nos rios da cidade], eles vão melhorar. Não é preciso fazer nada. Eles vão degradando a matéria orgânica e decompondo-a”