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Giz, lousa e revólver

Que postura devem assumir os professores e demais profissionais de educação frente aos índices alarmantes de violência nas escolas? A seguir, depoimentos relatam experiências pessoais vividas no cotidiano dos colégios e apontam as possíveis soluções para reverter essa situação


Ana Paula de Oliveira Corti
Dentre os vários desdobramentos da violência na escola, um deles parece atingir de forma mais direta a atividade pedagógica: trata-se do agravamento dos conflitos na relação professor-aluno.
Quando a violência se instala na unidade escolar, passa a desencadear um sentimento de insegurança e intimidação, que atinge todos os atores escolares, muito embora existam casos em que o sentimento de insegurança não se relaciona diretamente com a experiência concreta da violência, e sim, com um imaginário social construído em torno da possibilidade de todos e qualquer um tornar-se vítima dela.
Os desdobramentos do sentimento de insegurança são sentidos de forma dramática pelos professores na medida em que seu trabalho depende, em alto grau, da qualidade das relações interpessoais processadas na sala de aula. Um dos aspectos mais negativos do sentimento de insegurança é que ele empobrece as vivências coletivas, já que a relação com o outro passa a ser vista com desconfiança e temor.
Dentre tantos desafios hoje colocados ao professor, três deles relacionam-se diretamente à questão da violência escolar: o primeiro desafio diz respeito à relação que ele deve estabelecer com grupos de indivíduos de faixa etária distinta da sua, que apresentam comportamentos e valores pertencentes ao mundo juvenil. Boa parte desses valores são construídos e expressos por oposição ao mundo adulto, num movimento de diferenciação cultural que certamente anuncia possibilidades de conflito.
Um segundo desafio consiste em enfrentar o novo quadro de comportamento juvenil, bastante marcado pela valorização do risco e também pela adoção de relações de força no encaminhamento das relações interpessoais.
O terceiro desafio a ser enfrentado remonta ao fato de que o caráter de "autoridade docente" não está mais assegurado ao professor, pois o consenso em torno de sua legitimidade está abalado. Essa "autoridade" tem de ser construída cotidianamente, através de negociações constantes com os alunos, que permitam ao professor convencê-los da importância de estabelecer relações de respeito mútuo e mesmo da importância que ele, professor, assume como um sujeito capaz de contribuir para uma inserção ativa dos mesmos num mundo cada vez mais complexo.
Não é difícil perceber que esses desafios colocam os professores frente à necessidade de adotar novas posturas. No entanto,
parece evidente que eles não dispõem de meios suficientes para, sozinhos, reverterem esse quadro.
Ainda que possua uma dimensão interna importante, a violência escolar extrapola esses limites e remete a uma situação social mais ampla. Quando a sociedade já não é capaz de inserir seu jovem no mercado de trabalho e o lança a uma condição de vida que limita sua capacidade de elaborar projetos futuros, ela potencializa conflitos e a violência escolar é certamente um deles. Um dos pilares da escola é a promessa de que ela pode proporcionar um futuro melhor para quem nela ingressar, e quando já não pode cumpri-la, ela é fatalmente questionada em um de seus pressupostos básicos.
Num momento em que a violência escolar denuncia a crise da escola pública e a crise da própria sociedade, nos deparamos com uma excelente oportunidade para repensar a escola oferecida aos nossos jovens, bem como os recursos sociais, materiais e simbólicos a eles ofertados.

Ana Paula de Oliveira Corti é socióloga, mestranda em Sociologia na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e pesquisadora NAEG-USP (Núcleo de Apoio aos Estudos de Graduação-Universidade de São Paulo)



Cisele Ortiz
Os adolescentes têm sido foco de atenção na sociedade atual em função da violência e da delinqüência juvenil. Creio que estamos cometendo uma falta grave e séria quando os vemos dessa forma e depositamos na vulnerabilidade dessa faixa etária questões complexas que não tivemos condições de equacionar e resolver.
Quando tanto se comenta sobre a violência nas escolas, precisamos compreender a natureza dessa violência. De fato, ela pode adentrar pela escola através da bandidagem, que procura também outros espaços públicos e vai em busca de arregimentar pessoas para ampliar sua atuação. Este é um caso de polícia, que exige intervenção imediata e preparada para atuar dentro da escola.
Outra situação completamente diferente ocorre quando a violência é gerada internamente, em função do que o adolescente vive lá. E este não é um caso de polícia, mas sim, de educação.
Se considerarmos que a violência é um sinal de deterioração das relações, quem será que começou primeiro? Que tipo de respeito estamos dando ao jovem no atendimento de suas necessidades de aprendizagem, sociais, afetivas, culturais, se a começar pela matrícula já estamos violando o seu direito de estudar perto de casa? A insatisfação geral em função da baixa qualidade do ensino público, que não tem nenhuma aplicabilidade em sua vida social real, gera revolta e indignação.
Como pode se sentir um adolescente que vai para a escola às 7h da manhã e às 11h já está na rua porque há três turnos para atender a demanda? O que esta ociosidade pode gerar? Isso sem falar na possibilidade de ainda, nesta altura do ano escolar, faltarem professores e as crianças simplesmente não terem aula. Há ainda casos de escolas que têm mais alunos que carteiras.
O jovem se frustra cotidianamente, não porque está sendo reprovado, mas porque não sabe ler e escrever e é ridicularizado. Isso não o instrumentaliza a dominar outras esferas do saber e nem lhe gera possibilidade de inserção social e no mundo do trabalho. Além disso, rouba a perspectiva de vida futura e interfere na sua formação pessoal, desqualificando-se frente a si mesmo, fazendo com que cada vez mais ele se goste menos, porque tem menos sucesso.
O jovem vive hoje em uma escola que não incentiva a expressão através das artes, principalmente música e teatro, linguagens que canalizam as energias produtivas do adolescente e ampliam o seu acesso à cultura. Uma escola que não valoriza a sua forma de estar no mundo, seu mundo corporal em transformação, que não lhe possibilita o movimento de grupo em atividades coletivas produtivas, como o esporte em equipe, os festivais de música, as feiras de ciência e outras produções culturais que só ela poderia intermediar.
Perdeu-se as dimensões da importância de conteúdos no ensino e da importância do professor e não é a polícia que irá resgatá-los, somos nós todos, pais, mães, alunos e professores, dando à educação do jovem o seu devido espaço e valor.

Cisele Ortiz é psicóloga e integrante da equipe do Crecheplan, instituição que atua na formação em serviço de professores

Gloria Teixeira
Foi-se o tempo em que pais ficavam tranqüilos, acreditando que pelo menos da porta da escola para dentro seus filhos estariam protegidos e seguros.
Os recentes episódios divulgados sobre a violência dentro das escolas substituíram essa "suposta" garantia por uma sensação de profunda angústia e temor.
Infelizmente, a sensibilização somente se estabelece após constatarmos a crescente ocorrência desse tipo de fatalidade, envolvendo os próprios alunos, supostos colegas e amigos. Torna-se difícil detectar e aceitar que por detrás de fisionomias e expressões aparentemente ingênuas estejam armazenados altíssimos níveis de agressividade, originários de expe-riências de violências vividas, presenciadas ou assistidas, muitas vezes através de uma influência negativa, maldirecionada ou descuidada da mídia e outros veículos de comunicação.
Chegamos a um estágio em que é inadmissível banalizarmos comportamentos violentos em seus mais diversos níveis. Não é mais possível assumirmos irresponsavelmente uma postura de apatia e conformismo. Precisamos nos mobilizar. Reunir forças.
Um trabalho participativo de integração entre pais, professores, coordenadores, funcionários e alunos não é uma idéia nova, mas essa proposta, inicialmente com caráter facultativo, agora devido às proporções dos fatos, torna-se essencial, se não, emergencial.
Drogas, violência e cidadania são assuntos que não bastam tão somente serem discutidos em eventuais encontros com especialistas das áreas. Contribuem, são necessários, mas tais temas devem ser motivo de reflexões diárias pertinentes ao cotidiano.
Nossas crianças e jovens necessitam cada vez mais de um maior número de pessoas de sua confiança reunidas para abordar e questionar tais temas.
Nossa participação, enquanto pais atuantes, está em colaborar na elaboração de projetos culturais esportivos e atividades em geral, que visem a valorização da vida.
A jornada de vida, com certeza, será explorada com mais qualidade e frutos saudáveis se fortalecermos cada vez mais a auto-estima de nossos estudantes e filhos, propiciando o desenvolvimento das potencialidades positivas destes pequenos indivíduos.
Não basta dizer "eu sou da paz", temos que agir pela paz.

Gloria Teixeira é professora da Escola de Educação Infantil Hábitat



Lilian Martins
São cada vez mais freqüentes as notícias sobre as escolas nas páginas policiais dos jornais. Até maio de 1999 já ocorreram nove assassinatos de alunos no ambiente escolar, no estado de São Paulo. Professores são agredidos em sala de aula, funcionários ameaçados nos pátios, escolas são depredadas, o tráfico de drogas é permanente.
Essa tragédia social repete-se em todas as regiões do estado. Em Santos, no ano de 1998, em uma escola de um morro, a diretora foi ameaçada fisicamente e teve seu carro depredado, ao impedir a entrada de traficantes no recinto escolar.
Mas, a tentativa de caracterizar esta situação como algo recente, é apenas um modo das autoridades se isentarem de não terem dado ouvidos aos alertas do professorado desde, há pelo menos, vinte anos. Em se tratando de educação, é necessário compreender que tanto recuperar como destruir são processos lentos e pacientes.
Chegamos a um ponto em que não se pode mais esconder a chaga aberta na escola.
Como entender o que está acontecendo e, sobretudo, como adotar medidas para reverter esse quadro? Inicialmente é preciso abandonar a demagogia e a perspectiva puramente policial do problema. Responsabilizar o Estatuto do Menor e do Adolescente pelo recrudescimento da violência na escola é o mesmo que responsabilizar o nordestino pelos saques em período de seca.
Inúmeros fatores interagiram para que chegássemos a esse quadro terrível. A crise social provocada pela constante e intermitente recessão econômica, causando o desemprego e a desestruturação familiar. A perda de valores coletivos, em nome de um individualismo exacerbado. A mídia, que ao mesmo tempo em que levanta campanhas pela paz, mantém uma programação de promoção e iniciativa à violência. A perda de perspectiva do jovem, que não vê diante de si futuro alavancado pela escola, de má qualidade de ensino, com professores desestimulados, mal pagos, com uma formação profissional bastante deficiente.
Estatísticas mostram que apenas 5% dos professores formados pela universidade pública permanecem na rede pública de ensino. A este caldeirão de problemas, somou-se o consumo e o tráfico de drogas.
Porém, é claro que não podemos esperar pela solução dos graves problemas estruturais apontados para darmos combate imediato à violência. Ao lado de enfrentarmos corajosamente esses temas de fundo, que exigem, para sua solução, atitudes firmes e investimentos públicos, aliás mais importantes do que colocar computadores nas escolas, precisamos tomar, sem demagogia, medidas imediatas, que só terão eficácia se conseguirmos envolver pais, alunos e educacionais na DIREÇÃO das escolas, e esta-belecer um sistema de policiamento especial, que exija profissionais especialmente treinados para essa função, serão principalmente educadores.

Lilian Martins é professora de História, formada pela USP - 1976. Concursada na rede estadual em 1978. Professora efetiva na rede municipal de Santos



Marisa de Souza Jannoni
Eu leciono no colégio estadual Dom Pedro I, em São Miguel Paulista, há vinte anos. Embora seja considerada uma das escolas com menores índices de violência, tive de conviver com policiais circulando pelos corredores. As armas ficavam num cofre da diretoria e, de fato, não havia um clima de tensão devido à presença dos policiais. Mas isso foi antes. A questão do policiamento nas escolas atualmente tem prós e contras. No início, eram homens que as patrulhavam, hoje eles têm sido substituídos pelo policiamento feminino. Essa troca nos beneficiou, uma vez que um policial masculino tende a assumir uma posição mais competitiva com os demais alunos homens. Digo isso porque já vi policiais militares que bateram em alunos na escola onde leciono.
As autoridades têm tentado nos convencer de que a presença de policiais na escola significa diretamente a segurança dos alunos e funcionários, mas isso não é simples assim: eu ainda não consigo sentir-me segura. Eu não saberia propor uma ação definitiva no sentido de resolver essa grave questão da violência nas escolas, mas também não vejo como um policial possa solucioná-la sem revistar indiscriminadamente todos os jovens que adentram o colégio. Esse é um procedimento absurdo, humilhante e inútil. A polícia não deve estar nas escolas para reprimir os alunos e sim para dar-lhes segurança.
Por outro lado, de uma certa forma, a mídia acaba, às vezes, criando um clima que pode estar relacionado ao aumento de audiência. Somente agora esses fatos estão sendo divulgados, mas a violência assola os departamentos de ensino há muito tempo. Parece-me que tentam passar uma idéia de que nossas escolas poderiam estar com uma violência seme-lhante à norte-americana. Isso não é verdade. Nos EUA, na maioria dos casos, os jovens envolvidos têm excelentes condições de vida e são criados de uma maneira totalmente diversa. A violência brasileira é oriunda de jovens que vivem em condições de vida extremamente ruins, sem nenhuma esperança e que não vislumbram na escola uma possibilidade de exercer o direito à cidadania.
A propósito da comemoração dos cinqüenta anos da Declaração dos Direitos do Homem, nós realizamos, com os alunos, uma semana de trabalhos acerca desse tema. No encerramento, alguns professores realizaram uma atividade em sala na qual os alunos deveriam responder qual dos artigos da declaração eles achavam que era mais desrespeitado. Todos, sem exceção, responderam que se sentiam ameaçados pela própria polícia e que "ser jovem é ser suspeito". Além disso, reclamaram da falta de respeito por parte da família, da escola e do governo.
Por fim, a violência a que nós assistimos nas escolas cresce lentamente. E, infelizmente, acabamos nos habituando a ela.

Marisa de Souza Jannoni é professora de história da EEPSG Dom Pedro I, em São Miguel Paulista



Ruth Pinto Ferraz Vallada
É triste vermos diariamente na mídia, como tem acontecido ultimamente, escolas transformadas em verdadeiros campos de batalha, palco onde se desenrolam tristes cenas
de violência.
Essa violência parece ser um reflexo da estrutura social em que vivemos. A organização da sociedade tende a priorizar o homem produtor-consumidor em detrimento do ser social, ser humano com necessidades outras além da renda para sobreviver.
É preciso repensar a condição humana, a organização familiar, os valores e as perspectivas de realização que se apresentam aos jovens. A violência nas escolas é, antes de tudo, um reflexo dos tempos que estamos vivendo, nos quais a inversão de valores se faz presente a cada instante pois, em sua essência, a escola é disciplinadora e não fomentadora de comportamento agressivo.
Se crianças e jovens trazem armas para a escola, é em casa que as encontram, a escola não as fornece. Se agridem colegas e professores, não dão exemplo do que a escola prega, mas demonstram claramente o quanto somos impotentes diante do exemplo das imagens que diariamente entram em nossas casas exibidas pela tevê. Diariamente são exibidas cenas de agressão e morte. A criança exposta a essas cenas acaba achando natural agredir e matar. A vida humana parece não valer mais nada, não há consciência acusadora daquele que mata, pois, ao final do episódio, continuará a viver como se nada tivesse acontecido, correndo o risco de ser visto como herói.
Quem somos nós com nosso discurso "careta" contra imagens reais e fictícias, porém contundentes, expostas dezenas de vezes pela tevê e num único dia?

Ruth Pinto Ferraz Vallada é professora de 1o e 2o grau e atua junto a regional Santo Amaro da Secretaria do Bem-Estar Social