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Mote dos 500 anos de descobrimento

Renato Janine

Cada vez mais ouvimos, especialmente no rádio, um gerúndio fora de lugar. "Vamos estar falando com o senhor", "eles estarão encontrando tal coisa"... Mesmo ações que se dão no instante (encontrar, por exemplo) são apresentadas no gerúndio - que, como se sabe, dá a idéia de uma ação contínua ou continuada. "Vamos falar", e, sobretudo, "encontrar", é o correto.

Deve haver uma explicação para esse fato curioso: o futuro, pelo menos enquanto tempo verbal, está sendo invadido pelo presente contínuo. O gerúndio indica uma presença intensificada. Forma o presente da presença, o presente ao quadrado, aquele em que a ação está mesmo sendo praticada, em que as coisas de fato ocorrem.

Será que, ao jogarem uma overdose de presente e presença no futuro, nossos falantes não estão compensando um medo do vazio? Inflacionar nossas ações é típico do que eu chamaria de uma histeria brasileira, que compensa num excesso imaginário aquilo que falta em nossa história. Lembram, quando Tancredo morreu, quantos juraram cumprir os ideais dele? Mas, na verdade, que ideais? Tinha "ideais" um político pragmático, mestre na negociação interna às elites? Tornamo-nos órfãos do presidente sem nem sequer saber por quê. A orfandade presidencial talvez explique essa invasão do presente no futuro, esse medo de que o presente se esvaia, essa tentativa de fazê-lo contínuo, de fazê-lo continuar.

Em suma, talvez o brasileiro tenha, hoje, uma dificuldade em lidar com o tempo. Os tempos verbais são como construímos nossa apreensão do passado, do presente e do futuro. Ora, existe coisa mais insossa do que a história que aprendemos? Colônia, escravidão, ditadura, como lidamos com esses horrores, para não falar de outros? Nosso país, para não expor essa chaga que é a memória da opressão e da injustiça que atravessa o seu passado, torna a história que se ensina nas escolas e nas moedas metálicas algo insípido, inodoro, incolor.

Mas não será por silenciar, por omitir o acerto de contas que nunca fizemos com o passado, que temos tanta dificuldade em construir um futuro? Enquanto não conseguimos separar os tempos verbais, julgar e enterrar o passado, enquanto, pior de tudo, nem sequer o tentamos, continuamos brincando de enternecer o futuro, fazendo dele um prolongamento bastante infantil do presente, um momento de presença histérica.

Renato Janine é professor de História na USP


Luiz Mott

Antes de qualquer previsão de como será a cara do brasileiro no terceiro milênio, temos de ter a esperança de que chegaremos ao ano 2000, pois se um meteoro imprevisto chocar-se contra nosso planeta, o baque desta trombada certamente vai destravar o arsenal das bombas atômicas das grandes potências e nosso lindo planeta, então, já era!

Esperando e torcendo para que não ocorra esse súbito fim de mundo, imagino que a cara do brasileiro na virada do milênio será marcada pela diversidade e pela afirmação das múltiplas identidades que cada vez mais compõem nosso zoológico humano.

No novo milênio, a afirmação grupal será a tônica da indispensável redistribuição de forças em nossa sociedade global: os negros cada vez mais terão orgulho de sua condição de afro-descendentes; os índios demarcarão de forma definitiva seus territórios e culturas tribais; as minorias étnicas resgatarão e vivenciarão cada vez mais as tradições de seus ancestrais; gays e lésbicas sairão do armário afirmando seus direitos de cidadania. Todas as minorias terão, quando pouco, uma ONG e um parlamentar que as represente perante a sociedade global.

No terceiro milênio, o brasileiro vai se afirmar cada vez mais como negro, índio, judeu, gay e lésbica, nordestino, sulino, de direita, de esquerda, evangélico, carismático, umbandista, etc., etc. No novo milênio, todos teremos de aprender a respeitar e a conviver com as diferenças, pois estas novas tribos, junto com as ONGs, serão as interlocutoras legítimas do diálogo do indivíduo com a sociedade. E se quisermos viver em paz e harmonia com tanta cara diferente querendo aparecer e ter seu lugar ao sol, temos de fazer do arco-íris nosso ideal de vida: acreditar que a beleza está exatamente na justaposição de todas as cores, da trancinha nagô ao silicone do travesti.

Luiz Mott é doutor em Antropologia é presidente do Grupo Gay da Bahia


Elifas Andreato

O Brazil não conhece o Brasil, cantava Elis Regina nos idos anos 70. De lá para cá, creio, pouca coisa mudou. Continuamos às voltas com questões que intrigaram sociólogos e historiadores durante décadas e que ainda estão longe de serem respondidas. Quem somos, do que somos capazes, qual o nosso caminho?

Internacionalmente, o povo prossegue marcado por clichês. Quem assistiu ao recente show promovido em Paris, durante a Copa do Mundo, pôde conferir uma triste sucessão de cocares, mulatas e jogadores de futebol. Até mesmo uma manifestação folclórica - representada pelos bois de Parintins - foi carnavalizada, estereotipada e espetacularizada. Uma apresentação sem novidades, para deleite do público externo.

É impossível não relacionar esse tipo de comportamento à visão que o cidadão tem de si próprio. A imagem que o Brasil passa ao exterior é resultado de uma falta de (re)conhecimento interno. A busca de uma identidade nacional conta, até agora, com esforços tímidos, em especial se considerarmos todo o tempo já perdido. Apesar de tentativas louváveis de pesquisadores como Darcy Ribeiro ou Roberto da Matta, a integração entre a imensa massa de excluídos e os poucos privilegiados deste país ainda pertence à utopia. O acesso pleno à educação, às artes e a uma qualidade digna de vida é um sonho perseguido, mas distante.

Apesar deste quadro um tanto negro, tenho certeza de que o momento de desistir não chegou. Porque, se temos um povo massacrado, humilhado e, muitas vezes, destituído de direitos humanos básicos, também contamos com uma solidariedade sem limites. Privado de quase tudo, o brasileiro ainda encontra forças e motivos para a união: é o movimento na periferia que briga por moradia digna, a comunidade atingida pela seca que divide o pouco que tem pela sobrevivência de todos.

Nossa pobreza material é compensada pela riqueza da alma, resultando numa fecundidade cultural espantosa. São milhares de artistas analfabetos, apolíticos e anônimos que constróem, diariamente, a história do nosso povo, a cara do Brasil. Pela grandeza dessas pessoas, estou certo de que se o passado não foi da maneira que desejamos, ainda temos chance de fazer um futuro diferente.

A comemoração dos 500 anos do descobrimento do Brasil é o momento ideal para planejar nosso caminho daqui para frente. Se ainda não sabemos quem somos, ou o que queremos ser, podemos pensar no que devemos e podemos fazer para que as perguntas de nossa existência sejam respondidas de maneira satisfatória.

Elifas Andreato é artista gráfico e produtor cultural


Bruno Tolentino

Dizem-me que ele é chorão mesmo, mas o que me importa aqui não são as lágrimas (aliás, comovidas e comoventes) do Bebeto no Planalto, é sua própria análise delas. Surpreso com a recepção calorosa à seleção vice-campeã, disse aos repórteres que talvez o país estivesse mudando. E após a intuição fulminante, a reflexão meio perplexa: "É, acho que o Brasil está mais amadurecido..." Tem razão. De Copa a Copa, de quase vice em 94 a quase penta agora, no país o ritmo e a direção das coisas têm sido decididamente de mudança e maturação. Só que amadurecer, o verbo escolhido por Bebeto, é regular, mas não se conjuga com a regularidade dos fenômenos naturais. Se o verbo pertence àquela segunda conjugação de que é fácil decorar as terminações, o processo que leva a conjugá-lo é bem mais difícil. Interminável não, afinal maduro demais é podre; mas o terminal dos atos e hiatos sucessivos do amadurecimento é pelo menos elusivo.

No que toca à vida do espírito, nada mais oblíquo, multívoco e penoso, nada menos "natural" que os processos de amadurecimento. Se a coisa é assim na esfera individual, quanto mais em se tratando de uma coletividade. Até porque, assim como a realidade não é a soma estatística de seus dados, uma coletividade não é a soma de seus indivíduos. Olhem, vou arriscar sugerir que o amadurecimento coletivo talvez seja uma espécie de auto-entendimento em retrospecto, o encontro meio encabulado de um mea culpa apaziguado com um projeto ao menos implícito. Nesse sentido, o país amadureceu espetacularmente durante os últimos seis ou sete anos; ao dizer isto, deixo claro que dato o processo da eleição presidencial de 89 ao confisco da poupança a ao trauma do impeachment três anos depois. Dose é dose, mas aquela foi dose tripla. E amadurecimento a muque fortalece a musculação.Com o interregno Itamar, a globalização e o advento do Real, a dose é nada menos que duas-vezes-três. E nenhuma psiquê de povo algum na era moderna ficou impassível após tal série; nenhuma coletividade resistiu intocada a sete anos de desestruturações e reestruturações tão radicais. A perspectiva de um "Segundo Reinado" sem inflação afetaria, a tais alturas, até mesmo o consciente coletivo mais resistente, mais inerte diante das mudanças profundas que a realidade, impreterivelmente, cobra aos que a procuram. E aqui está o que quero de fato dizer, eis-me aqui escabuladamente chegando aonde estive procurando levar o leitor a partir das lágrimas de Bebeto, e das nossas... Que rosto novo se está começando a perceber entre nossas costumeiras caretas de azedume e nas máscaras de euforia? Nhenhenhém à parte, o brasileiro de sempre anda muito mudado, gente. E anda mudando para melhor. Aposto até que poucos serão os que se reconhecem ainda na imagem do que era há apenas uns quatro ou cinco anos... Eu mesmo, por exemplo, que não sou exemplo de nada, exceto do que acontece a todos (queiramos ou não a dieta), eu mesmo tenho tido que rever os termos da choradeira...

Pois é, esse eu que já não sabe bem quem é quando reflete em tudo isto, chegou aqui aparvalhado em 93, atravessou 94 desesperado, entrou esperançoso em 95 e saiu de 96 certo de que tinha que mudar. Mudar, note-se, naquilo que a pessoa imagina de si mesma e da realidade que a obriga constantemente a definir-se. A nossa de há dois anos exigia-me, como sempre o faz, reavaliações pessoais e reformulações ao nível tribal a que nenhum aborígene teria a audácia de furtar-se. O bom do isolamento geo-político do Brasil é que, ao mesmo tempo em que nos aguça a percepção interrogativa, na mesma medida coloca em cheque, e não raro em cheque-mate, àquele eterno impertinente, àquele "eu" que tanto nos assola com queixas quanto amola aos outros com cobranças descabidas.

Antes de mais nada, consideremos as queixas. O rosto coletivo está mudando porque já não se acha com tanta facilidade a quem responsabilizar por isto e aquilo. A noção de que nenhum homem é uma ilha parece estar chegando finalmente à ilha de Vera Cruz. E, na medida em que cada um se reconhece progressivamente como parte e parcela de um arquipélago de responsabilidades mútuas, nessa mesma medida vai-se tornando cada dia mais difícil encontrar ante as queixas nossas de cada dia o bode expiatório que nos pague por elas. Ou o Papai Noel que as prometa transmutar no sapatinho coberto de embrulhinhos na manhã do eterno dia seguinte de que viveu por tanto tempo nosso inconsciente popular. Não acreditamos mais na varinha de condão do Governo Fada Madrinha. O novo brasileiro, o que entrará pelo novo milênio, espera cada vez menos o que não advenha de seu esforço. Nosso jovem de amanhã - estou prestes a apostar - não será menos patriótico por ser menos crente em providencialismos e malabarismos de abracadabra. Os dias colloridos, sombreados pelos sucessivos e periódicos petismos de salvação, estão cada dia mais contados.

Por outro lado, as cobranças não hão de ser sempre descabidas: o que não nos cai do céu nem por isso nos é menos devido, guardadas as devidas proporções. O cidadão brasileiro do século 21 terá que aprender a diferença entre o que é necessário e o que é desejável. Não é a mesma coisa. Só os povos acostumados aos males e bens ilusórios do paternalismo messiânico se deixam confundir sobre essa fundamental diferença. Nossa herança psicológica nos inclinou sempre a esse vício, ou a essa imprecisa percepção das coisas e dos fatos; mas não é um traço congênito essa nossa costumeira distração da realidade, é preguiça psíquica mesmo. Aliás, cada um tem a sua, cada povo também. O francês, por exemplo, tem preguiça de ser paciente, prefere "pensar", já com o inglês é o oposto preciso, eles lá no ex-império têm preguiça da reflexão e preferem ter paciência... Com o italiano não se dá nem uma coisa nem a outra, o vício psíquico deles é a gangorra das emoções, ora isso ("Vivva il Duce!"), ora aquilo ("Vivva il miracolo economico!"); no fundo dá no mesmo, é tudo emoção.

Aqui não. Aqui temos um país que não está colado a nenhum outro, que surgiu e cresceu entre a cruz e a caldeirinha, um país que era um terreno baldio ao dispor dos outros e de repente virou capital de um Reino Unido que ia virar um Império e continuar diante dos outros, cordialmente a dispor do que "eles" lhe ensinavam e exigiam, mas bem mais maroto do que se pensava até então. Sim, mas que vê tudo mais ou menos de fora, ou pelo menos a uma certa distância. Cultura, civilização, são para nós o que decidirmos sobre o Ocidente de que somos parte, mas ao qual não estamos atrelados como, por exemplo, o argentino ao peso maciço da cultura hispânica... A observação é de Ismael Nery e data dos anos 30. Mais que nunca aguda e atual, é o resto, a expressão facial e psíquica com que podemos ter a pachorra de encarar o novo século globalização. Plácidos e de longe, tanto quanto cabível e proveitoso...

Bruno Tolentino é poeta e escritor


Nelly Novaes Coelho

Pergunta complexa para ser respondida em poucas linhas (ou mesmo em um tratado...) porque se trata de hipótese que o tempo confirmará ou não. De qualquer maneira, baseando-me na experiência íntima que venho mantendo (como pesquisadora e crítica, há quarenta anos) com a Literatura Brasileira Contemporânea, arrisco-me a afirmar que, no mundo global que se anuncia para um amanhã muito próximo, a presença do brasileiro será marcante e exemplarmente fecundante.

O que nos leva a essa afirmação? Entre as muitas razões, restringimo-nos a destacar o intenso movimento do pensamento investigativo e criador que se vem expandindo em todas as áreas do conhecimento e se manifestam em descobertas em laboratórios, nas oficinas de criatividade, pesquisas de campo, teses de doutorado ou de mestrado, etc, etc. Fenômeno esse que não é divulgado pelos "holofotes" dos multimeios de comunicação de massa e, por isso, passam despercebidos da esmagadora maioria do povo. Assim acontece também com a criação literária, seja para adultos, seja para crianças ou jovens, que nada fica a dever à que se desenvolve lá fora, no Primeiro Mundo.

Só que toda essa fermentação criativa está se processando em silêncio, subterraneamente, nos meios universitários ou nos meios de cultura mais restritos, que não são alcançados pelos "holofotes" da mídia, exclusivamente interessados nos eventos que choquem, que escandalizem - o que se passa no "mundo cão" que dá Ibop. (É fácil compreendermos essa avidez da mídia pelo escândalo, se lembrarmos que é o Mal, e não o Bem, o grande ímã a atrair a atenção das multidões.)

Note-se, nesse sentido, que se a criatividade brasileira não aparece com a mesma importância da que caracteriza a produção do Primeiro Mundo, é exclusivamente por motivos sociais, ou melhor, político-econômicos (característicos do Terceiro Mundo). Porque, em questão de capacidade criadora ou de imaginação inventora, o brasileiro foi bem aquinhoado (e talvez aí esteja um dos aspectos mais frisantes de sua ainda indecisa identidade). É só notar que nossos valores jovens invadiram os meios de pesquisa no exterior (principalmente nos EEUU), onde há condições adequadas para o aproveitamento de seus talentos e inteligências criativas. É só atentarmos para as notícias de descobertas feitas por nossos pesquisadores ou para os prêmios e distinções concedidas a brasileiros, nestes últimos anos, em todas as áreas do conhecimento científico e/ou tecnológico. E também na área das ciências humanas e das artes. Talvez sejamos hoje um dos maiores exportadores de talentos criadores em todas as áreas de atividades, seja na das Artes ou na das Ciências. E isso, para não entrarmos na área dos esportes, principalmente na do futebol que, infelizmente, tendo de se submeter às regras do mercado e das "estratégias técnicas", aos poucos foi ficando longe da paixão lúdica e criadora que movia os jogadores do passado, quando o "esporte das multidões" ainda não havia se transformado em uma das mais rendosas indústrias do país.

Voltemos à atual produção literária brasileira, lembramos que, salvo alguns nomes que tiveram a sorte de serem alcançados pelos "holofotes da fama" (Jorge Amado, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, João Cabral, Drummond...), as centenas de excelentes poetas, romancistas, dramaturgos (homens e mulheres de grande sensibilidade e talento, que de Norte a Sul estão criando a Literatura Brasileira de hoje...) infelizmente só são conhecidos por públicos restritos ou pelos "oficiais do mesmo ofício". A grande criação literária brasileira já não está restritas ao eixo Rio-São Paulo... ela surge em todos os Estados. Note-se ainda que essa produção (ainda praticamente desconhecida em seus variados níveis ou graus de criatividade) é a que será a matéria-prima da História da Literatura Brasileira a ser escrita no terceiro milênio.

Por aí se pode calcular as dificuldades a serem enfrentadas pelos futuros historiadores para recolher e ordenar todo esse rico material...

Esse fenômeno do desconhecimento público está mais atenuado na área da inteligente e difícil criação literária para crianças e jovens, que vem sendo escrita desde os anos 70 (isso, para não recuarmos a Lobato...). Pelo que representa de valor no mercado editorial (embora ainda desvalorizada como literatura autêntica pelos "distraídos"), essa produção tem tido uma razoável divulgação. Em matéria de imaginação, invenção, inteligência e sintonia com os atuais "paradigmas emergentes" presentes na literatura para adultos, a atual Literatura Infantil/Juvenil Brasileira pode ser nivelada à dos países de Primeiro Mundo (como Estados Unidos, Inglaterra, França...). E disso é prova os vários prêmios internacionais atribuídos a muitos de nossos escritoras ou escritores, ilustrados ou ilustradores, cuja arte é da mais alta categoria.

Concluindo: o espírito criativo e construtivo é, a nosso ver, o que caracterizará a "identidade brasileira" durante o terceiro milênio...O tempo dirá.

Nelly Novaes Coelho é professora de Literatura Portuguesa na USP e crítica literária especializada em Literatura Contemporânea


Sérgio Lago

Morando na Europa nos revolucionários anos 60, recebia esparsas notícias, todas relatando os movimentos estudantis, políticos - partidários e sindicais que incluíam o Brasil, de maneira simultânea, aos acontecimentos que modificavam o mundo a partir do Velho Continente.

Essa simultaneidade de ações, julgava eu, incluía o Brasil de maneira definitiva no mundo moderno, democrático e nos permitia, junto aos de lá, reivindicar novos olhares a nossa pátria. Não mais índios de tanga, mulatas peladas, futebol, Carnaval e cobras e jacarés andando pelas nossas ruas. Éramos modernos. Estávamos modernos.

Afinal, ganháramos a Palma de Ouro em Cannes com O Pagador de Promessas e o Cinema Novo se destacava nas páginas do Cahiers du Cinéma, a bossa nova era cantarolada pelas ruas americanas e européias depois de ser apresentada com sucesso no Carnegie Hall em Nova Iorque.

Morando no Brasil, nos globalizados anos 90, recebo notícias de alguns amigos do exterior ou de jornais. O que relatam, e que cristaliza nossa imagem no exterior, não orgulha nenhum brasileiro. Fala-se de chacinas de crianças e de adultos, das altas taxas de desemprego, das ocupações de terras, de saques, secas e queimadas. Comenta-se, enfim, um Brasil que realmente existe, mas omite-se outras facetas que formam o nosso país, composto de muitas realidades. As boas imagens ficam relegadas às informações de conhecedores. Eles sabem da pujança econômica, das áreas super desenvolvidas, do desempenho intelectual de brasileiros que são desconhecidos em nossa própria pátria.

Vez por outra, chegam boas notícias, tão poucas, como as conquistas no Festival de Berlim com Fernanda Montenegro e Central do Brasil, que são insuficientes para modificar essa imagem perversa que o país tem no exterior.

O Brasil dissociou-se do mundo moderno, do mundo das grandes conquistas sociais. Ainda somos medievais, sem conseguirmos resolver nossas mazelas sociais, sem tapar o fosso que nos separa de nós mesmos, sem permitir que o sonho de Nação seja único para todos. Justa é a imagem que fazem (e que fazemos também) de um país injusto com seus cidadãos.

Sérgio Lago é gerente do Sesc São Carlos