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Educação para o futuro
A grandeza de um país e sua afirmação no cenário internacional vinculam-se à educação de seu povo. Promover a cidadania, oferecendo os meios básicos para que as pessoas se agarrem à passagem do tempo sem perder o fio da história, deveria estar no bojo de qualquer realização governamental. Mas, ao longo dos anos, parece que o Brasil relegou a educação a um perigoso plano secundário e o brasileiro de nível médio, espalhado pela enormidade desta terra, ficou alijado das oportunidades mínimas. De um lado, o despreparo, espelhado nos índices altíssimos de analfabetismo e, de outro, o patamar abissal de escolaridade. Se à beira do ano 2000 a defasagem é gritante, a educação dá sinais de ter sido reavivada e os programas oficiais (ou não) de educação formal (ou não) passam a constar na pauta do dia.
Universalização do ensino básico acoplada à melhoria dos instrumentos de ensino e ao treinamento dos professores: esta é a meta prioritária do Governo Federal, que vem implantando uma política educacional inovadora, que visa alterar os rumos do ensino no país e traça um novo paradigma da educação nacional.
Duas leis fundamentam essas mudanças: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de dezembro de 1996, e o Fundo de Manutenção e de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, também conhecido como Fundão, que determina repasse da arrecadação de Estados e municípios para a educação de primeiro grau, o chamado ensino fundamental.
Outros programas que vêm sendo desenvolvidos ao longo dos últimos três anos pelo Governo Federal embasam essa política educacional, como a avaliação sistemática do ensino nacional e uma série de ações para melhorias na qualidade do ensino, como a TV Escola, a avaliação dos livros didáticos, o Programa de Informatização das Escolas (Proinfo), entre outros.
O ministro da Educação, Paulo Renato Souza, quer mobilizar Governo e sociedade civil para colocar todas as crianças de 7 a 14 anos na escola. Para ele, isso envolve a dedicação integral dos professores, dos pais, das secretarias de educação estaduais e municipais, das entidades filantrópicas, das ONGs e até das Forças Armadas. "Somente com a mobilização de toda a sociedade conseguiremos superar as dificuldades", disse o ministro num dos seminários sobre o programa Toda Criança na Escola, que durante dois meses percorreu o país, discutindo os novos rumos da educação.Mas quantas crianças entre 7 e 14 anos estão fora das escolas? O IBGE diz que são 2,7 milhões. O censo escolar de 1997 fala em 1,8 milhão. A Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro assegura que são 3,1 milhões. A guerra pelos números sinaliza um só vencedor: o subdesenvolvimento.
Duas grandes diretrizes orientam o MEC sobre a nova política de educação básica e ensino superior: a avaliação e a descentralização.
Através do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), o MEC pretende diagnosticar o desempenho escolar em todo o país e, a partir daí, formular políticas que visem a elevação do padrão de qualidade e eficiência do ensino. Maria Helena Castro, presidente do Inep, diz que esse processo está levando à construção de uma nova ética dentro do sistema educacional. "O ensino superior e a educação básica estão se esforçando no sentido de exigir qualidade cada vez maior das suas escolas, preocupados com os resultados das avaliações, e têm desenvolvido programas de capacitação de professores para melhorar o rendimento dos alunos e o desempenho de suas escolas. Saímos da etapa da construção de prédios e entramos na etapa da construção da qualidade", avalia. O Inep é o responsável pela aplicação do polêmico Provão, que visa avaliar a qualidade do aluno que sai da universidade.
Segundo o censo escolar do Inep, 95% das crianças entre 7 e 14 anos e 27% dos jovens entre 15 e 17 anos estão nas escolas. Em 1997, 34 milhões de crianças foram matriculadas no ensino fundamental, de 1ª a 8ª série, 6 milhões no ensino médio e quase 2 milhões no ensino superior. De 1994 a 1997 houve um crescimento médio de 6,8% nas matrículas do ensino fundamental, 26,2% nas matrículas do ensino médio e 20% no ensino superior. Distribuindo investimentos
O Fundão, como é conhecido o Fundef (Fundo de Manutenção e de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério ), promove uma redistribuição dos investimentos na educação, encaminhando verbas correspondentes ao número de alunos dos municípios. O Governo adotou o critério de não aplicar mais verbas em educação, pois acredita que o problema é a má distribuição dos recursos. Por isso, definiu o repasse obrigatório de 15% do total arrecadado pelos municípios e Estados, criando um fundo de financiamento para priorizar investimentos na educação fundamental. Com ele, o Governo quer garantir o investimento de R$ 315,00 por aluno/ano em todo o país.
Cláudio Fonseca, presidente do Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (Sinpeem), refuta: "A idéia é positiva, mas se considerarmos a carga letiva estabelecida pela LDB, teremos um gasto de R$ 1,50 por dia, por cada criança matriculada. Isso fica longe do ideal". Para ele, essa política traz problemas para municípios com sistemas educacionais já implantados. "O Estado de São Paulo, por exemplo, tem 645 municípios, menos de 100 com ensino fundamental mantido pelo Estado, e o resto garantindo prioritariamente a educação infantil. Com o Fundão, o município passa a deteriorar a educação infantil (creches) em prol do investimento na educação fundamental. A idéia é perversa para os municípios, e seu maior problema é que concentra poder exagerado na fonte distribuidora dos recursos", analisa Cláudio.
Já para Afonso Macedo, diretor do Fundep, o esquema é lógico porque distribui melhor os recursos, minimizando disparidades entre as regiões. "Estados como Piauí ou Bahia têm uma renda de cerca de R$ 240,00 por aluno. O Governo complementa esse valor a partir do fundo". Desse montante, 60% deve ser revertido em salário para os professores. "Isso melhora os salários, evitando as terríveis distorções salariais entre os salários do Sul e do Nordeste", completa Afonso. Mas, muitas vezes, esse repasse não acontece de forma correta. "O Fundão não apresenta um mecanismo de controle eficiente para garantir isso, e os tribunais de conta, que deveriam fiscalizar, muitas vezes são subservientes às prefeituras e aos seus dispositivos para burlar a lei", contesta Cláudio. "O Governo deveria repensar a porcentagem do PIB revertido à educação que corresponde, atualmente, a 3,6%, enquanto que o mínimo aceitável seria de 6%. Mas se houvesse uma fiscalização maior, já haveria avanços", diz Cláudio. A escola fundamental
Pela nova LDB, o currículo do ensino fundamental é elaborado a partir de uma base comum (língua portuguesa e matemática, conhecimento do mundo físico e natural e conhecimento da realidade social e política). A função do MEC é de orientação, já que a nova LDB dá maior autonomia e, consequentemente, responsabilidade à cada escola para a construção de sua grade curricular, levando em conta as peculiaridades locais, os planos das escolas e as diferenças individuais dos alunos. Com a implantação dos parâmetros curriculares nacionais, estão sendo introduzidos outros temas como Ética, Convívio Social, Pluralidade Cultural, Orientação Sexual, Meio Ambiente, Saúde, Estudos Econômicos e Pluralidade Étnica. "A possibilidade de uma autonomia maior pode ser boa, mas fica dependente da vontade da escola de estar aberta a ouvir os outros agentes, como alunos, professores e educadores. Isso pode comprometer a idéia, pois existe uma prática secular de centralização de poder, de âmbito geral, desde o presidente até o guarda de trânsito, passando pelos diretores de escolas. E muitas vezes, a pessoa que detém esse poder o faz com autoritarismo, com usurpação da autoridade", opina Ana Maria Freire, doutora em História da Educação e viúva do educador Paulo Freire.
Sobre a diversificação curricular, Cláudio Fonseca ressalta que "os parâmetros curriculares fazem referências positivas: cultura, formação de domínios afetivos, ênfase em questões sociais, cultura nacional. Mas o Governo cria esses parâmetros sem investir na formação de profissionais, na reciclagem, no treinamento. Dessa maneira, essa autonomia pedagógica-curricular fica deficitária". Ajuda ao professor
O Proinfo e a TV Escola são projetos que procuram levar novas tecnologias para melhorar as condições de professores e alunos. O programa pode auxiliar o professor na elaboração das aulas via satélite, precioso material pedagógico para treinamento de professores. As escolas, por intermédio de antenas parabólicas, captam os sinais e gravam os programas. No total, são 650 mil professores e 21,5 milhões de alunos em escolas com o kit. Mas apenas 61% das escolas têm o kit funcionando. O problema é a falta de capacitação dos professores, especialmente nas regiões mais pobres, de assimilar esse tipo de projeto. "Eles não estão formados nessa linguagem", lembra Ana Maria Freire. Apesar das dificuldades, para o Governo, a TV Escola se tornou um meio pedagógico importante para capacitar professores. "Os programas andam junto com o desenvolvimento 'normal' dos professores. Em dois anos de TV Escola, estamos notando a evolução", explica Carmen Moreira Neves, coordenadora geral de projetos especiais da Secretaria de Educação à Distância.
Nos mesmos moldes da TV Escola, a informática é outro ponto crucial na atualização de alunos e professores. Em tempos globalizados, o domínio tecnológico torna-se vital. O Proinfo está sendo implantado nas 6 mil escolas que se mostraram inicialmente interessadas no treinamento de professores e dispostas a ceder um espaço para os computadores. Carmen confirma que "há muito medo de nossa parte de um desperdício do dinheiro público, e para isso temos cuidados para que o dinheiro seja rigorosamente bem aproveitado, em escolas dispostas a incorporá-lo, e que tenham uma sala e um professor à disposição para treinamento. Num primeiro momento, o Proinfo prevê o domínio da máquina, mas no futuro, queremos incentivar a produção de softwares educacionais".
Alguns educadores criticam esse tipo de investimento do ministério, alegando que a prioridade deveria ser as necessidades básicas de todas as escolas. Para Carmen, a atitude de priorizar somente o investimento na infra-estrutura básica é falha. "Seria uma crueldade enorme com a população se ela tivesse de esperar que as condições mínimas básicas para a educação no país estivessem sanadas para começar a implantação de tecnologia. O mundo não vai esperar pelo Brasil. A tecnologia hoje não é um luxo, é uma necessidade. Você precisa de novas mídias para educar o aluno, fazê-lo compreender todas as linguagens que estão aí hoje. Se ele não é capaz de criticar e analisar a tevê, estamos deixando de educar corretamente. Os projetos que o MEC está implantando estão inseridos num contexto mais amplo, de valorizar a escola e torná-la um local onde realmente acontece a educação. Claro que tem que ter cadeira, giz, lousa e professor. Mas tem que ter também computador, porque aí estamos preparando melhor esse aluno. As escolas particulares oferecem todas essas novas mídias. Você procura uma escola para o seu filho que tenha tudo isso, para educá-lo melhor. Por que a escola pública não pode ter isso também?".
Para Ana Maria Freire, a iniciativa é importante. "São projetos com orçamentos altos demais, e, muitas vezes, os equipamentos se perdem. Mas é um projeto utópico, não no sentido de não poder ser realizado. A utopia, que é um termo que Paulo Freire usava muito, também é um sonho, é importante. As escolas particulares ensinam computação, e se você deixa os alunos de escolas públicas sem esse recurso, acaba possibilitando maior qualificação dos alunos da elite brasileira que frequentam escolas particulares".
Novamente, o presidente do Sinpeem contesta: "Muitas vezes, o Governo acaba secundarizando o conteúdo em prol da tecnologia. Os computadores devem ser valorizados pelo seu caráter instrumental, para servir na aprendizagem, mas não deve ser considerado o mais importante", contesta Cláudio. Ana Maria Freire concorda que a prioridade são as relações humanas. "A relação professor-aluno é a base da aprendizagem e é imprescindível. Quanto mais se investir no professor, mais a educação brasileira se beneficiará. É preciso priorizar o investimento nisso, mais do que em tecnologia. A solidariedade, a cumplicidade e o amor não se aprendem por computador. O carinho, o olhar e o escutar, isso tudo o aluno aprende com a pessoa, não com a máquina."
Todos concordam, entretanto, que o ponto-chave é estimular no aluno o exercício do pensar. É o que analisa Carmen: "A grande questão da educação hoje é a aprendizagem. No mundo moderno, o indivíduo tem que estar sempre aprendendo. O enfoque agora não é no ensino, mas na educação para a aprendizagem". O ensino médio
Entender como a química está presente quando o aluno escova os dentes, toma um iogurte, ou calcula os juros da televisão comprada a prazo. O grande desafio do projeto de reforma do ensino médio (antigo colegial) é capacitar o aluno a pensar e a praticar os ensinamentos da escola na vida cotidiana. Para o secretário da Educação Média e Tecnológica do MEC, Ruy Berger, a reformulação curricular é fundamental para a melhoria da qualidade do ensino médio. "A idéia é contextualizar a aprendizagem e proporcionar um ensino que seja transdisciplinar e interdisciplinar. O conhecimento não deve ser baseado apenas na memorização, mas deve ter um significado prático para o aluno", diz Berger.
O projeto, que entra em vigor a partir do ano que vem, acaba com a grade curricular obrigatória, e dá liberdade para cada escola organizar seus cursos, respeitando três áreas gerais: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; Ciências Humanas e suas Tecnologias. Deixa de ser obrigatoriamente dividido em séries, podendo ser dividido em ciclos ou módulos, e a escola pode unir disciplinas. "É uma forma muito mais interessante de moldar o curso conforme o perfil dos alunos, sem generalizar e massificar a metodologia do ensino, e ninguém melhor do que a própria escola e sua equipe para definir o perfil de seus alunos, suas necessidades, interesses e anseios", analisa Berger. Mas será que os professores estão preparados para tanta autonomia? "No ensino médio, 85% dos professores têm curso superior completo, e 13 a 15%, curso superior incompleto", responde o secretário.
O MEC pretende investir 1 bilhão de reais nos próximos cinco anos na reforma e sua expansão, já que, atualmente, apenas 25% dos jovens entre 15 e 17 anos estão no ensino médio.
Outra mudança importante da reforma do ensino médio é a obrigatoriedade dos alunos de cursos técnicos de completarem o ensino básico formal. "Pela nova LDB, o ensino técnico não está mais inserido no ensino médio, ele entra no setor de educação profissional. O aluno da escola técnica passa a ter obrigatoriedade de cursar a educação básica, e pode fazer o curso técnico depois ou concomitante à escola", diz Berger.
Segundo o Inep, 69% dos estudantes brasileiros que concluem o segundo grau não têm interesse em cursar uma universidade e preferem partir logo para o mercado de trabalho, porque muitos deles já estão trabalhando. Mas esses trabalhadores com segundo grau completo ainda são minoria. Cerca de 60% da força de trabalho no país não têm sequer o primeiro grau completo, e a média de escolaridade do brasileiro fica em torno de 3,5 anos. Para Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna, esse é um problema grave, porque as novas tecnologias impõem competitividade na produção. "Na sociedade do conhecimento não se fala mais em exploradores e explorados, mas sim em incluídos e excluídos", alertou Viviane, num seminário sobre educação para o futuro, realizado em São Paulo. (Leia mais sobre as opiniões de Viviane na Entrevista desta edição) Acelera, Brasil
A aceleração escolar prevista pela LDB será um dos principais instrumentos do Governo para avançar os jovens de 15 a 19 anos para além do ensino fundamental. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), 60% dos alunos matriculados no ensino fundamental (cerca de 34 milhões) têm pelo menos dois anos de defasagem entre a idade e a série que deveriam estar frequentando. Esse mesmo período escolar inclui 5,5 milhões de alunos acima de 15 anos de idade. O motivo é a repetência, que faz com que os alunos levem em média 11,2 anos para completar as oito séries. De cada 1000 crianças que entram na escola, somente 45 concluem o primeiro grau sem repetência, 40 repetem já na primeira série e apenas 300 completam o primeiro grau. "Uma preocupação é equacionar esse fluxo escolar e encontrar formas para recuperar os alunos", diz a professora Ana Lambert, coordenadora de estudos e pesquisas da Secretaria de Ensino Fundamental do MEC. "O programa quer viabilizar a aprendizagem, valorizando a criança e sua auto-estima, partindo do princípio de que toda criança tem capacidade para aprender". Um dever de todos nós
Fernando Henrique Cardoso ressaltou que "a educação não é responsabilidade exclusiva da União". Se o Governo e os educadores cobram da sociedade civil atitudes para enfrentar o problema, a sociedade civil tem feito a sua parte. O município de Ilha Grande, Angra dos Reis, é uma vila de pescadores, com povoados isolados pela mata atlântica. No principal povoado da ilha, a Vila de Abraão, não há livrarias, não há bibliotecas, não há sequer uma banca de jornal. Mas graças à criatividade e ao esforço de educadores, o município tem mais que isso. Tem uma biblioteca flutuante.
O projeto Espumas Flutuantes foi criado pela professora Virgínia de Oliveira Silva e mais três professores da Escola Municipal Pedro Soares. Para chegarem à escola, localizada em Provetá, a três horas de barco da costa, os professores da rede municipal residentes no continente utilizam uma embarcação para passageiros que, durante o percurso, faz pequenas paradas em ilhotas e praias para recolher os cerca de 100 alunos de 5ª a 8ª série da escola. São três horas para chegar ao colégio, mais três horas para voltar para casa. Foram essas horas ociosas que Virgínia, na época professora de língua portuguesa, e outros professores, resolveram aproveitar. "Como os estudantes nunca tinham tempo de frequentar a biblioteca da escola, pressionados pelos horários do barco, criamos nosso projeto de leitura, que nada mais é do que uma biblioteca flutuante", conta Virgínia. O projeto começou humilde, a partir de doações dos próprios professores, com cerca de 24 títulos no acervo. Tempos depois, sem champanhe mas com muito entusiasmo, era batizada a Biblioteca do Barco e seu Convés de Leitura Espumas Flutuantes, hoje com um acervo de 638 títulos, doados por colégios, entidades e instituições estrangeiras. A leitura é estimulada em sala de aula, e o aluno incentivado a consultar os livros da biblioteca. "É muito importante um projeto como esse numa comunidade de pescadores, que não tem acesso a praticamente nenhum material impresso. Enriquece enormemente a educação dos alunos", diz Virgínia, hoje diretora do Departamento de Ensino Fundamental da Secretaria Municipal de Educação de Angra dos Reis. O projeto foi o terceiro colocado no II Concurso Melhores Programas de Incentivo à Leitura, um estímulo a projetos relevantes na área de educação, reinaugurado em 1997 pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, pela Biblioteca Nacional, pelo Ministério da Cultura, pela Câmara Brasileira do Livro e pelo programa Proler. O Programa Nacional de Incentivo à Cultura (Proler) é um exemplo de parceria entre sociedade civil e Governo. "A comissão do programa é plural, envolvendo ministério, membros de bibliotecas e educadores das universidades. Isso é muito enriquecedor para promover uma visão múltipla para o projeto", diz Ivete Desner, responsável pela Casa da Leitura do Rio de Janeiro. O objetivo do programa, que não distribui livros nem verba às escolas e entidades, é fomentar ações no sentido de despertar os professores das escolas para idéias de incentivo à leitura nos alunos. "Queremos que os agentes das escolas promovam a leitura como forma de resgate do cidadão, aproveitando-a na forma de viver", diz Ivete. "Não existe uma forma única de trabalhar a leitura", completa.
Muitas unidades do Sesc mantêm bibliotecas, como as unidades Pompéia e Carmo, Bertioga e Piracicaba. Prevalece a literatura de ficção, mas para atender à procura dos estudantes e usuários há uma parte do acervo de publicações de apoio à pesquisa escolar. Além das bibliotecas, o Sesc também mantém brinquedotecas, algumas com apoio pedagógico para as crianças, como em Santos e no Pompéia. Uma delas se destaca nesse cenário. É a brinquedoteca do Sesc Carmo, única que não é aberta ao público, por uma boa razão. A brinquedoteca é gerenciada por crianças, participantes do Projeto Curumim.
O programa, implantado em 1986, destina-se a crianças entre 7 e 12 anos de idade, preferencialmente àquelas provenientes das famílias de baixa renda. "O Projeto Curumim é uma extensão da política da entidade de inclusão social, de trazer à comunidade oportunidades às quais normalmente ela não tem acesso", diz Valter Vicente Sales, coordenador do programa. Desenvolvido em horários alternativos ao da escola, o Curumim busca romper a visão tradicional e equivocada da criança como um ser que tudo tem a aprender para, futuramente, tornar-se alguma coisa. A proposta é estimular as crianças a desenvolver habilidades a partir de temas importantes como ciência, tecnologia, questões sociais e informações culturais, não fornecendo informações objetivas mas desenvolvendo o pensamento reflexivo, questionador e crítico: Como posso provar que o ar existe? Por que os materiais de trabalho estão mal arrumados? Por que os brinquedos quebram?
Segundo Valter, o processo de educação informal multiplica essas possibilidades, e constitui uma importante modalidade de educação, que não se opõe ou substitui a escola tradicional, mas a complementa abraçando importantes situações do cotidiano. "O programa é importante porque promove um espaço informal de interação para a criança. A escola normal não tem isso em seu escopo, seus objetivos são outros. Ambos são muito importantes", diz.
Os espaços de educação informal implicam relações diferenciadas. "Ficamos sempre atentos para não cairmos no esquema escolar, porque nosso intuito é favorecer outras vivências. Dessa forma, os grupos são constituídos de forma heterogênea e diversa, reunindo várias faixas etárias e níveis econômicos, culturais e sociais diferentes, estimulando situações diversas de interação", completa Valter.
A educação informal não se define exatamente por seus conteúdos - que podem coincidir com os escolares - mas pela dinâmica das atividades, pela constituição diferenciada dos grupos, pelas formas de relacionamento entre as crianças e entre estas e os instrutores. Busca-se fugir do pensamento cartesiano de ensino. Assim, explica Valter: "Não adianta nada ter uma aula de teatro ou de artes com um professor centralizador, que explica o teatro como um professor ensina matemática. O Governo está despertando para isso, mas a comunidade pode assumir esses espaços". Uma das características do projeto é o estímulo às atividades gerenciadas pelas crianças, implicando vínculo formal entre elas com interferência mínima dos instrutores. Além da brinquedoteca do Sesc Carmo, uma agência de correio é gerenciada pelas crianças do programa Curumim.
"O Curumim é o modelo de educação para o futuro. A informação de quem descobriu o Brasil não é mais exclusividade da escola, esse tipo de conhecimento está muito mais fácil e melhor na internet ou no CD-rom. A escola do futuro não significa uma escola informatizada. Isso é só tecnologia, que bem usada pode ajudar, mas mal utilizada pode funcionar exatamente como um livro antigo. A verdadeira escola do futuro vai trabalhar a inteligência, a moral, a ética", prevê Valter.