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Em pauta
Quem determina a programação da TV?
Beth Carmona
Alimentar a voraz programação de um canal de televisão pode, a princípio, parecer uma tarefa mecânica e simplificada. Uma vez que aquilo que chamamos tecnicamente de grade de programação esteja definido, daí pra frente é só seguir preenchendo lacunas, dia a dia, obedecendo o tempo previsto, 12, 18 ou 24 horas. Programas ao vivo, programas pré-gravados, programas adquiridos no exterior, programetes, vinhetas e mais uma série de pequenos conteúdos colocados em seqüência vão definir aquilo que entendemos como a programação de uma emissora.
O comando e a orquestração deste conjunto é fundamental para que exista, a partir da famosa grade, uma coerência e uma certa harmonia entre as partes. Ou seja, antes mesmo da definição da grade, o que manda é uma filosofia orientada que norteia os programadores, os diretores e produtores de programa quanto ao conteúdo e o formato das edições diárias ou semanais.
Se a emissora for comercial, além das orientações quanto ao público-alvo, gênero de programas e tantas outras variáveis, são os índices de audiência os maiores definidores de caminhos para a programação.Sendo assim, no balanço e no mix de fatores de influências, quem tem como tarefa dirigir a programação de uma emissora lida com um quebra-cabeças imenso, onde arte, inteligência e senso de oportunidade são fundamentais para o sucesso de um trabalho. Isso tudo sem mencionar as questões técnicas e financeiras, como pontos fundamentais no processo.
Hoje, no Brasil e em São Paulo, com tantos novos canais florescendo e com uma briga de foice por um lugar ao sol no grande espectro da televisão, sinto uma imensa falta de profissionais que possam trabalhar com uma mínima conceituação da idéia básica de programação. Onde estão as filosofias orientadoras? Até que ponto os empresários de comunicação percebem o tamanho de suas responsabilidades quanto ao conteúdo dos programas que emitem? Seriam as televisões empresas que apenas buscam o lucro e sendo assim só se preocupam com a audiência? Seria o público telespectador o grande responsável pela baixa qualidade dos programas?
Na verdade, é na união da competência com a responsabilidade que encontraremos caminhos para melhorar a programação da televisão. Aberta ou paga, pública ou comercial, a televisão é um meio poderoso demais para ser utilizado de forma tão inconseqüente, como vem acontecendo aqui no Brasil. Os conteúdos e a melhoria da TV em nosso país dependerão e poderão ser definidos por todos nós, empresários, profissionais, telespectadores e cidadãos, se tivermos capacidade de indignação e com ação influir no atual estado das coisas.
Beth Carmona é diretora de programação da TV Cultura.
Marisa Ferreira dos Santos
A programação das emissoras de televisão está repleta de sensacionalismo e exposição pública das misérias pessoais. Deixando de lado a questão relativa ao psiquismo individual, que faz com que se possa encontrar divertimento na exposição da dor alheia, é de se perguntar se a escolha do que se vai exibir na TV deve ser conduzida como se fosse uma questão de mercado, de caráter nitidamente comercial. Penso que a análise deve ser feita pelos caminhos da ética e não das relações de consumo. As emissoras de TV não são meras comerciantes de divertimento. Seu papel ultrapassa os limites econômicos para entrar nos da formação moral, política e intelectual do espectador. Os meios de comunicação são formadores de opinião, e nessa qualidade são também os primeiros juízes do fato exposto ao público. E é partindo dessa premissa que se deve indagar o que a Constituição Federal tem a dizer a respeito.
Ao elaborar uma Constituição, o povo, por seus representantes, faz uma opção ética, ou seja, escolhe e hierarquiza valores que conduzirão sua vida política e individual. E foi assim que, já no artigo 1º, a Constituição Federal deixou estabelecido que o regime político que escolhemos é o do Estado Democrático de Direito, tendo como fundamentos, dentro outros, a cidadania e a dignidade da pessoa humana. Preocupou-se a Carta Magna em enumerar exaustivamente, no artigo 5º, os direitos e garantias fundamentais, dando ênfase à liberdade, com a eliminação da censura e garantindo a livre manifestação do pensamento e o acesso à informação, além do livre exercício de ofício e profissão, temas que dizem com a questão de que ora se trata. Mas não se esqueceu o legislador constituinte de que a liberdade de uns encontra seus limites no direito de outros, razão pela qual apressou-se em prescrever que também têm proteção a intimidade, a honra e a vida privada das pessoas, além de sua imagem, assegurando indenização por dano material ou moral de sua violação.
A opção ética de que falamos foi pelo ser humano, com o intuito de protegê-lo contra as violações de sua dignidade. E é justamente aqui que encontra ênfase o papel das emissoras de TV e dos demais meios de comunicação. Se, por um lado, a liberdade de expressão e de manifestação do pensamento é garantia fundamental, por outro, os limites dessa liberdade estão definidos pelo fundamento do Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana. Daí se concluir que a programação de TV não pode afrontar os direitos individuais, sob pena de responder por dano material ou moral.
São comuns, e com elevado índice de audiência, os programas em que pessoas são expostas publicamente em sua miséria material e íntima. Pessoas que vêm expostas suas dores, suas mazelas, que, aliás, atingem indiscriminadamente qualquer ser humano, seja qual for seu nível econômico e intelectual. Mas os que vemos expostos ao público não são os ricos e nem os intelectuais; são os pobres e os ignorantes, aqueles que a vida marginalizou e que mais marginalizados ficam depois dessa exposição. É como se fossem os cristãos devorados vivos pelos leões nas arenas de Roma. Só que temos que considerar que os limites das arenas, hoje, são o mundo, alcançado via satélite ou Internet.
E aí vem o argumento: elas são expostas porque com isso concordam. Não creio que sejamos tão ingênuos a ponto de aceitar essa justificativa, até porque a concordância daquele que foi exposto indevidamente não torna válido o ato do expositor, porque a dignidade da pessoa humana, a sua honra, intimidade e privacidade são bens maiores, cobertos pelo manto da indisponibilidade, ou seja, não podem ser objeto de transação pelo seu titular. Vivemos num país de contrastes, com dimensões territoriais de um continente, habitado, em sua maior extensão, por um povo material e culturalmente desvalido, cujo único meio de informação e formação é, sem dúvida, a televisão, que, aliás, ainda não chegou a todos os rincões deste imenso território. E se a TV veicula a exposição da intimidade e da privacidade das pessoas, fornece ao seu espectador a única opção inteligível para a maioria da população, já que não vai se interessar em assistir um concerto de cordas quem nunca teve informação ou formação para apreciá-lo. A telinha é a única janela para o mundo de que dispõe a população carente, sem a possibilidade de opção pelas emissoras alternativas em face de sua condição econômica, e sem deslocar-se desse território de miséria para se tornar cidadã do mundo.
As garantias fundamentais eleitas pela Constituição ainda não são de conhecimento de toda a população brasileira, daí decorrendo que as sucessivas violações à honra, privacidade e intimidade das pessoas não são punidas, o que encoraja as emissoras à produção desses programas. Mas essa situação não será eterna porque, embora a longo prazo, o trem da modernidade acabará chegando a todas as estações econômicas, sociais e culturais, trazendo esclarecimento ao povo sobre seus mais elementares direitos, conduzindo à conscientização que impedirá que esses mesmos direitos sejam violados impunemente.
Também cabe lembrar que a TV traz a notícia, a informação do que corre pelo Brasil e pelo mundo, dando sempre destaque ao noticiário policial. Pessoas acusadas da prática de crimes são expostas publicamente sem que antes lhes tenha sido dada a oportunidade de defesa, que, aliás, também é garantia fundamental elencada no artigo 5º. Todos os acusados têm direito ao devido processo legal e à ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes, e ninguém poderá ser considerado culpado antes que o declare uma sentença judicial definitiva, ou seja, da qual já não caiba recurso. Volta-se, com isso, ao nosso ponto de partida: os meios de comunicação se apresentam como os primeiros julgadores da pessoa e do fato, e julgam sempre com muita severidade, de forma irreversível, porque aquele que foi exposto à execração pública, mesmo que prove depois sua inocência, não terá o mesmo espaço para demonstrá-la, de onde se pode concluir que a mídia julga, condena e executa sumariamente.
Concluo, com isso, que a opção ética estampada na Constituição Federal também abrange os meios de comunicação e seus dirigentes, de modo que, com ou sem o consentimento do interessado, em fase da indisponibilidade dos direitos e garantias fundamentais, o dano material ou moral decorrente da violação deverá ser indenizado. Cumpra, portanto, a televisão, o seu papel social de levar aos excluídos sociais formação e informação que lhes propiciem sair de sua condição de miserabilidade e alcançar a de dignidade, para que não se faça da Constituição Federal um mero jogo de risíveis palavras.
Marisa Ferreira dos Santos é Juíza Federal
José Manuel Moran
A televisão comercial aberta procura desesperadamente atrair o maior número de pessoas, todos os dias, em todos os horários. A maior parte do público apoia atualmente – pela audiência – a programação que a TV apresenta, cada vez mais cheia de sensacionalismo, escândalos, brigas e sexo.
Quem influencia quem? A TV ao público ou o público à TV? Ambos se influenciam. Se a população não se interessasse da TV não resistiria duas semanas. Como os profissionais de televisão percebem que a violência, sexo, fofoca dão audiência, insistem mais e mais nos mesmos ingredientes, seja nos programas de auditório, nas novelas ou nos informativos.
A televisão, ao mostrar predominantemente as dimensões mais espetaculares, dramáticas, nebulosas da vida trabalha sempre com a exceção, o exagero e isso influencia a percepção que vamos tendo do mundo: ele parece muito mais violento e estranho do que realmente é.
Por que a TV faz isso? Porque ela está voltada para o que dá retorno-lucro imediato, para o que agrada às pessoas instantaneamente, para a fórmula segura que mexe com emoções instintivas primárias. A TV comercial não pode demorar, esperar por uma mudança do gosto do telespectador, porque a concorrência é violenta e quando o público se afasta, custa a voltar.
Por que a população se liga em tantos programas de "baixaria"? Porque encontra na TV questões mal resolvidas na sua vida pessoal e coletiva. As pessoas sentem muitos medos, externos e internos; a violência está exacerbada em todas as organizações e dentro delas. A sexualidade não está bem integrada com as dimensões da vida. Enquanto avançamos de forma portentosa na ciência e tecnologia, continuamos na idade da pedra na evolução pessoal, na humanização, apegados a mil formas mesquinhas de sobrevivência.
A programação da TV incentiva um modelo de sociedade voltada para o consumo, para o dinheiro, as satisfações imediatas. Uma TV que expressa os valores do capitalismo competitivo, individualista; de comunicação superficial e inautêntica. Uma TV que nos converte a todos mais em consumidores do que em cidadãos.
Na programação da televisão todos temos nossa parcela de "culpa" por aceitar passivamente que um serviço público – que pertence à sociedade – tenha se transformado em um grande mercado de negócios, onde a população não exerce nenhum poder de pressão. O governo e o poder legislativo favorecem muito mais a TV comercial do que a pública, num conluio de troca de interesses.
As saídas parecem caminhar na direção da utopia. De um lado, investir mais em outros modelos de televisão não atrelados à dependência da publicidade, buscando e aprendendo novas formas de organizar e produzir televisão. Mas precisaríamos, simultaneamente, elevar o nível cultural e educacional da população, para que esta prefira uma programação mais rica, inovadora, artística. Isso só se consegue com mudanças sérias no processo educacional do país, cujos resultados – se houver perseverança – só se tornarão visíveis a médio e longo prazos.
José Manuel Moran é Professor de Televisão da Universidade de São Paulo
Cassiano Sydow Quilici
Alguns profissionais da mídia acreditam que só será possível melhorar a programação das TV’s a partir de profundas mudanças na estrutura educacional do país. Afinal, dizem eles, os meios de comunicação são empresas que precisam "faturar", e a massa de consumidores "escolheu" (sic) os programas que estão aí! O espectador médio tende a preferir as formar de "entretenimento fácil", que ajudam a aliviar as tensões do cotidiano (sic). Portanto, enquanto a "revolução educacional" não chega, fiquemos com Ratinhos e Faustões...
Ampliação e mudanças nas instituições educacionais podem, sem dúvida, elevar o nível crítico dos espectadores, repercutindo assim na qualidade da TV. Mas, será que a responsabilidade pela crise cultural do país deve ser assumida apenas por aqueles que trabalham com a educação "formal", nas escolas? Acho que não. A formação das crianças e jovens na sociedade moderna se faz em diferentes contextos culturais. A família, a escola, as relações dentro do próprio bairro, convivem coma a extraordinária expansão das mídias e da publicidade, que tem ocupado um amplo espaço na vida das pessoas. A TV tem sido não só uma "babá eletrônica" para as crianças, como também uma poderosa difusora de hábitos mentais e estéticos para adolescentes e adultos. Num país com alto índice de analfabetismo, a comunicação pela imagem adquire uma enorme importância, seja como fonte de informações jornalísticas, seja como forma de lazer e até da "educação sentimental".
É certo que, mesmo dentro de condições precárias, nem sempre os espectadores assimilam passivamente as mensagens que recebem. Mas o pleno desenvolvimento do repertório cultural e do discernimento dependem fundamentalmente da qualidade do repertório cultural que o indivíduo possui. É a partir deste repertório que ele poderá estabelecer comparações, avaliar e selecionar o que está recebendo. O ambiente urbano está saturado de mensagens e estímulos, o que muitas vezes provoca um estado de excitação mental e de stress. A influência que a mídia exerce não está só relacionada com os "conteúdos" que veicula, mas com as formas de "sensibilidade" que cria. A velocidade e a fragmentação das imagens, as informações rasas, o apelo desmesurado aos sentidos e a espetacularização dos fatos, tudo isso pode ajudar a criar indivíduos dispersivos e insatisfeitos, incapazes de aprofundar o conhecimento que têm da realidade. Não basta portanto uma programação "variada", mas é necessário que hajam programas com novas propostas estéticas, com uma linguagem acessível mas de qualidade, que efetivamente amplie as possibilidades do espectador "ler" e dialogar com mundo.
Será que os compromissos comerciais das empresas são um obstáculo definitivo para estas propostas? A alarmante situação coletiva que vivemos exige que todo cidadão pense não apenas nos seus objetivos imediatos, mas no mundo que está ajudando a criar. É ilusão achar que se pode viver imune às múltiplas formas de violência da sociedade atual. Portanto, é preciso considerar com muita seriedade, qual tem sido a nossa contribuição para resolver problemas tão graves, e quais as consequências geradas pela nossa atuação profissional. A mídia é uma área estratégica para a transformação da nossa "atmosfera" cultural. Sua responsabilidade é proporcional à grandeza da sua tarefa e ao volume de recursos que mobiliza. As professoras primárias tem enfrentado uma realidade muito pesada. A Xuxa também tem que ajudar!
Cassiano Sydow Quilici é Professor do Departamento de Jornalismo da PUC e dramaturgo
Ana Dip
Li na Folha de São Paulo a seguinte manchete: ANÚNCIOS "SEGURAM" O TELESPECTADOR. Uma pesquisa feita pela agência J. Walter Thompson concluiu que o telespectador muda mais de canal durante a programação do que durante os comerciais. Será fenômeno cultural dos tempos modernos? Pensei.
Uma outra manchete, desta vez na Gazeta Mercantil: CONTROLE REMOTO DESAFIA A PUBLICIDADE NA TV. Uma pesquisa feita pela J. Walter Thompson concluiu que, com o controle na mão, o telespectador tem o poder de trocar de canal a toda hora, principalmente quando o comercial está no ar ou quando os breaks se alongam por mais de 3 minutos. Interessante como as conclusões se diferem e nós, telespectadores, nunca sabemos a verdade sobre a guerra pela audiência travada pelo poderosos das redes abertas. Hoje mais de 85% dos lares brasileiros têm pelo menos um aparelho de televisão e as TV’s abertas estão com sua programação cada vez mais popular aproveitando-se da enorme ampliação do mercado de telespectadores entre as classes C e D.
A expansão das TV’s por assinatura no Brasil também é um fenômeno à parte. Os canais disponíveis aumentam, as assinaturas crescem a cada mês cerca de 4% ainda nas classes C. E sobre o controle de audiência, ninguém sabe absolutamente nada. Com certeza, não é por falta de tecnologia para medir e sim por excesso de interesse das redes abertas em não medir. Por enquanto não é um mercado atraente do ponto de vista comercial, na medida em que está sendo formada a sua rede de recepção.
Pois é este o pano de fundo que comanda o mercado das televisões. Um segmento que hoje, e talvez sempre, tenta alucinadamente buscar fórmulas para a manutenção da audiência global, ou seja, a máxima audiência durante todo o tempo. Como se todo mundo fosse de engolir sapos do mesmo tamanho. E, se não, a tentativa é pela manipulação da informação sobre aquilo que realmente agrada ao telespectador.
O que pensar então sobre o controle ético daquilo que é exibido pelas programadoras? Como discutir a qualidade no meio da tanto interesse comercial?
Dizem alguns que o grande público gosta de violência, cenas de sexo e, principalmente, de programas que buscam audiência explorando a miséria e a falta de cultura do povo.
Dizem outros que a televisão foi feita apenas para entretenimento e não para educação e formação.Qual será o papel da televisão? E até que ponto o tipo de entretenimento oferecido pela TV aberta pode não ter controle? O que estamos fazendo com as cabeças das crianças brasileiras que deveriam estar nas escolas e estão na frente das TV’s em média por quatro horas diárias?
Já que este país tem a cultura da televisão tão forte assim, por que não aproveitar e enriquecer o Brasil com programas de qualidade que, aliás, o brasileiro sabe fazer muito bem? A televisão brasileira sempre ocupou um lugar de destaque internacional pela qualidade no que um destaque pelo seu conteúdo?
O controle de televisão está na mão de quem a faz até que a sociedade entenda que cabe a ela criar mecanismos de controle e reverter a classificação do conteúdo da TV brasileira de zero para dez em sua maioria. Ao governo cabe julgar os casos de ações indenizatórias por violação da dignidade.
E às redes de televisão que já contribuem com um conteúdo de qualidade, cabe a tarefa de manter e melhorar sempre, além de participar de ações em defesa da melhoria da qualidade de vida do cidadão através de sua programação.
Ana Dip é Diretora Geral da TV SENAC São Paulo
Célio Nori
Programação da TV: Quem é o responsável?
O surgimento dessa questão, de imediato, provoca respostas já conhecidas.A responsabilidade é dos pais, obrigados a dar uma boa educação para seus filhos. A responsabilidade é das autoridades que devem zelar pelos interesses da população. A responsabilidade é das emissoras de TV, que devem respeito aos seus telespectadores.
A essas respostas somam-se tantas outras semelhantes, que buscam encontrar culpados ou apresentar denúncias. Muito embora cada uma delas possa revelar parte da verdade, a dúvida persiste e a indagação básica permanece literalmente no ar.
A discussão desse problema esbarra sempre num dilema muito difícil de ser superado. Como conciliar atitudes concretas que possam livrar o cidadão do mau gosto, da violência sem nenhum sentido, da pornografia e de outras práticas socialmente indesejáveis, veiculadas pela TV em seu cotidiano, sem adentrar no terreno ainda mais indesejável que é o estabelecimento de algum tipo de censura?
A dificuldade em superar esse dilema via de regra consegue impedir o avanço de novas idéias e propostas para o encaminhamento de soluções sobre problemática tão significativa.
Por seu caráter invasor e pela facilidade de acesso, a televisão, nesse particular, requer uma reflexão mais aprofundada. Diferentemente do cinema, teatro e outras formas de espetáculos, para os quais as pessoas escolhem livremente sua opção, pagam ingressos e submetem-se aos horários programados, para interagir e participar do mundo televisivo basta simplesmente apertar um botão e praticamente durante 24 horas do dia todos os segmentos etários da população têm a sua disposição toda sorte de mensagens emitidas por esse meio de comunicação.
Nesta reflexão cabe também indagar quais são as funções da televisão: informar, formar, entreter, educar? Aliás, sobre esse último item, muitos advogam que a TV necessariamente não tem a função de educar. Sem entrar no mérito da afirmação, pode-se porém afirmar que se a função da TV não é educar, muito menos será a de deseducar.
Todavia, não se pode esquecer que a todas essas possíveis ou eventuais funções da TV sobrepõem-se, dentro da lógica consumista do capitalismo, a função de vender, que no caso da TV é balizada fundamentalmente pela audiência de sua programação.
É aí que a coisa pega, pois para atingir o objetivo supremo de vender, não raro, vale tudo. E esse vale-tudo inclui também o grotesco. É muito difícil resistir ao grotesco, mesmo não concordando com ele. Ainda que exercendo um pensamento crítico a respeito ou mesmo ridicularizando-o, muitos acabam sendo absorvidos pela natural curiosidade que ele desperta. O grotesco é quase um masoquismo consentido.
E a TV, ou melhor dizendo aqueles que fazem a TV, sabem muito bem disso e exploram sobremaneira essa faceta da personalidade humana, sobretudo daquelas pessoas mais indefesas, seja pela ignorância, pela deseducação ou pelas carências que as modernas sociedades impõem a parcelas majoritárias de suas populações.
Diante de todas essas nuances, uma proposta. Considerando-se que numa democracia o povo é a fonte suprema do poder e seus interesses devem prevalecer sobre quaisquer outros e, dessa forma, a sociedade organizada deve exercer o controle sobre todas as suas atividades, inclusive e principalmente sobre as mais poderosas - o Estado, o mercado e os meios de comunicação de massa - sugerimos a criação de uma defensoria pública específica em relação à televisão.
Evidentemente a implantação de tal instituição deveria ser precedida de amplo debate envolvendo toda a sociedade civil. O funcionamento dessa defensoria poderia ser concretizada através de conselhos de ética televisa implantados em cada rede de emissoras, por elas mantidas financeiramente, cujos membros porém teriam ampla autonomia de ação, pois seriam indicados pela própria sociedade civil e com uma atuação garantida por uma legislação com tal finalidade.
Os pareceres, sugestões, críticas e avaliações formuladas por esses conselhos, com a imprescindível participação dos cidadãos em geral e de outras instituições, seriam periodicamente levados ao ar, a exemplo do que ocorre com os programas dos partidos políticos. O teor desses comunicados não teriam função de censura ou de provocar impedimentos e tampouco estabelecer punições. Mas seria sem dúvida alguma um balizamento significativo sobre a qualidade da programação das emissoras, estabelecendo importante feedback para os seus telespectadores.
Célio Nori é sociólogo e assessor da unidade do Sesc Santos