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Ecologia
Consciência ambiental
O biólogo João Paulo Capobianco, secretário-executivo do Instituto Socioambiental, confirma esse novo cenário de defesa da ecologia. "Antes, a briga era para sentar à mesa de negociação. Hoje, estamos nela." Capobianco vê também nos investimentos localizados uma excelente maneira de explorar os recursos naturais. "São nesses trabalhos comunitários que podemos constatar a aplicação prática do termo desenvolvimento sustentável." Segundo ele, um exemplo de projeto que inclui essas comunidades locais nos investimentos realizados no país é o Programa Piloto para a Conservação das Florestas Tropicais. Parte do programa, que conta com o financiamento do G-7 (grupo dos sete países mais ricos do mundo), é a exploração da castanha pelos castanheiros do Pará. Até há pouco tempo o processo era dominado pelos atravessadores, que comercializavam o produto. Os castanheiros extraíam a castanha e a entregavam in natura para uma empresa que beneficiava, embalava e exportava o produto. Hoje, devido ao investimento feito na região, eles pré-beneficiam, comercializam internamente e até já exportam a castanha. "Essa é uma experiência que agrega valor à comunidade e aprimora a tecnologia usada por ela", diz Capobianco. Com a sofisticação da produção, o produto se torna de melhor qualidade, assim como as condições de vida e de trabalho dos castanheiros. Dessa forma, a idéia de desenvolvimento sustentável se torna prática, com uma exploração mais racional e, portanto, menor dos recursos naturais. De acordo com o biólogo, para que experiências como essa possam se proliferar é necessário modificar o enfoque do que é aceito como desenvolvimento.
A idéia de desenvolvimento foi a idéia-chave dos anos do pós-guerra. Dividiu-se o planeta em dois blocos com ideologias antagonistas, capitalista e socialista. E ambos apresentavam ao Terceiro Mundo seu modelo. O desenvolvimento imposto aos países seguidores dos dois blocos pode ser traduzido na ânsia irrefreável de progresso, ou seja, a submissão total dos recursos naturais a serviço de conquistas territoriais e tecnológicas. O crescimento econômico a qualquer custo, predatório e voraz, foi por muitos anos desafeto à preservação do meio ambiente. No mundo civilizado não poderiam subsistir harmonicamente florestas retrógradas e indústrias progressistas. A natureza obstava o progresso.
Trata-se de uma concepção extremamente redutora, quando se coloca o crescimento econômico como o único motor necessário e suficiente para todos os desenvolvimentos sociais, psíquicos e morais. "A noção de desenvolvimento se apresenta gravemente subdesenvolvida", costuma dizer o pensador francês Edgar Morin. O mito do desenvolvimento determinou a crença de que era preciso sacrificar tudo por ele. Inclusive o meio ambiente.
Desenvolvimento sustentável
Somente nas últimas décadas acumularam-se evidências de que o desenvolvimento econômico alcançado por alguns e perseguido por muitos estava causando efeitos trágicos sobre o meio ambiente. Uma resposta às preocupações relativas ao crescente impacto da atividade humana sobre os recursos naturais surgiu em 1983, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) criou a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento para discutir e propor meios de harmonizar o desenvolvimento econômico e a conservação ambiental.
A comissão, presidida pela então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, reuniu-se pela primeira vez em outubro de 1984 e, em abril de 1987, publicou o relatório Nosso Futuro Comum, contendo 400 páginas. Nesses quase três anos, paralelamente ao trabalho da comissão, ocorreram tragédias ecológicas, como a explosão de um reator nuclear em Chernobyl, o auge da seca na África, o vazamento numa fábrica de pesticidas na Índia que matou mais de duas mil pessoas, deixando 200 mil intoxicadas, a morte de milhões de peixes e a ameaça ao abastecimento de água potável na Alemanha e na Holanda devido à contaminação do rio Reno por produtos químicos.
Mas foram quase três anos também que permitiram o surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável, que viria a mudar a idéia de progresso vigente. No relatório consta que, "em essência, o desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas."
"Antes desse conceito, vivíamos numa espécie de síndrome da ratoeira", diz o professor titular de engenharia ambiental da Universidade de São Paulo (USP), Carlos Celso do Amaral e Silva. "Buscava-se na natureza o seu benefício imediato sem se preocupar com os riscos que ele poderia causar no futuro. Assim como o rato diante de uma armadilha. Se ele soubesse que atrás do queijo teria uma ratoeira, não o comeria."
Foi em meio a essa nova situação que, em 1985, a Associação das Indústrias Químicas do Canadá criou o Responsible Care, um programa que, antecipando-se ao relatório da ONU, aplicou o conceito de desenvolvimento sustentável a ser seguido pelas indústrias químicas canadenses. A idéia surgiu em grande parte para recuperar a imagem negativa dessas indústrias junto à opinião pública pois, por muito tempo, elas foram consideradas as grandes vilãs, responsáveis pela degradação do meio ambiente.
No Brasil, o programa só foi adotado pela Associação Brasileira de Indústrias Químicas (Abiquim) em abril de 1992. Ganhou o nome de "Programa de Atuação Responsável", mas manteve o princípio do seu similar canadense de ser um instrumento eficaz de gerenciamento ambiental. Atualmente, o programa existe em mais de 40 países e, no Brasil, é adotado por mais de 60 empresas. Outros segmentos industriais também desenvolvem programas de preservação ambiental, mas a mudança efetivada na indústria química, que sempre foi das mais poluidoras, representa um marco. "A indústria química era a que mais criava impacto ambiental. Hoje em dia é a que mais formula programas para cuidar do meio ambiente", diz José Carlos Siqueira, membro do departamento técnico da Abiquim.
Qualidade de vida
Além de ter trazido à tona o termo desenvolvimento sustentável, o relatório Nosso Futuro Comum, da ONU, associou pela primeira vez a pobreza com a degradação do meio ambiente. Ou seja, economia e meio ambiente são dois campos que devem ser pensados em conjunto. "Para sobreviver, os pobres e os famintos muitas vezes destroem seu próprio meio ambiente: derrubam florestas, permitem o pastoreio excessivo, exaurem as terras marginais e acorrem em número cada vez maior para as cidades já congestionadas", mostrava o relatório. Os miseráveis tentam sobreviver, por isso pensam a curtíssimo prazo. "Eles não têm nada a perder", diz o deputado federal Fábio Feldmann. É necessário, contudo, interpretar as conclusões publicadas pela ONU. "O relatório faz uma leitura superficial do problema. Sua raiz está nos processos econômicos excludentes ", aponta Capobianco. Para ele, a supervalorização de terrenos e a especulação imobiliária são, nesse caso, alguns dos reais agentes da degradação.
Um exemplo claro esse pensamento é o que acontece hoje em dia ao redor da represa Billings, em São Paulo. Por ser uma área de manancial, a lei determina que suas vizinhanças sejam preservadas e protegidas. Porém, não é isso que ocorre. Calcula-se que já existam cerca de 20 mil pessoas morando em loteamentos clandestinos na região e despejando esgoto nas águas do manancial. Mas efetuar a desocupação e a demolição das construções resolveria o problema? Em pouco tempo, não apareceriam outros para tomar o lugar dos que foram despejados? Como Feldmann salienta, "a questão ambiental é complexa e precisa ser encarada dentro de uma visão holística". E, certamente, desemprego, renda e especulação imobiliária compõem essa visão. "Uma sociedade tem a qualidade de vida que ela pode pagar, não a que ela merece", afirma o professor Carlos Celso.
"A área verde por habitante na cidade de São Paulo não chega a quatro metros quadrados", aponta o arquiteto Paulo Bastos, ex-presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat). "O mínimo aceito internacionalmente são 12 metros quadrados por habitante." Bastos explica que em grande parte o baixo índice de área verde é consequência da ocupação predatória e desordenada da cidade. Somente alguns bairros como os Jardins apresentam uma quantidade de verde superior ao padrão mínimo internacional. "O projeto dessa região, realizado pelo inglês Barry Parker, atendia a uma necessidade de humanização das cidades que se fazia presente no início do século", explica Bastos.
A urbanização caótica contribui para a má qualidade de vida do paulistano. No entanto, poucos sabem que a cidade está cercada por um importante cinturão verde. Delimitada pela Serra do Mar, pela Serra da Cantareira, pela região do alto Tietê e pelo parque do Jaraguá, há cinco anos a Unesco decretou essa área parte da reserva da biosfera mundial. "Nesse cinturão, existe uma biodiversidade maior do que a da Amazônia. Só na Cantareira há 120 espécies de aves", afirma Bastos. "Só que é também nesse cinturão que estão querendo construir o rodoanel viário", desaponta-se.
Aprendendo a preservar
Atento aos problemas de São Paulo, o Sesc contribui para a melhoria da qualidade de vida do paulistano e para a preservação do meio ambiente por meio de programas de educação ambiental realizados nas sedes de Interlagos e Itaquera.
Em Interlagos, onde os 500 mil metros quadrados do Sesc se tornaram uma verdadeira ilha verde em meio aos bairros da zona sul da capital, uma equipe de mais de 20 pessoas, coordenada pela bióloga Maria Alice Oieno de Oliveira, coloca em prática há quase 20 anos o programa Viva o Verde. O programa, que atende muitas escolas, chega a contar com a participação de 4 a 5 mil crianças por dia. Durante a visita, acompanhada por monitores, elas conhecem o viveiro de plantas, o ranchinho com animais, a estufa, a horta e o projeto de reciclagem de lixo desenvolvido no local. Isso sem falar na oportunidade de ver de perto a fauna e a flora original da Mata Atlântica. É uma verdadeira aula ao ar livre sobre a relação do ser humano com o ambiente em que ele vive.
Nos 20 mil metros quadrados de Mata Atlântica que foram preservados pelo Sesc, os alunos recebem noções sobre ecossistemas e biodiversidade em meio a árvores de madeira de lei, ao palmital e exemplares de pau-brasil. Há alguns anos, inclusive, uma espécie de araçá-do-mato, desconhecida dos botânicos até então, foi encontrada no local. O passeio, porém, não se resume à flora. Ali é possível avistar preguiças, sagüis e uma enorme quantidade de pássaros como sanhaço, beija-flor, garça e anu. Os três lagos da sede campestre, que possuem tilápias, traíras e carpas, também são visitados.
"O Viva o Verde foi inspirado num programa de educação ambiental que já era desenvolvido pelo Sesc na década de 70", conta Maria Alice. O Cemeio, como era conhecido, incluía uma visita à estação de tratamento de esgoto do Sesc que, desde a sua construção na década de 60, sempre foi tratado pela entidade antes de ser lançado na represa Billings.
A partir do ano passado, o Viva o Verde mudou um pouco. "Às vezes, as visitas de um dia eram insuficientes", explica Maria Alice. Por isso, o Sesc passou a oferecer atendimentos específicos e dirigidos. No primeiro modelo, em conjunto com as delegacias de ensino e a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, são realizados cursos de capacitação de professores para subsidiá-los no ensino da educação ambiental nas escolas. Além do que, esse tipo de atendimento permite a criação conjunta de projetos específicos para solucionar nas escolas problemas relacionados ao meio ambiente. O atendimento dirigido, por sua vez, visa o aprofundamento de um tema previamente combinado. Ou seja, a escola elege um assunto que seja de seu maior interesse (que pode ser desde o viveiro de mudas até o programa de reciclagem de lixo) e o Sesc, além de realizar a visita de praxe, explora mais o tema eleito com a ajuda de palestras e vídeos. "Essas mudanças auxiliam muito no ensino sobre o meio ambiente", diz Maria Alice.
"A educação ambiental vai além da aquisição do conhecimento técnico-científico", afirma Irene Rosa Sabiá, diretora do grupo técnico de formação e cidadania da Secretaria Estadual do Meio Ambiente. Para ela, assim como para o Sesc, é também preciso mostrar que o meio ambiente envolve a relação do homem com a sociedade, o que abarca conceitos como ética, responsabilidade e cidadania. São esses conceitos que desde 1984 e, mais efetivamente desde 1995, a secretaria procura transmitir nos seus programas de capacitação de professores e nos materiais didáticos que são produzidos para auxiliar esses profissionais na sala de aula. A educação ambiental não é uma matéria específica obrigatória nas escolas. É um tema dito transdisciplinar, que deve estar presente nos programas de outras matérias como história, geografia, ciências, etc. "Atualmente, com o apoio de 41 delegacias de ensino, ele é ensinado em mais de duas mil escolas entre estabelecimentos estaduais, municipais e particulares", diz Irene.
Já o Sesc Bertioga garante sua participação na luta de preservação do meio ambiente, contando com projetos que visam conscientizar a comunidade quanto à questão da ecologia. O primeiro deles é o projeto Avi Fauna, que surgiu de um levantamento feito no ano de 1993 relacionando as espécies de aves que habitam aquela região do litoral paulista. A partir desse levantamento que foi realizado durante os três meses de verão e um de inverno, foram catalogadas sessenta espécies. Algumas delas surpreenderam os técnicos pela sua presença na região, como o Tie-Sangue, espécie rara e em extinção. Com esse trabalho foi possível elaborar um guia de distribuição de comida para os pássaros dentro da unidade. "Espalhou-se alguns dispositivos de alimento no Sesc Bertioga, aumentando sensivelmente a frequencia dos pássaros na região. Essa foi nossa maior conquista", explica Paulo Ricardo Martin, gerente adjunto da unidade. Entre as espécies que aumentaram a sua presença por lá está o canário da terra, que acabou virando símbolo do projeto. A Rolinha Caldo de Feijão, o Piriquito verde e o Beija Flor também voltaram a voar pelo litoral com a implantação do projeto, que foi orientado pela veterinária Cristiane Balerini e pelo biólogo Luiz Sanfillipo.
Desse trabalho surgiram duas publicações, o guia Aves que Habitam o Sesc Bertioga e sua versão infatil composta por figuras coloridas e branco e pretas das espécies relacionadas.
Além do Avi Fauna, o Sesc Bertioga possui um projeto de turismo ambiental para as escolas da Baixada santista e da Grande São Paulo. "Os alunos passam o dia aqui, fazem passeios pela mata orientados por uma equipe especializada, que conhece toda a região. São vários roteiros, porém o mais procurado por eles é a trilha da água", afirma Paulo Ricardo. Para percorrer a trilha, os alunos saem do Sesc-Bertioga de ônibus até o rio Itapanhaú. De lá fazem uma andam 3km até a estação de captação de água do Sesc que fica na Serra do Mar.
O passeio oferece a oportunidade de contato com vários "sistemas, pois a trilha passa por diferentes tipos de paisagem. A caminhada começa por um manguezal, depois passa por uma mata de restinga e finalmente pela Mata Atlântica.
No Sesc Itaquera a educação ambiental é proposta por meio do programa Pólos Integrados de Educação Ambiental. Iniciado há três anos, o projeto não só atende escolares (que chegam a 300 mil por ano) como também está aberto para grupos da terceira idade e turmas independentes. "Procuramos mostrar como o homem pode se integrar à natureza de forma mais racional", conta a engenheira agrônoma Denise Minichelli, responsável pelo projeto.Fazem parte desses pólos a horta, a recuperação e depuração da Mata Atlântica, a piscicultura, o viveiro de plantas nativas e a reciclagem de materiais. Tudo aberto ao público, que pode desfrutar de mais de 200 mil metros quadrados de área verde inseridos na Área de Proteção Ambiental do Carmo.
A horta, por exemplo, é um espaço cercado de muito verde, onde crianças, adultos e idosos podem observar o desenvolvimento de ervas aromáticas, medicinais, verduras e legumes, além de conhecer a hidroponia (cultivo em água) e o minhocário. "Nesse espaço, mostramos como é feita a semeadura e o plantio. Conversamos sobre horta comunitária e alimentação saudável e damos dicas de higiene de alimentos", revela Denise.
Diferentemente de Interlagos, a Mata Atlântica do Sesc Itaquera é uma área de mata secundária. Só que também acolhe bichos, como a preguiça, o lagarto e a garça. Atualmente, esse espaço está sendo recuperado com o plantio de espécies nativas de árvores, orquídeas e bromélias. "As trilhas monitoradas realizadas no local despertam a curiosidade e, por meio de jogos, procuram levantar temas como biodiversidade, preservação e desenvolvimento sustentável", explica a engenheira.
O ano de 1998, eleito pela ONU como o Ano Internacional dos Oceanos, marca os seis anos da realização da Rio-92, a "conferência do século", onde mais de cem chefes de Estado e representantes dos mais diversos segmentos debateram a questão do meio ambiente. Produziu-se duas convenções importantíssimas (sobre a Diversidade Biológica e sobre as Mudanças Climáticas), além de uma agenda com as prioridades para sanear o meio ambiente mundial até o final do próximo século, a Agenda 21. De lá para cá, muito pouco foi posto em prática. Espécies animais e vegetais continuam ameaçadas, a desertificação se acelera, a pobreza aumenta, as florestas são desmatadas cada vez mais, o buraco de ozônio, o aquecimento global, o incêndio em Roraima... . O que mudou então? O paradigma da conservação ambiental. E isso é muito importante. A imagem daquele "ambientalista" sujo e barbudo, que queria protestar sem ter muito o que dizer, parece estar alterada para sempre. Assim como também correm o mesmo risco os governos que não executarem ações, mas somente reações para contentar a opinião pública.