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Desrespeito ao público em grandes espetáculos
Alberto do Amaral Jr.
Qual é a responsabilidade dos organizadores de espetáculos artísticos e culturais pelos danos ocasionados à integridade física dos espectadores? Esta pergunta, cada vez mais importante em função dos riscos a que estão sujeitos principalmente aqueles que comparecem a espetáculos musicais, como experiência brasileira recente demonstra, pode ser respondida com base no Código de Defesa do Consumidor, Lei 8078/90.
De modo geral, para que o Código de Defesa do Consumidor seja aplicado é preciso que haja uma relação de consumo, isto é, que exista uma relação na qual figure em um dos pólos o consumidor e, no outro, o fornecedor. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire produto ou utiliza serviço como destinatário final. Equipara-se o consumidor à coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervido nas relações de consumo. Fornecedor, ao contrário, é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Produto é todo bem móvel ou imóvel, material ou imaterial. Serviço, por sua vez, é toda atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e seguritária salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Código de Defesa do Consumidor estabelece que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e risco. O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor pode esperar, levando-se em consideração as seguintes circunstâncias relevantes, entre outras: a) o modo de seu funcionamento; b) resultado e os riscos que razoavelmente dele se espera; c) a época em que foi fornecido.
O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: 1- que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; 2 - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.O Código determina que no tocante à responsabilidade pelo produto ou serviço equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Diante disso, pode-se concluir que há relação de consumo entre os empresários que organizam espetáculos artísticos e culturais e os espectadores que a eles comparecem. Os organizadores são fornecedores nos termos do Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, respondem por todos os danos sofridos pelos consumidores relativos à prestação do serviço. Entre esses danos incluem-se não apenas os decorrentes do atraso ou cancelamento do espetáculo, mas sobretudo aqueles derivados de falhas nas instalações do local de realização do evento capazes de provocar incêndios ou que dificultem a evacuação do público em situações de emergência. Os organizadores respondem, igualmente, por quaisquer outros danos sofridos pelos consumidores no recinto em que teve lugar o espetáculo, como lesões em consequência de quedas pelo fato de o local não se encontrar adequadamente preparado e ferimentos causados pela explosão de luminárias ou refletores.
Os consumidores podem pleitear a reparação integral dos danos patrimoniais e morais, independentemente de haver culpa dos organizadores. Os consumidores devem, tão somente, indicar a relação de casualidade entre o dano sofrido e a prestação de serviço. A ação pode ser individual ou coletiva devendo ser proposta em cinco anos, contando-se este prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.
Alberto do Amaral Jr. é professor doutor da Faculdade de Direito da USP
Flávio Prado
Um torcedor quando vai a um estádio é totalmente desrespeitado. Ele não tem onde estacionar seu carro; se for de ônibus, é transportado como gado, maltratado pelo motorista, pelo cobrador: um monte de gente em pé em um veículo sujo e desconfortável, sem o menor compromisso com horários. Uma pessoa para ir a um estádio tem que ter muita vontade ou, arriscaria, ser meio tonto e não ter auto-estima. Quando esse torcedor chega lá, se estiver de carro, terá que desembolsar um dinheiro alto para o chamado guardador, caso contrário poderá ter o pneu furado, a lataria riscada e os vidros quebrados, mesmo porque não tem policiamento para isso. Dentro do estádio, se for um jogo grande, a bilheteria já apresenta problemas, não se consegue comprar ingressos, é empurrado, a polícia joga os cavalos para cima do torcedor, e, depois, ainda há as cadeiras sujas. Caso o espectador tenha comprado uma numerada, os números não estão marcados e nunca se consegue encontrar a cadeira que lhe condiz. Quando tem, a comida é de péssima qualidade e a água caríssima, enfim, não poderia ser pior. E isso vale para a arquibancada, geral, numerada, em qualquer lugar o sujeito paga para ser maltratado.
Imagino que essa situação sempre existiu. Pelo menos desde o tempo em que eu pagava ingresso já passava por isso. Houve uma época em que a torcida uniformizada batia em todo mundo e a polícia tratava todo mundo mal. O Morumbi, por exemplo, quase não tinha banheiro, assim, era comum ver pessoas fazendo xixi pelos cantos pela total falta de um lugar decente. O Pacaembu é uma nojeira. Não dá para ir. É imundo. Terrível.
Fora do Brasil há exemplos positivos. No Giant Stadium de Nova York quando se compra um ingresso, e isso pode ser feito pela rede bancária ou por telefone, tem-se direito a uma vaga no estacionamento. Na entrada, tudo é sinalizado, coisa que não acontece aqui de maneira nenhuma. Na verdade, você compra o ingresso e não sabe para onde ir. Lá, você tem escada rolante para entrar e depois, quando chega nas arquibancadas, há sempre um escoteiro ou bandeirante para encaminhá-lo a sua cadeira, que ficará vazia se você não comparecer. Além disso é tudo muito limpo: uma pessoa de boné e luvas serve-lhe um alimento de muito bom nível, em um ambiente limpo e decente. Há alguns estádios que até no banheiro tem um monitor de TV em que é possível acompanhar o jogo. E banheiro é banheiro e não essa coisa nojenta que você não consegue nem chegar perto tal é o mal cheiro. Ou seja, a coisa funciona um pouquinho diferente daqui.
Para mim, a responsabilidade dessa má qualidade nos estádios brasileiros é em parte das autoridades, porque alguns espaços pertencem ao Poder Público, como é o caso do Pacaembu; em parte dos cartolas, que não têm o menor respeito por ninguém e, também, muito da culpa é do próprio torcedor, que aceita ser tratado dessa maneira. Eu, particularmente, não iria a um estádio nessas condições, pois exijo ser respeitado. Ser for a um cinema e o banheiro estiver sujo, nunca mais volto. Se for a um teatro e meu lugar não estiver garantido, nunca mais vou. Eu acho que as pessoas têm de se fazer prevalecer e valorizar. Enquanto elas aceitarem ser tratadas como lixo, serão tratadas como tal.
O consumidor paga e tem de ser respeitado. Da mesma maneira que um produto. Se não for bom, os fabricantes terão problemas, se você deixar de ir a um determinado lugar porque é desconfortável, as pessoas terão de melhorar isso. Agora, enquanto estiver essa bagunça as coisas não vão mudar, porque a cartolagem não está nem aí. Eles querem apenas o dinheiro e não têm a menor preocupação com o conforto do torcedor. A reação tem de partir do torcedor, e talvez já esteja acontecendo isso, tendo em vista que os estádios já não enchem mais em quase nenhuma hipótese.
A solução para tudo isso está na profissionalização. O profissional quer o dinheiro de uma maneira limpa, decente. O que ocorre agora está errado, pois ganha-se dinheiro através de atos escusos e do caixa 2, etc. Se o empresário de futebol precisar do público para ter seu retorno, e havendo uma investigação por parte da Receita Federal sobre o dinheiro que entra nos clubes, todos serão obrigados a tratar decentemente o consumidor/torcedor para que ele possa comparecer e gastar seu dinheiro.
Flávio Prado é jornalista e apresentador do programa Cartão Verde
Dinho Ouro Preto
O final do milênio, quando a população humana deve estar se aproximando dos seis bilhões, aponta para sociedades em que tudo se calcula em números estratosféricos. Das linhas de produção de um novo carro às finais de um campeonato, tudo é dirigido a um número cada vez maior de consumidores ou espectadores. A constatação seguinte é que o poder de quem oferece esses serviços ou produtos vai ser também colossal. É a nova era das corporações. A elas cabe decidir tudo, do que vestimos ao que vemos na televisão. Parece teoria conspiratória? Admirável mundo novo? Parece, mas nem por isso deixa de ser verdade. A indústria cultural e da informação não é muito diferente. Cada vez maiores, elas passam a ter atitudes que mais parecem políticas externas de potências coloniais. Ampliar mercados e proteger seus interesses são as palavras de ordem. Não há almoço grátis. A pauta do dia é aumentar as vendas. Sempre. Segundo pensadores como Chomsky, não haveria sequer tal coisa como notícia imparcial, nem em jornais tidos como independentes como o New York Times ou o Washington Post. Sempre haveria uma agenda própria a ser preservada.
O tamanho e poder desses conglomerados "culturais" é tão avassalador que até governos tentam reagir. A França é o melhor exemplo. Embora até agora em vão, e frequentemente mais parecendo dor de cotovelo, os franceses reagem e procuram proteger sua cultura.
No que se refere à indústria fonográfica, tal como no cinema, as produções ficam cada vez maiores, mais caras. Para pagá-las as vendas também precisam de proporções bíblicas. Toda a cadeia que envolve o produto também, da promoção, divulgação ao show.
Estaríamos portanto condenados a nos contentar com uma programação decidida entre goles de whisky, charutos e gargalhadas de executivos inescrupulosos?
Como eu sou um eterno otimista acredito que não. O motivo é simples, acredito que os novos tempos trazem uma revolução silenciosa que está ainda nos seus primórdios. A ponta do iceberg é a Internet e as centenas de canais de TV a cabo. Explico-me: vivemos o que parece ser um paradoxo, apesar do incontestável poder desses grupos, assistimos a uma pulverização dos meios de comunicação. Hoje é possível produzir, divulgar e distribuir produtos que não façam parte de gigantes corporativos.
A tecnologia aponta para um caminho em que o cidadão terá a possibilidade de procurar algo mais adequado ao seu gosto. A segmentação do mercado já é uma tendência, mesmo no Brasil. É como se as pessoas tivessem reagido à massificação. Ela é ideal para as corporações que precisam de grandes números mas para o público é um desastre porque desconsidera a diversidade humana.
No show-bizz a tendência vem sendo de espetáculos imensos, para multidões. Para qualquer um que já foi a um show desses é óbvio que as circunstâncias desses eventos está longe do ideal. Não se ouve nem se vê nada direito, e sobretudo diante de toda confusão é dificílimo manter-se concentrado no que acontece no palco. Eu já participei desses eventos como artista e já fui também como espectador. Ambas as situações são desagradáveis. Duvido que haja artista que prefira tocar assim do que estar num lugar menor onde exista contato com a platéia. Do palco não se vê nada, só uma massa uniforme. De um palco pequeno sente-se a energia, a resposta, o intercâmbio imediato com a platéia. É óbvio que o inverso também é verdade, num lugar menor não há como usar subterfúgios para disfarçar uma má apresentação. Vários artistas que hoje só tocam em eventos como esses, dos Stones ao U2, procuram sempre que possível se apresentar em lugares pequenos. Em geral esses shows são feitos de surpresa, mas eu acredito que eles servem para que os músicos não percam contato com pessoas reais, para que não se esqueçam do que é um show de verdade. Um show de verdade é aquele em que as pessoas ouvem e vêem tudo que é feito e tocado.
Não acredito que grandes produções estejam com os dias contados. Sempre haverá filmes e shows para imensas platéias, mas a qualidade das pequenas tende a aumentar com a democratização que a tecnologia traz. Elas serão uma alternativa para quem não suporta ser tratado como gado.
Dinho Ouro Preto é cantor
Orandi Mura
Nos anos 50, quando o Estádio do Morumbi foi projetado, era simplesmente para a realização de jogos de futebol. Não se imaginava o acontecimento de grandes espetáculos. Mas hoje a realidade é outra, para não ficar ocioso em algumas épocas do ano, locamos o estádio para a realização de grandes espetáculos/shows (por exemplo Queen, Hollywood Rock, Michael Jackson, Madonna e U2 – que será realizado em janeiro de 98) e grandes encontros religiosos (por exemplo: a visita do Papa, testemunhas de Jeová, Renovação Carismática e Igreja Mormon).
O estádio hoje é escolhido para grandes eventos, devido a sua localização geográfica não ser no Centro da cidade e sim em um bairro onde há avenidas que facilitam a circulação e o acesso por muitos veículos, com um bom espaço para estacionamento e infra-estrutura para grandes eventos.
Quando da realização de um evento, pequenas modificações acontecem para melhor atender ao público, ex.: rampas de acesso ao campo, cobertura do gramado, etc.
Porém, nenhum estádio de futebol está preparado para receber grandes eventos. São feitas adaptações para os dias de show: um grande palco, cadeiras especiais, camarotes e coberturas. Em várias casas de espetáculos – algumas já usadas até para a venda de materiais agropecuários, a grande dificuldade é logo encontrada na área externa: estacionamentos caros e distantes, em dias de chuva então, impossível não chegar molhado na casa. Isso sem contar a lotação total, saídas de emergências estreitas e fios para todos os lados. Fico observando tudo e sempre preocupado.
Com a atual reforma, o Estádio do Morumbi terá sua capacidade reduzida, mas ainda assim continuará a ser um grande estádio.
Estamos nos preparando melhor para novos espetáculos com maior conforto para o público, sinalizações adequadas informando acesso, saídas de emergência e outros, ainda com áreas coloridas para melhor visualização do local, reformas estruturais em todos os setores, incluindo sanitários e locais de alimentação.
Mas eu insisto, não existe no Brasil um local que tenha uma estrutura especial para grandes eventos, o único, que tinha uma concha acústica para o acontecimento de espetáculos musicais, era o Pacaembu, mas raramente foi utilizado a ponto de, em 1969, a Prefeitura de São Paulo derrubar a concha.
Orandi Mura é do Departamento de Marketing do Estádio do Morumbi
Rubens R. Ricciardi
Não podemos nos queixar da quantidade de teatros e salas de concertos existentes no Brasil.
De Norte a Sul temos exemplares de beleza internacional. No Norte e Nordeste, pelo menos quatro capitais dispõem de excelentes palcos para as práticas artísticas, como o Teatro Arthur Azevedo de São Luís; o Teatro da Paz (construído entre 1868 e 1874) de Belém em estilo neo-clássico; o belíssimo Teatro José de Alencar de Fortaleza (1910) em estilo art nouveau; sem contar com o mais famoso de todos eles, o recém-restaurado Teatro Amazonas (1896) de Manaus, que muito embora comporte não mais que 700 espectadores, seu luxo é único em toda a região, um teatro de ópera com excelente acústica, um verdadeiro orgulho nacional que registra a riqueza do ciclo da borracha na Amazônia.
No Rio de Janeiro, temos pelo menos três excelentes teatros para a música, como a Sala Cecília Meireles, de arquitetura simples, mas de excelente acústica e confortável acomodação; o belíssimo Salão Leopoldo Miguez junto à Escola de Música da UFRJ, construído em meados do século 19, possuindo uma das melhores acústicas do país, todavia carecendo ainda de ar condicionado, o que para uma cidade quente como o Rio de Janeiro passa a ser um problema sério, mas que quando resolvido, propiciará certamente ao público a possibilidade de desfrutar todos seus detalhes de ornamentação; e finalmente, o Teatro Municipal, influenciado pela arquitetura da Ópera de Paris, talvez seja nossa melhor casa de ópera, um marco grandioso do cosmopolitismo de nossa antiga capital.
Em São Paulo, a grande expectativa é pela inauguração da nova Sala de Concerto na estação Júlio Prestes, um projeto ousado, digno de Primeiro Mundo, que a capital paulista há muito faz por merecer. Tudo indica que a nova sede da Orquestra Sinfônica do Estado de são Paulo (OSESP) venha a ser uma das melhores salas para concertos sinfônicos do planeta. A expectativa é grande. Já o Teatro Municipal (1903-1910), mesmo com toda sua beleza e esplendor, tem problemas de acústica e de acomodação para os ouvintes, problemas estes infelizmente não resolvidos com a reforma sofrida nos anos 80. São Paulo conta ainda com inúmeras salas modernas de muito charme, como o Auditório do MASP, a Sala São Luís e o Teatro de Cultura Artística.
No Sul, duas capitais despontam com bons teatros, o pequeno e aconchegante Teatro São Pedro de Porto Alegre e o Teatro Guaiba de Curitiba.
Já outras capitais brasileiras deixam a desejar em matéria de teatros. Em Belo Horizonte, Recife ou Salvador, por exemplo, não há uma casa de espetáculos musicais à altura da importância dessas cidades.
Na Capital Federal, temos o Teatro Nacional com os mesmos problemas do Memorial da América Latina em São Paulo, a arquitetura de Oscar Niemeyer, que é original e bonita de se ver, mas impossível de se ouvir o que toca dentro dela. Talvez o grande arquiteto oficial do Brasil tenha se esquecido que sala de concertos é um lugar onde se ouve música, e a acústica é fundamental.
E concluindo este breve panorama de teatros brasileiros, a boa notícia dos últimos anos foi a reinauguração, em 1996, do Theatro Pedro II em Ribeirão Preto. Construído entre 1926 e 1930, com capacidade para mais de 1500 ouvintes em sua grande sala de concertos, o Theatro Pedro II, uma excelente casa de ópera de nível internacional e com acústica inigualável, é ainda um complexo cultural que conta com outras duas salas menores, a belíssima Sala dos Espelhos e o moderno Teatro Oficina subterrâneo. Sem dúvida o melhor teatro do interior do Brasil.
Rubens Ricciardi é compositor e musicólogo
Antonio Porto Pires
Há pouco tempo, a cidade de Santos foi palco de triste ocorrência. Ao final de um show com o conjunto Os Raimundos, realizado no ginásio de esportes de um clube local, houve tumulto e oito jovens morreram.
A lamentável ocorrência provocou uma série de reações dentre os envolvidos na realização do show: o próprio clube, a empresa promotora, o poder público municipal, o ministério público, bombeiros, polícia militar. Infelizmente, tal reação, motivada pela tragédia, mais uma vez confirmou o velho ditado: colocar a tranca depois de arrombada a porta.
No entanto, ainda que tardio, o processo de discussão e reflexão se faz necessário, no sentido de equacionar as diversas variáveis do problema para evitar que fatos como este se repitam.
Em primeiro lugar, cumpre apreciar algumas indagações: que condições mínimas de segurança devem ser adotadas para esse tipo de show? Que medidas de caráter preventivo devem ser tomadas?
Sesc Santos organizou um debate com cerca de 600 pessoas, reunindo jovens, pais, educadores e autoridades, sob a denominação Juventude – O Que Fazer?
No debate, uma jovem que esteve no fatídico show e presenciou in loco os acontecimentos, assim se manifestou: "Algumas autoridades e diretores do clube quiseram responsabilizar os jovens pela tragédia, na medida em que à saída aconteceu um empurra-empurra que teria motivado o rompimento do gradil da escada e a queda de muitas pessoas, dentre as quais as oito vítimas fatais. Mas, quem é que não sabe que o jovem não vai sair de um show desses devagarinho, em ordem um por um? O jovem sai é pulando de 3 em 3 degraus, porque é próprio dele."
Içami Tiba, psiquiatra, especialista em questões comportamentais da juventude, convidado especialmente para aquele debate, ponderou que não se pode associar o clima reinante nesses shows diretamente à violência. Porém, ressaltou que o ritmo das músicas e o ambiente induzem o público a um tipo de dança que exige espaço para sua plena expressão. Ora, esses shows, atraindo milhares de pessoas em locais que não comportam públicos tão numerosos faz com que o contato físico seja freqüente no ato de dançar, o que invariavelmente leva a atitudes violentas envolvendo uma parte considerável do público.
Essas questões descritas pela jovem e pelo especialista naturalmente são do conhecimento daqueles que promovem esses shows. Quero também levantar outros pontos importantes.
Normalmente, o público começa a chegar aos locais por volta das 22h, sendo que o show só começa à meia-noite, uma hora, às vezes duas horas da madrugada. Sendo os shows realizados em ginásios de esportes, esses locais não dispõem de instalações adequadas como acontece em casas de shows especializadas, onde há mesas, cadeiras e espaço físico apropriado para que o público fique aguardando o início do espetáculo. Ao contrário, nesses ginásios de esportes as pessoas ficam horas e horas aguardando o show, espremidas umas às outras.
A esse caldo de cultura, acrescenta-se o coquetel – álcool e outras drogas consumidos abertamente nesses e em outros locais. Quem pode assegurar que a violência também não seja um desdobramento desta situação?
Ao evidenciar esses fatos, não estou defendendo a não realização desses shows. Ao contrário, entendo que a música e demais manifestações artísticas são imprescindíveis à formação cultural e à expressividade, sobretudo dos jovens.
No entanto, não há como escamotear a realidade. É preciso que as autoridades ajam preventivamente, especialmente em relação aos menores de idade, evitando que esse segmento de público venha a consumir bebidas alcoólicas, geralmente vendidas livremente, apesar das proibições legais. Ainda no contexto do público adolescente, por que não iniciar esses shows mais cedo para que os mesmos sejam encerrados por volta da meia-noite?
Não consigo perceber que uma atividade que permita o ingresso de adolescentes a partir de 12 anos comece depois da meia-noite! Acredito que ações afirmativas da sociedade, neste sentido, resolvam grande parte do problema.
Quanto aos órgãos competentes das prefeituras e corpo de bombeiros, por que não explicitar de forma objetiva e viável as medidas de segurança necessárias? O que se observa é que procedimentos burocráticos por vezes impossíveis de serem cumpridos prevalecem à objetividade e ao bom-senso. Após a tragédia, o Sesc Santos teve de contratar uma empresa para providenciar projetos, laudos, alvarás, atestados, vistorias etc... para justificar que as autoridades agora estão agindo com rigor!
Por último, aos organizadores dos espetáculos (dirigentes de clubes e empresas promotoras), que tal cair na real e restringir a frequência desses shows a um número compatível com as condições de segurança do respectivo local? Lucro com essas promoções, claro que sim, desde que não seja às custas da falta de segurança, conforto e bem-estar de nossos jovens. Quem é do ramo sabe que o preço de shows no Brasil é absurdamente alto. Aprendam a negociar. Se pedirem 30 mil por um show, ofereçam 10 mil. Tenho certeza que sai por 15!
Mas e quando o Carnaval chegar? Aí, ninguém mais se lembrará de nada. Não sou otimista. A vida vale pouco em países do Terceiro Mundo.
Antonio Porto Pires é gerente do Sesc Santos