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Encontro Aliança XXI

Fala-se em globalização da economia, dos meios de comunicação e do globo terrestre unido pelos bits e bites da Internet, mas parece que as pessoas esqueceram de globalizar a solidariedade. Foi tentando lembrá-las desse "detalhe" que há 11 anos foi criada, na França, a Aliança por um Mundo Responsável e Solidário, associação que, em pouco tempo, abarcou aliados no mundo todo. Em São Paulo, o grupo é formado por entidades, instituições e redes de TV. Entre eles a Rede Mulher de Educação e o Sesc, que sediou o evento nas instalações de sua unidade de Bertioga. Moema Viezzer, coordenadora pedagógica do evento e representante da Rede Mulher de Educação, explica que o objetivo é conferir às reuniões, palestras e debates um caráter mais participativo, incluindo a diversidade das culturas e as vontades das pessoas presentes. "O ser humano independe da cultura e do lugar de onde veio", defende, reconhecendo, ainda, que existe uma preponderância da cultura branca sobre as demais e que todos têm muito a aprender com os cidadãos do outro lado do mundo.

Uma Semana Dedicada ao Ser Humano

O encontro teve início na segunda-feira, dia 1º (quando todos usaram fitas vermelhas na lapela em lembrança ao Dia Mundial de Luta Contra a Aids), com uma mesa de abertura na qual estavam presentes o francês Pierre Calame, fundador da Aliança, e o Diretor de Departamento Regional do Sesc de São Paulo, Danilo Santos de Miranda que ressaltou a importância da integração entre os povos: "Receber tantas pessoas vindas de países de todo o mundo e que trazem na bagagem experiências significativas e diferenciadas, pelo seu tema e inserção social, nos estimula a procurar conhecimentos e alternativas inovadoras", salientou o diretor. "Porque incentivar e interagir com manifestações mais candentes dos seres humanos, a partir do contexto de suas vidas, significa construir a cidadania entendida como expressão máxima da condição social harmoniosa". O Sesc representou o que Moema chamou de "a grande parceria", cedendo seu espaço, colocando à disposição de todos seus técnicos e funcionários e levando a experiência de um exercício de solidariedade desenvolvido durante seus 50 anos de vida. "O Sesc é uma instituição aliada", explica Moema, referindo-se ao modo como os integrantes da Aliança chamam-se uns aos outros. "Todos nós ficamos impressionados com a forte cultura de organização do Sesc. Foi algo muito positivo que somou e ampliou nosso poder de ação dentro desse projeto tão ambicioso."

Talvez em virtude do mote do encontro, o clima remetia a um Woodstock politicamente correto: paz, amor e índios tirando melodias harmoniosas de seus violões, enquanto globos terrestres eram encontrados no centro da quadra do ginásio principal, onde todos se integraram fingindo estarem com o mundo nas mãos. O grande destaque dessas atividades foi a presença de uma pequena garota indiana de 9 anos, Urvana Menon, a única criança entre os participantes. Mesmo longe da mãe, Urvana parecia bastante à vontade entre pessoas de cor e roupas tão diferentes da sua e confessou, em inglês com forte sotaque britânico, que estava "feliz em poder participar de um evento tão importante".

No Imaginário da Aliança para o Futuro, todos conceberam, através de colagens, pinturas e recortes, sua própria concepção de aliança entre os povos. Escreveram e desenharam o que entendiam por solidariedade e montaram um painel exposto no último dia do encontro, no Sesc Pompéia, com o nome de Aliança Babel.

À noite, o Sesc ofereceu a seus "convidados" estrangeiros um show com um grupo paulista de danças folclóricas, em que todos foram iniciados em ritmos típicos, como o maracatu e o samba-de-roda, além de se surpreenderem com a harmonia poética da capoeira e com as fantasias esvoaçantes do bumba-meu-boi.

Oficinas de Experiências

No dia seguinte foram definidos grupos de trabalho para a realização de workshops e eixos temáticos que discutiram as diretrizes do Aliança XXI. Seis outras convenções semelhantes estavam sendo realizadas ao redor do mundo: Barcelona, Espanha; Bangalore, Índia; Kigali, Ruanda; Argel, Argélia e Rubaix (fronteira entre a Bélgica e a França). Os outros encontros contavam com apenas 30 participantes cada um, tornando a reunião de Bertioga a maior de todas elas.

Estavam participando também dezenas de aliados que não se deslocaram a nenhum desses lugares, mas emitiram suas opiniões e comentários através da Internet. Moema explica que toda essa mobilização tem como diretriz principal o Acontecimento 2000 da Aliança, no qual foi discutido até que ponto faz sentido celebrar a chegada de um milênio que não será comum a todos os povos que habitam o planeta. "A celebração de vários encontros ao mesmo tempo, em diferentes lugares da Terra, é um símbolo da diversidade e da unidade de nosso mundo", resume.

Os workshops foram divididos nos seguintes temas: Plataforma, que contou com a presença do canadense Ronald Léger, representante do Conselho da Terra e que discutiu e expôs as áreas de ação dos aliados, como a questão ambiental, ecológica e cultural e ainda os problemas causados pela energia nuclear e o buraco na camada de ozônio. O grupo reunido na oficina de trabalho Comunicação tratou do modo segundo o qual a Aliança usará a mídia para atingir um maior número de pessoas, enquanto o workshop Canteiros dissertou sobre as conquistas e obstáculos científicos e biológicos da organização, assim como procurou criar formas para integrar as áreas técnicas e sociais, colocá-las em um patamar comum. O de mais significativo, no entanto, aconteceu na sala da Aliança 2000, com as presenças do russo, representante da Foundation for Survival and Development of Humanity (Fundação para a Sobrevivência e Desenvolvimento da Humanidade), Rustem Khairov, da enviada da Casa Branca, Caroline Croft e do francês fundador da Aliança, Pierre Calame. A mesa questionou a polêmica que envolve a chegada do próximo milênio dentro de uma organização que possui como integrantes pessoas de culturas tão diferentes, e que sequer têm um calendário comum.

O evento contou ainda com participações de segmentos da sociedade que têm tido dificuldade para se expressar e preservar condições dignas de sobrevivência. Segundo os organizadores do Aliança XXI, as mulheres, os jovens e o que eles chamaram de "gente da terra" (entenda-se índios e demais minorias étnicas) foram merecedores de um momento dedicado às suas Mensagens Especiais, através das quais reclamaram do desrespeito e reivindicaram uma participação maior na sociedade e a igualdade de direitos.

Diálogos Pertinentes

Os grupos temáticos discutiram de forma mais específica os problemas enfrentados pela Aliança ao longo de sua existência e as formas para solucioná-los. Realizados simultaneamente durante todo o encontro, tais grupos analisaram várias questões pertinentes à existência humana nos dias de hoje.

Sobre o eixo temático Valores, Cultura, Arte, Educação e Ciência, discutiu-se como criar um conjunto básico de valores comuns ao ser humano e traduzi-los em códigos compatíveis aos diferentes âmbitos da atividade humana.

Os debates sobre Economia e Sociedade: Produção e Reprodução tiveram a participação do gerente da unidade Sesc Carmo, Efre Rizzo, levando a experiência adquirida com o Programa Mesa São Paulo, que tem garantido refeições equilibradas e saudáveis a comunidades carentes. O grupo discutiu, ainda, maneiras de orientar melhor o consumo e aproveitar a economia adequadamente.

Governança e Cidadania foi o nome dado ao grupo que debateu maneiras de fazer das comunidades agentes sociais ativos e conscientes, capazes de criar estratégias para a melhoria de vida dos cidadãos, ainda que a longo prazo.

Com um caráter mais ecológico, a mesa de discussões intitulada Relações entre a Humanidade e a Biosfera debateu sobre os assuntos ligados ao ecossistema que estão em voga, como o melhor aproveitamento das águas continentais e marinhas e a reabilitação de áreas degradadas. O ponto em comum levantado pelos participantes foi que o homem deve, mais do que nunca, se aproximar da natureza em vez de agredi-la.

As discussões contaram com a presença de Valter Vicente Sales Filho, coordenador do Programa Sesc Curumim, que expôs o sucesso do projeto voltado a oferecer às crianças momentos de cultura e lazer mesmo fora da escola.

Francisco Ferron, assessor de marketing do Sesc, explica que o objetivo principal da participação da entidade no Aliança XXI girou em torno de uma "ação propositiva", ou seja, propôs-se a fazer parte dessa semana de integração internacional. "O mote do encontro é justamente aproximar experiências através de pessoas", explica. "Lá, elas trocaram informações e foi surgindo uma disposição de se entender o momento, criando uma cultura comum, porém respeitando suas diferenças culturais. Foi uma integração de pessoas num processo, criando-se uma harmonização dos grupos no decorrer da semana."

O Encerramento

Foi um dia de shows, exposições e personalidades presentes por todo o espaço do Sesc Pompéia, desde sua área de convivência até o teatro. Gilberto Gil distribuiu autógrafos e deu sua opinião acerca da importância do Aliança XXI, dizendo que toda forma de consciência verbal é válida. "É importante você saber do próximo e o próximo saber de você", poetizou o cantor.

Andando pela área de convivência da unidade, podiam ser encontradas as mais diversas manifestações de arte, como músicos hipnotizando o público com cítaras e artistas plásticos criando imensos painéis na frente de todos, refletindo o espírito do evento. No teatro, o público e os participantes estrangeiros do Aliança XXI que se misturaram pelas ruas do Pompéia tiveram a oportunidade de se depararem com a obra crua e densa do fotógrafo Sebastião Salgado, além de grupos folclóricos mostrando aos estrangeiros a riqueza cultural do Brasil. A atriz Marisa Orth fez parte das comemorações atuando em performances, ora cômicas, simulando um banquete burguês, ora dramáticas e engajadas, quando contou em uma parábola, com uma expressão grave, sobre homens que puxavam o mundo para si, "querendo consertar o consertado, mas cada um só vê as coisas de seu modo".

O momento mais importante do dia de encerramento do Aliança XXI foi a leitura de um documento que trazia os resultados das discussões de toda a semana que o antecedeu. Apontando os problemas de nossas sociedades e propondo soluções, a Mensagem de São Paulo apresentou o plano de ação dos participantes e representantes do núcleo brasileiro da Aliança.

O Manifesto

Quatro páginas de propostas e ações foram o resultado do encontro que tentou trazer a solidariedade à ordem do dia. Recitada por integrantes brasileiros da associação, a Mensagem de São Paulo expôs mais anseios que propriamente objetivos. Mas, por outro lado, provou a existência de pessoas preocupadas com questões aparentemente enterradas na obsolescência.

Os questionamentos iam desde como encontrar um caminho de vida sustentável, quando elementos básicos de sobrevivência como água e ar estão ameaçados pelo egoísmo e pela corrupção, até como prevenir ou resolver conflitos regionais. As respostas foram apresentadas na forma de princípios a serem estabelecidos como o de Salvaguarda, que demanda respeito aos limites da natureza; Humanidade, que propõe a integridade do homem; Responsabilidade, que cobra a ação das empresas para um mundo melhor; Moderação, leia-se produção sem desperdício; Prudência, alertando ao uso indiscriminado das novas tecnologias; Diversidade, que toca nas questões de diferenças culturais; e Cidadania, que propõe a participação de todas as comunidades na evolução do mundo.

Além disso, a carta pede um sistema econômico e social mais justo, um novo padrão nas relações entre os países do Norte e do Sul, e ainda melhoria das relações entre gerações, reconhecimento dos direitos das mulheres e, finalmente, um mundo de paz.

Os últimos parágrafos se dedicam ao comprometimento, por parte dos integrantes, a acompanhar esse processo e persuadir governantes, e termina convidando e encorajando "todos a compartilhar deste compromisso por um mundo responsável e solidário".