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O Trabalho Social com Idosos (TSI) do Sesc: trajetória e realizações
Artigo: Comissão Editorial da revista Mais 60: Estudos sobre Envelhecimento
Resumo
O artigo tem por objetivo apresentar e contextualizar algumas das realizações do programa Trabalho Social com Idosos (TSI), uma ação socioeducativa dedicada, desde 1963, a valorizar a pessoa idosa. Por meio de publicações, encontros, seminários, pesquisas e campanhas o Sesc São Paulo aborda e mobiliza a sociedade para o tema do envelhecimento.
Palavras-chave: programa Trabalho Social com Idosos (TSI); envelhecimento; educação; políticas públicas.
Abstract
The article aims to present and contextualize some achievements of the Social Work with Elderlies program, a socio-educational action dedicated, since 1963, to valuing the elderly. Through publications, meetings, seminars, research and campaigns, Sesc São Paulo adresses and mobilizes society on the theme of aging.
Keywords: social work with older people; aging; education; public policies.
Efemérides e comemorações convidam-nos a refletir acerca dos caminhos percorridos: escolhas feitas, decisões tomadas, dificuldades encontradas, objetivos alcançados. Ao longo de uma trajetória, alguns episódios considerados significativos são eleitos e elevados à condição de marcos, pontuando conquistas e servindo como referência e baliza para o que virá.
No que diz respeito à ação do Sesc, mais especificamente ao programa Trabalho Social com Idosos (TSI), a publicação da vigésima edição da revista Mais 60 pode ser entendida como marco dessa trajetória longeva, dedicada a tratar o tema da velhice e do envelhecimento com o cuidado e a seriedade necessários.
Desde o início, o Sesc São Paulo entendeu que a promoção da cultura da longevidade, do envelhecimento ativo e da qualidade de vida da população idosa também passaria por pensar a formação e especialização de pessoas na área da gerontologia, convidando profissionais para que pudessem partilhar dos valores da instituição e disseminá-los em seus campos de atuação, dentro e fora do Sesc, fortalecendo uma visão mais realista e generosa da velhice. Para além da realização de atividades de programação e da constituição de um acervo de livros e periódicos sobre o assunto, foi assim que surgiu, em abril de 1977, a primeira edição dos Cadernos da Terceira Idade. O boletim, criado pelo Sesc São Paulo com o ainda tímido objetivo de servir de intercâmbio de informações entre os profissionais da instituição a partir de artigos traduzidos de publicações estrangeiras, estudos da época e relatos de experiências do próprio Sesc, foi pioneiro em um momento em que não havia muitas outras publicações sobre velhice fora do ambiente acadêmico. E já estreava com ideias que se mantêm atuais até hoje: valorização da pessoa idosa, sua integração na comunidade e incentivo à velhice ativa. Os desafios diagnosticados no primeiro caderno permanecem em pauta: questões de habitação, saúde, lazer e ocupação pós-aposentadoria. O editorial desse primeiro boletim apresenta, de forma clara, sua missão: “(...) cooperar para que se ilumine um caminho no qual os preconceitos ainda dominam e devem ser eliminados”.
O trabalho editorial iniciado com os Cadernos da Terceira Idade ganhou reconhecimento dos profissionais e teve continuidade com a criação da revista A Terceira Idade, em setembro de 1988, um marco comemorativo dos 25 anos do programa. Com projeto gráfico renovado, a publicação ganhava, aos poucos, o formato de um periódico científico e instituía normas específicas para pesquisadores e estudantes que quisessem contribuir. Mas, não somente isso, dava vazão a um desejo crescente de abrir canais de diálogo com o público por meio de seções de cartas dos leitores e de depoimentos de idosos. Posteriormente, fortalecendo ainda mais o intuito de dar protagonismo e voz ao velho, trouxe, como novidade, entrevistas com idosos, alguns bastante conhecidos em suas áreas de atuação, discutindo suas visões sobre o envelhecimento de maneira leve e reflexiva. No primeiro número da revista, os artigos selecionados já apontavam o caminho: um convite a pensar na velhice não como uma fase de limitações e decadência, mas de vivências, satisfação e participação social ativa, mostrando a importância da publicação em reafirmar e propagar os princípios norteadores da instituição na área, aliando reflexão e conteúdo programático.
Essa consonância entre prática e teoria só cresceu em relevância. A revista editada pelo Sesc São Paulo se manteve até hoje como uma das mais longevas publicações sobre envelhecimento no Brasil. E, a partir de 2014, para incorporar ainda mais as atualizações no campo de estudos da gerontologia, passou a se chamar Mais 60: Estudos sobre Envelhecimento. Naquele momento, seu conteúdo já apostava cada vez mais num modelo híbrido entre periódico científico e a conversa com públicos mais amplos por meio de um novo projeto gráfico, que passou a incluir mais espaço para entrevistas, resenhas, ensaios fotográficos e relatos de experiências. O boletim que nasceu com 24 páginas em 1977 hoje consolida o seu reconhecimento na área com uma publicação gratuita de 140 páginas, quadrimestral, com tiragem de 2.500 exemplares para todo o Brasil, distribuídos em unidades do Sesc e outras instituições, bem como disponibilizados em formato digital. É fonte de reflexão, inspiração e pesquisa para pessoas de todas as idades, para as quais sua produção continuada se associa à credibilidade e à tradição.
De lá para cá, muitos outros marcos foram estabelecidos, construindo uma história – feita por pessoas, ideias, projetos e expectativas – e consolidando um trabalho caracterizado, desde sua origem, pela preocupação com a valorização da pessoa idosa, sua inserção social e o exercício da cidadania por meio da qualidade dos serviços prestados e da mobilização da sociedade para o tema.
Anos 1960: origens
Até o início da década de 1960, as imagens e os conceitos atrelados à velhice insistiam na ideia de que seria uma fase da vida marcada pela fragilidade e inatividade. Entre as possíveis razões para esse ponto de vista, pode-se apontar o fato de que a parcela de pessoas idosas no país correspondia a apenas 5% da população, algo em torno de três milhões de habitantes (FERRIGNO, 2006; DARDENGO e MAFRA, 2018). Acompanhando as discussões relacionadas ao envelhecimento que aconteciam em outros países – sobretudo na França, por conta da institucionalização do sistema de aposentadorias – e antevendo o surgimento desse cenário aqui no Brasil, algumas medidas foram implementadas, fazendo com que a matéria ganhasse visibilidade.
A primeira delas foi a criação da Sociedade Brasileira de Geriatria (SBG), em 1961, no Rio de Janeiro, na qual o corpo envelhecido como objeto de estudo passou a receber maior atenção na comunidade médica a partir da realização de congressos e de publicação especializada. Anos mais tarde, em 1969, a área da gerontologia foi acrescida à instituição, renomeada então para SBGG. Por tratar-se de um saber multidisciplinar, essa mudança possibilitou a incorporação dos aspectos culturais e psicossociais nas análises acerca do envelhecimento, evidenciando a complexidade do assunto e contribuindo para desconstruir visões depreciativas há muito tempo estabelecidas (SILVA, 2008).
No campo do lazer e da cultura, destaca-se a iniciativa do Sesc, que enviou aos Estados Unidos uma equipe de técnicos para conhecer o trabalho desenvolvido nos centros sociais para idosos, que apresentavam uma expansão de programas e equipamentos voltados para essa faixa etária. Diferentemente do Brasil, onde as ações até então destinadas às pessoas idosas, além de diminutas, possuíam um viés assistencialista e tinham por foco suprir carências básicas, geralmente confundidas com trabalhos de caridade, e eram colocadas em prática por instituições religiosas ou asilos mantidos pelo Estado. Dessa forma, sem uma oferta de espaços de convivência adequados, a possibilidade de participação social dos velhos era reduzida. Esse foi um passo importante para a criação, em 1963, do primeiro grupo de convivência, nomeado Carlos Malatesta. Formado incialmente por 14 aposentados do comércio que, após o almoço no restaurante do Sesc Carmo, localizado na capital paulista, se reuniam para discutir suas necessidades e desejos, os quais eram costumeiramente ignorados pela marginalização social que sofriam.
Ao longo do tempo, esse primeiro grupo criado no Sesc cresceu, reunindo centenas de idosos e idosas que participavam de bailes, comemorações de aniversário e jogos de salão realizados com o objetivo de mitigar o isolamento social enfrentado, promover vínculos de amizade e compartilhamento de saberes, preocupações e anseios. A diversificação das atividades propostas e as experiências positivas do Carlos Malatesta tornaram-se referência para a formação de outros grupos de idosos nas demais unidades operacionais do Sesc São Paulo e fomentaram, ainda, a atuação de outras instituições brasileiras nesse campo.
Nos anos seguintes, com a sistematização dos métodos e objetivos, ocorreu a expansão do trabalho, definido a partir de três propostas principais: o surgimento de novos grupos, que passaram a ser chamados de “centros de convivência”, o oferecimento dos cursos de Preparação para Idade Avançada e Aposentadoria e a criação das Escolas Abertas da Terceira Idade.
Anos 1970: expansão
O aumento da participação de idosos nos grupos de convivência e a demanda por atividades diversificadas para aliar convívio, integração e acesso à informação originaram as Escolas Abertas da Terceira Idade. O programa foi idealizado não como um recurso de formação profissional, mas como uma transmissão constante de informações, que auxiliariam o indivíduo a modificar suas ações sobre os meios social e cultural, e se estruturou em “departamentos”, núcleos temáticos e cursos de curta e longa duração, tais como gerontologia social e informação e atualização cultural (SESC SÃO PAULO, 1999). Os cursos de pequena duração eram oferecidos como opções complementares, como oportunidades de aprendizado e aperfeiçoamento de novas habilidades. Os mais regulares nos programas das várias escolas eram: encadernação; eletricidade doméstica; jardinagem; educação alimentar; socorros de urgência; ateliê de pintura, cerâmica e trabalhos manuais (papel, madeira, sucata). A primeira experiência da Escola Aberta ocorreu em Campinas, em 1977, e o Sesc foi uma das primeiras instituições no país a oferecer programas de cunho educativo para os velhos, até que as universidades – seguindo o modelo das Universidades da Terceira Idade, iniciado na França e que se expandiu para outros países – se voltassem para o tema e implementassem cursos no Brasil (MIRABELLI, 2016; CACHIONI, 2012).
A década de 1970 observou também o incentivo à formação e à atualização dos profissionais e à interação com instituições privadas e públicas, de forma a encaminhar, entre outras diretrizes, a elaboração de uma política social do envelhecimento. As medidas adotadas pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, criado em 1974, ainda com feições assistencialistas, mostravam-se insuficientes no que diz respeito à integração social do idoso e à melhoria de suas condições de vida (MACEDO, 2003).
A necessidade de debater, informar e construir conhecimentos – em consonância com o aumento dos estudos na área da gerontologia, que teve, em 1969, a realização de seu primeiro congresso em âmbito nacional – relativos ao tema da velhice suscitou outros encontros, como as semanas do idoso, por exemplo, organizadas pelo Sesc e que aconteceram na capital paulista e em Campinas, em 1974, e depois o I Seminário Regional, sediado no Sesc Consolação, em 1976.
O cenário favorável, observado tanto no aumento do número de pessoas idosas atendidas pelo programa quanto no incremento de estudos e debates em torno do tema, evidenciou a necessidade de um encontro que possibilitasse a reflexão e a troca de saberes, bem como a confraternização. Imbuídos desse propósito foi sugerida a realização de um encontro estadual, que atenderia também a demanda interna de uma revisão e reformulação dos conceitos e métodos empregados pelos técnicos do TSI.
O primeiro Encontro Estadual de Idosos ocorreu em São Carlos, em 1979, e reuniu idosos e técnicos de vários centros de convivência e Escolas da Terceira Idade com o objetivo de refletir sobre os resultados dos trabalhos realizados ao longo dos 16 anos de atuação do Sesc na área. Dividido em dois seminários – sendo o primeiro aberto a todas as delegações envolvidas e dedicado ao Intercâmbio de Experiências dos Centros de Convivência de Idosos e das Escolas Abertas da Terceira Idade, e o segundo direcionado aos técnicos, monitores e estagiários voltado aos Estudos sobre Educação Permanente e Terceira Idade –, o encontro foi um momento para pensar perspectivas e compartilhar experiências desenvolvidas pelos diferentes grupos.
A programação durou três dias e contou com painéis, grupos de estudo e exposições. Houve também espaço para a interlocução entre os grupos de idosos e as equipes de técnicos que serviram para refletir sobre os resultados das ações empreendidas e suas relações com os temas abordados durante o evento e, ainda, para propor medidas práticas que pudessem ampliar conteúdos e estimular novas metodologias. Nota-se que a programação cultural foi centrada no folclore paulista, com apresentação de ciranda e conjuntos de seresta, além de um passeio a pontos turísticos da cidade de São Carlos.
Anos 1980: consolidação
A experiência bem-sucedida alimentou a expectativa para a realização de novos encontros, também de abrangência nacional. Desse modo, em 1982, aproveitando o ensejo das comemorações do Ano do Idoso – uma recomendação da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) aos países membros como parte de um esforço para a construção de uma política nacional da velhice7 – o Sesc Pompeia sediou, entre os dias 19 e 22 de setembro, o Primeiro Encontro Nacional de Idosos, com o tema O Idoso e a Participação na Comunidade Nacional, contando com as participações de técnicos das diferentes regiões do país e nomes como Clementina de Jesus e Cora Coralina.
O objetivo do evento era propiciar às delegações presentes – que contou com a participação de cerca de mil idosos – um ambiente no qual pudessem refletir sobre as necessidades e aspirações do idoso no contexto sociocultural brasileiro, debatendo questões pertinentes ao seu universo: trabalho, previdência, educação, saúde e até moda. Várias apresentações artísticas – de música, teatro e dança – ocorreram nos diversos espaços da unidade, sempre com o protagonismo do idoso. Fez parte da programação também a oferta de cinco roteiros turísticos pela capital, contando com a participação de guias e a disponibilização de transporte aos participantes.
A década de 1980 começava, assim, não apenas com o surgimento de novos centros de convivência pelo interior de São Paulo, o que representava a expansão do TSI, mas com a iniciativa de reuni-los em eventos de grande porte, como os mencionados encontros estaduais, regionais e nacionais, mas também o Encontro de Esporte e Cultura para a Terceira Idade, em Bertioga, que teve sua primeira edição em 1982, com a participação de diversos grupos de idosos, o desenvolvimento de atividades culturais, jogos e brincadeiras que proporcionaram a aprendizagem e estreitaram os laços entre os partícipes.
Ao comemorar 20 anos, em 1983, o programa aprofundava sua preocupação com o encaminhamento de políticas públicas no setor, acompanhando, por exemplo, a criação dos conselhos – estaduais e municipais – de idosos e estabelecendo parcerias com universidades.
Observaram-se, ao longo da década, algumas iniciativas voltadas à inclusão da questão da velhice na agenda governamental brasileira, configurando a conscientização acerca dos direitos dos idosos como um movimento social que, para além dos proventos das aposentadorias, reivindicava também condições dignas para o exercício da cidadania. Diversas associações e federações de aposentados surgiram no período e um dos expoentes desse movimento foi a criação da Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (Cobap), em 1985, que teve relevante participação na Assembleia Constituinte, entre 1987 e 1988 (MACEDO, 2003; COSTA e SOARES, 2016).
No mesmo ano de criação da Cobap, por iniciativa do Sesc SãoPaulo, aconteceu o V Encontro Estadual do Idoso, com o tema O Idoso e a Constituinte, na cidade de São José do Rio Preto nos dias 6, 7 e 8 de dezembro. Delegações de pelo menos 16 cidades estiveram presentes, num momento em que a sociedade civil se organizava em torno da constituinte e os direitos dos idosos vinham sendo debatidos nas localidades. Neste contexto, o encontro teve como resultado a escrita da Carta dos Direitos dos Idosos, que tinha o objetivo de subsidiar a escrita da Constituição de 1988.
O documento promulgado em 1988 estabeleceu em alguns de seus artigos os direitos da pessoa idosa, tratando de temas como a previdência e a seguridade social, e reforçando, no artigo 230, que cabe à família, à sociedade e ao Estado “(...) o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.
Anos 1990: avanços
Sem perder de vista o comprometimento com a luta e a conquista pelos direitos dos idosos, as ações do TSI na década de 1990 ampliaram sua atenção ao tema da saúde e da qualidade de vida da pessoa idosa.
O termo “terceira idade” – em voga na França desde os anos 1960 – passou a ser bastante popularizado, representando a tentativa de construir um novo olhar acerca da velhice e do envelhecimento, desfazendo estereótipos e preconceitos e colocando o idoso como um consumidor de bens culturais, uma figura ativa e inserida na sociedade (SILVA, 2008; LEMOS et al., s/d). Desse modo, as atividades de lazer e recreação, a prática esportiva, o contato com as diferentes expressões e linguagens artísticas e as vivências – com destaque para o Turismo Social – ofertados a essa clientela nas unidades do Sesc estavam em sintonia com as transformações dessa categoria social.
Essa mudança na forma de compreender a velhice, aliada ao propósito de garantir a autonomia e a efetiva participação social do idoso, culminou na promulgação da Lei 8.842, de 1994, que implementou a Política Nacional do Idoso (PNI) e instituiu o Conselho Nacional do Idoso. Entre os objetivos da PNI está o incentivo à promoção da longevidade com qualidade de vida, por meio de ações como o estabelecimento de locais e formas de atendimento adequados aos idosos, bem como sua inserção e/ou permanência no mercado de trabalho e o combate à discriminação relacionada à idade. Nota-se que a criação dessa política não visava somente atender às demandas do sujeito do envelhecimento, mas sim do processo de envelhecer (BRAGA, MAESTRO FILHO, SILVEIRA e GUIMARÃES, 2008).
Anos 2000: conquistas
As discussões em torno da questão da velhice seguiram em curso com a chegada do terceiro milênio. A realização da II Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, em Madri, no ano de 2002, significou um passo importante ao atualizar objetivos e pontuar prioridades de ação. Um novo Plano de Ação Internacional foi aprovado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e previa abordar o tema do envelhecimento como parte integrante de uma agenda internacional de políticas públicas (CAMARANO; PASINATO, 2004). Entre as recomendações desse documento constava a adoção de uma perspectiva positiva do envelhecimento por meio da promoção da saúde e do bem-estar, garantindo, assim, segurança e dignidade aos mais velhos.
As resoluções dessa segunda assembleia desdobraram-se em importantes ações no Brasil, como a criação do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI), em 2002; a criação do Estatuto do Idoso, em 2003; e a aprovação da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosas (PNSPI), em 2006. O estatuto pode ser considerado um avanço no setor, uma vez que delineia um sistema jurídico que atua em defesa do idoso, contribuindo para a atuação do Ministério Público no combate aos casos de abuso, abandono e violência cometidos contra os idosos. No que concerne à saúde do idoso, a PNSPI foi criada com a finalidade de “(...) recuperar, manter e promover a autonomia e a independência dos indivíduos idosos, direcionando medidas coletivas e individuais de saúde para esse fim, em consonância com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde”. Nessa estrutura, cabe ao CNDI – formado por representantes de instituições governamentais e da sociedade civil – elaborar, acompanhar e avaliar essas políticas públicas, bem como promover campanhas de conscientização e estudos acerca do alcance dessas medidas.
Atento a esse movimento, o TSI do Sesc realizou uma série de debates e reflexões, como o Encontro Internacional de Gerontologia, que ocorreu no antigo prédio da Administração Central do Sesc São Paulo, hoje Sesc Avenida Paulista, em 2004. Fruto de uma parceria da instituição com a Universidade de Barcelona, o evento – que teve duração de quatro dias e foi composto sobretudo de painéis de exposição e sessões de temas livres e relatos de experiência – reuniu especialistas europeus e ibero-americanos em diversas áreas da gerontologia: pesquisa social sobre o envelhecimento, atendimento aos idosos e formulação de políticas públicas e privadas para o setor. O primeiro encontro desta natureza havia sido feito em Barcelona em 2003 e o Sesc sediou sua segunda versão. Os principais objetivos desse encontro foram apresentar modelos ibero-americanos e mediterrâneos de atendimento ao idoso e preparação para o envelhecimento; examinar experiências já existentes dos países participantes em instituições públicas, privadas e organizações não governamentais em diversas áreas; prever demandas futuras em termos de políticas em países emergentes como o Brasil, com base na experiência europeia; planejar o atendimento especializado à velhice e a integração entre as gerações.
Em 2005 o Sesc organizou novamente um Encontro Nacional de Idosos, dessa vez com o intuito de discutir e avaliar a implementação do Estatuto do Idoso. Delegações oriundas de diferentes regiões do país debateram o impacto desse documento no campo da previdência, assistência social, educação, cultura, lazer, saúde, transporte, habitação, trabalho, crimes contra a pessoa idosa e fiscalização das entidades responsáveis pelo atendimento aos velhos. A conclusão foi a de que, passados dois anos de sua aplicação, pouco havia sido feito por parte do Estado para a sua efetivação. Resultou desse encontro a redação de um documento, intitulado Carta Aberta à Nação, uma manifestação dos sentimentos e aspirações desse grupo, evidenciando sua condição de protagonista nesse processo. Essas falas reverberaram ainda na realização, em 2006, da primeira edição da pesquisa Idosos no Brasil.
Publicada em maio de 2007 – numa parceria envolvendo a Fundação Perseu Abramo (FPA), por meio de seu Núcleo de Opinião Pública, o Departamento Nacional do Sesc e o Sesc São Paulo –, a pesquisa Idosos no Brasil – Vivências, Desafios e Expectativas na 3ª Idade, com coordenação do cientista político Gustavo Venturi e da socióloga Marisol Recamán, teve como principais objetivos ouvir dos próprios idosos como se sentiam a respeito de sua idade e de sua inserção na sociedade e ouvir os não idosos sobre suas expectativas em relação ao envelhecimento e seu comportamento em relação aos idoso. A partir da divulgação dos resultados, a pesquisa também almejava colaborar para a reflexão sobre a urgente necessidade de revisão das políticas públicas para esse segmento. Como respostas concretas a demandas de aproximação entre jovens e velhos na perspectiva de formação de uma cultura solidária, o Sesc, por meio de seu Departamento Nacional, criou o projeto Era Uma Vez... Atividades Intergeracionais, que se desenvolveu em diversos departamentos regionais, e o Sesc São Paulo implantou o programa Sesc Gerações, cujo objetivo era o fomento de processos de trocas afetivas e de coeducação.
Anos 2010: ações em rede
Na última década, os projetos em rede, estimulando a integração, o convívio entre jovens e velhos e a sensibilização para temas relacionados às vulnerabilidades que permeiam a velhice caracterizaram a programação do TSI.
Para celebrar os 50 anos do TSI, o Sesc promoveu o fórum Perspectivas para Ações junto ao Cidadão Idoso, na unidade de Bertioga, em setembro de 2013, no qual participaram cerca de 120 profissionais e estudiosos de gerontologia, técnicos do Sesc, gestores, militantes da luta por direitos e idosos para discutir questões relevantes para o processo de envelhecimento e a consolidação de sua cidadania. Para o desenvolvimento do fórum e o aprofundamento das discussões entre os participantes foram eleitos quatro eixos temáticos – formação e educação permanente; autonomia, direitos e cidadania; gerações e intergeracionalidade; e cuidado e relações sociais – e as discussões tiveram como foco as experiências exitosas, os desafios e as perspectivas para a realidade brasileira. Como resultado, foram propostas algumas ações com intuito de cultivar relações educativas, responsáveis e solidárias para concretizar estratégias sustentáveis que permitam à sociedade brasileira a garantia de visibilidade da questão da velhice.
Estimulando a participação de todas as unidades no estado de São Paulo, o Sesc passou a atuar como parceiro na realização de importantes campanhas de conscientização em temas sensíveis aos cuidados com a pessoa idosa. Por meio da Campanha de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa e da Semana de Prevenção de Quedas em Pessoas Idosas são disparados anualmente diversos estímulos comunicacionais que, somados a uma extensa programação composta de ações artísticas, atividades lúdicas, palestras, encontros e debates, têm o objetivo de contribuir nas reflexões sobre a cultura do envelhecimento e da longevidade.
Tais reflexões também estão presentes nos Festivais da Integração quando, a cada edição realizada semestralmente, cerca de 600 idosos participantes do TSI em todo o estado de São Paulo se encontram no Centro de Férias do Sesc em Bertioga para alguns dias de convivência, construção de vínculos, amizades e reflexões. A possibilidade de planejar o futuro e se conectar (com os outros e consigo) são alguns dos temas que conduzem a programação e convidam os idosos presentes ao protagonismo em grandes confraternizações.
As chegadas e os encontros também estão presentes no projeto Cá entre Nós quando, anualmente, um grupo de unidades se reveza nos papéis de anfitriões e visitantes. Assim, os participantes do TSI da unidade selecionada como anfitriã da edição têm a chance de preparar e participar ativamente da recepção proposta aos visitantes, promovendo uma grande troca de cultura e vivências entre tantas velhices diferentes.
As diferenças manifestam-se nos sentidos e, por isso, em comemoração ao Dia Internacional do Idoso, em 1º de outubro, as unidades do Sesc realizam anualmente a Mostra Sentidos: A Longevidade na Arte, trazendo diversas questões para o centro da cena, com apresentações de dança e teatro, com as quais o público – de todas as idades – pode dar novo significado a essa etapa da vida, como uma fase em que é possível sentir e sonhar.
Considerações finais ou o que está por vir
Nas páginas anteriores acompanhamos uma síntese, por décadas, do TSI do Sesc São Paulo, que pode ser considerado pioneiro por ter sua origem num contexto no qual as iniciativas nesse campo eram reduzidas e pouco abrangentes. Caracterizado como um programa de educação não formal e permanente, que tem por principal finalidade a valorização da pessoa idosa por meio das práticas de sociabilidade, da reflexão acerca do envelhecimento, da potencialização e partilha de saberes e da integração com as demais gerações, a ação do TSI está em consonância com a missão socioeducativa e os valores do Sesc, presentes desde sua criação, em 1946, e previstos na Carta da Paz Social, um de seus documentos fundantes.
Cabe, desse modo, a pergunta: o que esperar do próximo decênio?
Na impossibilidade de oferecer uma resposta categórica, sobretudo pelo momento de incertezas provocado pela pandemia do novo coronavírus, é razoável, ao menos, divisar possibilidades. A primeira delas pode vir a partir dos resultados da segunda edição da pesquisa Idosos no Brasil, novamente realizada em parceria com a Fundação Perseu Abramo, entre dezembro de 2019 e março de 2020, apresentando um comparativo com as informações colhidas em 2006, mas inovando ao aplicar 40 entrevistas qualitativas em profundidade, com o objetivo de nuançar os entrevistados, propiciar que as informações fossem mais humanizadas e investigar informações que não estavam presentes na edição anterior, como moradia, sexualidade, relações familiares, hábitos de consumo, entre outras.
Para fomentar discussões e práticas, a Organização Mundial de Saúde (OMS) instituiu o período de 2021 a 2030 como a Década do Envelhecimento Saudável. Partindo do pressuposto de que viver mais não significa viver melhor, isto é, com saúde e necessidades atendidas, em especial numa época em que os índices demográficos apontam para o aumento do número de idosos, é fundamental que as sociedades tenham condições adequadas para lidar com o fenômeno da longevidade (SILVA, 2020).
Os dados da pesquisa e as expectativas em torno da resolução da OMS sinalizam rumos e pontuam desafios a enfrentar. Às vésperas de completar seis décadas de existência, o TSI do Sesc mantém o compromisso e a disposição de compreender, questionar e ser propositivo. E a expertise construída pela instituição faz-nos acreditar que estamos prontos.