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Era das incertezas

Foto: Adauto Perin
Foto: Adauto Perin

PENSADOR FRANCÊS DEFENDE A NOÇÃO DE COMPLEXIDADE

EM CONTRAPOSIÇÃO À FRAGMENTAÇÃO DOS SABERES

Edgar Morin nasceu em Paris, em 8 de julho de 1921. Pesquisador emérito do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), é formado em Direito, História e Geografia e realizou estudos em Filosofia, Sociologia e Epistemologia. Considerado um dos principais pensadores sobre a complexidade (pensamento que evidencia a superação das fronteiras entre as disciplinas do conhecimento e considera a incerteza e as contradições como parte da vida e da condição humana), é um dos intelectuais mais importantes da atualidade. Ainda hoje, o pensador francês segue a Estética e Arte com Edgar Morin, falou sobre suas visitas ao Brasil a partir da década de 1990: “Desde 1996, tenho sido convidado para falar ou fazer intervenções sobre meu trabalho, sobre minhas preocupações em relação a grandes problemas”. A conversa a seguir é guiada pela vivência do autor e anos dedicados a pesquisas, desdobradas em mais de 30 livros publicados.
 

Assista ao Conexão:

 

Ideologias

Considero que, no século 20, sobretudo o comunismo e, de uma forma totalmente diferente, o fascismo possam ser consideradas ideologias coletivas, e foram mais do que ideologias. Penso que o comunismo foi uma religião da salvação terrena. Ou seja, em vez de prometer a felicidade no céu – como as religiões tradicionais –, ela a prometia aqui na terra. E isso causou um entusiasmo tão forte quanto o das grandes religiões e fez surgir heróis, mártires, carrascos, assassinos, como as grandes religiões fizeram.

A diferença é que com o comunismo foi possível verificar o que era contado: se essas histórias eram falsas, eram balelas, ao passo que com as outras religiões não é possível fazer essa verificação. Portanto, o comunismo teve a sua derrocada. E o fascismo, que também era uma religião nacionalista, racista, foi uma crença com um caráter místico ou religioso, que gerou igualmente um fanatismo extraordinário, como as grandes religiões.

Teve seu declínio com uma derrota militar, mas hoje essa queda provocou a volta das religiões antigas. Por exemplo, no mundo islâmico, houve libertações nacionais, tentativas de democratizações, tentativas de implantar o socialismo e houve momentos laicos.

Todos esses movimentos fracassaram e a partir desse fracasso houve um grande retorno à religião. Vemos nos Estados Unidos e mesmo no Brasil um movimento de retorno ao evangelismo e à religião. Hoje também, como se pode ver, a jihad, ou seja, esse movimento islamista que utiliza a violência e o terror, é um tema coletivo de fanáticos religiosos, comparável ao nazismo e ao comunismo no século 20.
 

Individualismo

Vivemos em uma sociedade na qual o processo de ocidentalização desenvolveu o individualismo e as autonomias individuais. Na China, os jovens que têm acesso a outro padrão de vida não são mais obrigados a se casar de acordo com o arranjo dos pais, nem a escolher a profissão que os pais tiveram – ou seja, usufruem um pouco mais de liberdade. Mas, ao mesmo tempo, essa ocidentalização provocou muito egoísmo, com o individualismo e a degradação da sociedade tradicional. O desenvolvimento da burocratização e a compartimentalização são fatores da desmoralização. Pode-se dizer que o individualismo traz tanto efeitos positivos quanto perversos e, ao mesmo tempo, todos precisam da comunidade, todos têm a necessidade de estar juntos em comunhão.
 

Crises da civilização

Esta é uma situação da crise do nosso século, da crise da civilização. Não é a mesma ocorrida no século 20, mas no fundo vemos vários fenômenos de regressão que também existiram no passado. Presenciei a grande crise econômica dos anos de 1929, 1930 e 1931, que desencadeou a ascensão de Hitler ao poder e indiretamente a 2ª Guerra Mundial. Hoje vivemos uma crise não só econômica, uma crise da civilização, da globalização, e não sabemos para onde estamos indo. Ou seja, existe uma incerteza extraordinária sobre o nosso futuro. É isso que nós vivemos. Com muitos fenômenos de regressão, pois em todo lugar a democracia está em crise, os países têm regimes secundariamente democráticos e de caráter autoritário, com um líder que impõe seu poder.

Isso aconteceu na Rússia, na Hungria, na Turquia. Transformações na democracia, regressões nos Estados Unidos e também no Brasil, bem como em toda a América Latina. Enfim, estamos em uma situação de regressão histórica, mas, se vocês observarem a história como um todo, verão que é uma série de movimentos de regressão e de progressão. Em certos momentos há realizações e em outros, ao contrário, há tragédias. Esperamos que não haja grandes tragédias. É isso que posso dizer.
 

Sobre virtudes

Não sou pessimista nem otimista. Meu temperamento é resistente, não aceito certas coisas e sei que a História é incerta. E, às vezes, durante a noite mais escura, surge uma aurora inesperada. Foi isso que vivemos durante a 2ª Guerra Mundial, quando a dominação do nazismo sobre a Europa parecia irremediável e até mesmo a União Soviética parecia derrotada no final de 1941. Portanto, digamos, eu vejo uma história que muda, que é incerta. A questão é que não sou resignado, não sou passivo. Continuo a crer nos valores que me acompanham desde a adolescência. Acredito na virtude da fraternidade, na virtude da compreensão dos seres humanos e dos povos, acredito na virtude da amizade e do amor. São essas virtudes que me mantêm, sem que eu me chame de pessimista ou otimista. Digamos que sou um “ótimipessimista”.

 

Jornadas Edgar Morin:

 

 

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