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Arquiteto, escritor, pesquisador, crítico e até mesmo cantor nas horas vagas, Guilherme Wisnik comporta em si muitas frentes de atuação. Autor dos recém-lançados Dentro do Nevoeiro (Ubu), uma reflexão sobre o estado de incerteza do mundo atual, e Espaço em Obra: Cidade, Arte, Arquitetura (Edições Sesc São Paulo), que reúne artigos como crítico de arquitetura, ele investe nessa expansão do raio de atuação. Afinal de contas, é esse movimento que promove reflexões e indagações sobre o espaço público. Ex-aluno do consagrado arquiteto Paulo Mendes da Rocha, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Wisnik acredita que há sempre algo novo para aprender e aplicar no dia a dia, como uma nova forma de ver e de experimentar a cidade de São Paulo. 

 


Crítico de arquitetura

No comecinho do ano 2000, eu era recém-formado pela FAU-USP, com 27 anos de idade, e assisti a um curso livre de História da Arte dado pelo Rodrigo Naves, um grande crítico e fundamental na formação de muita gente. Foi meu caso. Naquele momento, o Rodrigo estava coordenando uma coleção de livros na editora Cosac Naify: Espaços da Arte Brasileira. Eram livros monográficos sobre artistas e arquitetos do Brasil. Eu tinha mostrado para ele alguns textos que estava escrevendo e, como ele é muito generoso e aposta em algumas pessoas por empatia ou por faro, me convidou para escrever um dos livros da coleção. Um convite bastante impactante porque eu não tinha quase nada publicado, salvo alguns textos de jornal. Mesmo assim, escrevi sobre Lúcio Costa. Senti o peso da responsabilidade de escrever sobre um dos arquitetos mais importantes do país. Com isso, comecei minha carreira como pensador e crítico. Logo em seguida, fui convidado para ser crítico da Folha de S.Paulo, na área de arquitetura. Isso me abriu um campo de atuação muito importante. Paulo Mendes da Rocha me falou explicitamente quando leu meu primeiro texto publicado no jornal: “Você virou adulto”. Foi muito legal isso. A partir daí, fiz muitas coisas como crítico, organizei livros e revistas internacionais sobre Paulo Mendes, Vilanova Artigas, Lina Bo Bardi, entre outros.



Curador da Bienal

Em 2013, aconteceu uma guinada nesse percurso [da crítica], que foi a Bienal de Arquitetura de São Paulo. Naquele ano deveria acontecer a décima edição da bienal, mas ela estava entrando em descrédito: as anteriores tiveram pouca visitação e visibilidade de público. Havia o desafio de fazer uma bienal que a recolocasse em um lugar de protagonismo e de reflexão. A organização estava a cargo do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), e o presidente do IABsp naquele momento era José Armênio Cruz, que me convidou para ser o curador. De 2012 a 2013, organizamos uma bienal que teve como tema: Cidades – Modos de Fazer, Modos de Usar. A ideia era fazer um evento em que a cidade não só fosse tema, mas também experiência. Para que as pessoas vivessem a cidade de modo ativo. A mobilidade foi um dos conceitos fundamentais. Por isso, a bienal acontecia em lugares servidos pelo metrô. Focamos nessa relação dentro da arquitetura da cidade: entre o fazer e o usar criativo, espontâneo, lúdico e experimental.

 

A acessibilidade talvez seja
o direito principal: o direito de morar e de acessar

 

 

Em prol do espaço público

Passei a ser também um ativista do espaço público. Minha atuação sobre a cidade foi ampliada e comecei a participar muito mais de discussões sobre espaço público, cidadania e urbanismo. Passei a estudar assuntos que não conhecia. As grandes cidades do mundo estão virando grandes canteiros de obra porque cada vez mais a taxa de obsolescência das coisas aumenta. Tudo é demolido e reconstruído cada vez mais rápido. Há uma inflação da construção civil no mundo como um todo. O papel econômico, o lugar da construção civil na economia capitalista é fundamental. E esse é um tema sobre o qual fui pesquisando. Para entender isso, fui estudar a urbanização chinesa, que tem sido avassaladora nos últimos anos. Então, estudar e compreender essa urbanização passou a ser um desafio para entender o mundo atual.

 

Ecologia urbana

Acho que hoje se fala bastante desse conceito. O mais importante é que, quando se fala disso, é muito menos a ecologia do ponto de vista do verde, a exemplo dessas fachadas verdes que alguns edifícios adotaram, como os muros da Avenida 23 de Maio. Isso é legal, mas é pouco. A ecologia urbana, a verdadeira ecologia urbana, é o transporte na cidade. Esse modelo que temos, o modelo de Los Angeles, que é do espraiamento [caso de uma população cada vez mais afastada dos centros urbanos, habitando moradias nos subúrbios e tendo que se deslocar muitos quilômetros para o local de trabalho], é insustentável. Um modelo em que todos têm que andar de carro, consumir petróleo, viver no trânsito e morar longe de onde trabalha. A ecologia urbana tem a ver mais com urbanismo do que com arquitetura. 

 

Direito à cidade

A acessibilidade talvez seja o direito principal: o direito de morar e de acessar. Por isso, acho que a pauta de 2013, com o movimento passe livre, foi tão nova e tão importante. A pauta do transporte trazida ali não era só uma visão do transporte em si, era uma visão de espaço público também. A acessibilidade traz essa dimensão. A questão do transporte barato de qualidade não é só para a pessoa que mora longe ir e voltar do trabalho, mas para a pessoa que mora longe acessar espaços públicos nas áreas centrais no fim de semana. É um direito à cidade desse ponto de vista. E isso é fundamental.

 


Guilherme Wisnik esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E no dia 10 de outubro de 2018

 

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