Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

A diversidade fortalece

Considerada uma das 50 pessoas mais influentes do mundo, Cida Bento
atua no combate a relações desiguais de trabalho, educação e gênero

 

Diretora executiva do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) e doutora em Psicologia da Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Cida Bento foi eleita em 2015 pela revista The Economist  uma das 50 pessoas mais influentes do mundo em razão do seu trabalho no combate à desigualdade nas relações de trabalho, educação e gênero. Uma missão que já começou na infância, ao observar opressão, discriminação e tratamento desigual. “Quando me tornei executiva, isso ficou mais forte porque eu via como ser mulher, ser negra, interferia na trajetória profissional”, conta Cida, que participou do Seminário Oportunidades de Trabalho para Egressos do Sistema, em outubro passado, no Sesc Santana.

 

Mulheres da família e escolha profissional

Sou de uma família de oito filhos da Zona Norte de São Paulo. Meu pai era motorista e minha mãe, servente, que dizia para mim e para minha irmã que não queria que nós tivéssemos a mesma vida que ela e minha tia tiveram, presas ao lar. Minha tia trabalhava para uma família rica e era uma cozinheira excelente, mas ia pra cozinha quando eles tocavam o sino. Ainda assim, minha mãe nunca deixou que tivessem pena de sua condição. Ela falava que quis ter oito filhos e que eles eram sua grande realização, que sempre fez o que desejava.

Minha graduação é em Psicologia, fui a primeira da família a concluir curso superior, ter carro, conseguir emprego na terceira maior empresa do país na época e deixar todo mundo em pânico quando abandonei tudo para trabalhar com questões de gênero e raça. E jamais me arrependi. Mudei de carreira, principalmente pelo desejo de independência e autonomia. Trabalhar em uma grande empresa era muito legal, mas eu tinha dificuldade de fazer mestrado, doutorado, ser liberada para fazer cursos mesmo quando não tinha tanto trabalho.

 

Liderança feminina

Sempre fui uma criança que não aceitava injustiças. Lidava mal com ver ou viver opressão, discriminação, tratamento desigual. Quando me tornei executiva, isso ficou mais forte porque eu via como ser mulher, ser negra, interferia na trajetória profissional. Mesmo quando uma pessoa tinha todas as condições para ser contratada, o fato de ser mulher, de ter filhos e de ser negra dificultava a possibilidade de entrada, de assumir um cargo mais alto, de liderar. Havia um conceito de que mulheres não são tão boas. Para mim, diversidade significa multiplicidade, pluralidade. A riqueza do povo brasileiro refletida no interior das organizações. Significa novos modos de olhar o mundo, de conceber desenvolvimento para o país, de jeitos de pensar o que pode ser bem-estar, felicidade. Um país para todas e todos.

 

Debate social

A minha atuação também busca, por meio de números e dados quantitativos, demonstrar a desigualdade nas relações de trabalho, educação e gênero. Nos últimos 15 anos, o Brasil avançou muito em expectativa de vida, mortalidade infantil e materna, escolarização de crianças e adolescentes. Todos esses dados podem ser consultados em índices e pesquisas. Ainda assim, os movimentos sociais pleiteavam mais rapidez na mudança e efetividade das políticas. Agora estamos em tempos de retrocesso. Vozes na defesa da violência, tortura, porte de armas, intolerância religiosa, racismo, machismo e xenofobia tornam-se visíveis e arregimentam apoiadores dessas ideias. Tempos difíceis.

 

Outros tempos

Se por um lado a desigualdade não vem diminuindo, por outro, cresce o debate social. Aumentar a quantidade de parlamentares femininas e negras pode significar novos ventos, perspectivas inovadoras de relação com as cidades, com a natureza, mais solidariedade e menos competitividade. Mais amor e confiança, resultando em uma humanização dos processos decisórios no país. O caminho para a mudança social implica a exposição de novas ideias, diferentes interlocutoras e interlocutores na sociedade. Exige meios de comunicação de massa mais independentes, que possam disseminar novas perspectivas com o objetivo de fortalecer o debate. E políticas públicas no campo da equidade são fundamentais enquanto houver um índice de desigualdade. Por isso, não podemos desistir.

 

Foto: Nego Junio

@revistae | @instagram