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Aos Leitores
A ação do Sesc — Serviço Social do Comércio — é fruto de um sólido projeto cultural e educativo criado pelo empresariado do comércio e serviços em 1946. No estado de São Paulo, conta com uma rede de quarenta e duas unidades e desenvolve uma ação de educação não-formal com o intuito de valorizar as pessoas, ao estimular a autonomia pessoal, a interação e o contato com expressões e modos diversos de pensar, agir e sentir.
Desde 1948, o Sesc desenvolve o Programa de Turismo Social e, nestes 70 anos de história, não ficou indiferente ao seu tempo, aos lugares onde está inserido, tampouco às pessoas que o constroem. Muitas foram as transformações, pautadas na democratização do acesso ao turismo, na educação para e pelo turismo, no protagonismo dos participantes e na operacionalização ética e sustentável.
Neste sentido, o Sesc foi pioneiro no Brasil ao assinar, em outubro de 2015, o Código Mundial de Ética do Turismo, um documento que orienta governos, comunidades, turistas e prestadores de serviço para a implementação de um turismo mais responsável e sustentável. Os valores expressos pelo Código já faziam parte do trabalho desenvolvido pelo programa Turismo Social e, com a assinatura desse termo, a instituição reafirmou seu compromisso com aqueles princípios e intensificou suas ações para promover as diretrizes que buscam a redução de impactos ambientais e sociais negativos, a valorização do patrimônio cultural, a promoção dos direitos humanos, a inclusão social, a equidade de gênero e a acessibilidade.
Com o propósito de ampliar tais reflexões sobre os dilemas éticos enfrentados por turistas, governos, prestadores de serviços turísticos, comunidades anfitriãs e outros atores, foi idealizado, em 2016, um ciclo de formações intitulado Ética no Turismo no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo.
Ao longo desses três anos foram abordados contextos e desafios para um caminhar ético no Brasil e na América Latina, a partir de temáticas fundamentais, como o papel do turismo no capitalismo global; os impactos do turismo em massa para setores diversos, como educação, cultura, serviços, bem-estar social e meio ambiente; a responsabilidade social corporativa no setor turístico; os fenômenos migratórios e os dilemas da hospitalidade; a influência do turismo na preservação e recriação dos atributos do legado migrante na cidade de São Paulo, entre outros. Também foram tratadas temáticas cruciais no contexto brasileiro, como os impactos da precarização do trabalho turístico e a repercussão do racismo nas relações interpessoais e nas práticas institucionais no turismo.
Esta edição especial da Revista do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo integra as comemorações dos 70 anos do Programa de Turismo Social, trazendo artigos que problematizam alguns aspectos abordados durante o ciclo Ética no Turismo a fim de tornar acessíveis os conteúdos a um público mais amplo.
O artigo “Perspectiva crítica do turismo: proposições éticas e filosóficas a partir da realidade Latino Americana”, de Alexandre Panosso Netto, faz uma leitura sobre o turismo na América Latina, evidenciando, por exemplo, a descontinuidade das políticas públicas em toda a região. Identifica fragilidades comuns aos países latino-americanos, tais como a importação de modelos prontos de desenvolvimento turístico, bem como a exotização e o reforço dos imaginários exógenos e neocolonialistas, construídos pelas próprias campanhas turísticas.
O modesto número de turistas que visita a América Latina se contrapõe ao cenário europeu. E o artigo “Turismofobia, ou o turismo como fetiche”, de Alan Quaglieri Domínguez, discute a crescente onda de manifestações contrárias ao turismo na Espanha, apelidada de “turismofobia”.
O autor analisa o deslocamento do entendimento sobre o turismo, de atividade considerada a panaceia de todos os males para a principal geradora desses males que objetiva combater.
O artigo “Turismo e bem comum: a responsabilidade social corporativa como escudo transnacional contra as sociedades anfitriãs e o ambiente”, de Joan Buades, enfoca a atuação das empresas espanholas e questiona a efetividade de suas políticas de responsabilidade social corporativa, indicando que devem incidir em três campos de atuação: ambiente, bem-estar social das comunidades afetadas e transparência econômica e democrática em escala local e global. O artigo “Reforma trabalhista e terceirização na Espanha: a precarização do trabalho das camareiras”, de Ernest Cañada, por sua vez, revela o processo de precarização do trabalho das camareiras nos hotéis espanhóis, resultado das terceirizações de seus departamentos centrais após a reforma trabalhista de 2012.
Em “Patrimônio afro-brasileiro e turismo: comunicando o modo de ser quilombola”, David Ribeiro e Cláudia dos Santos analisam a prática turística relacionada ao processo de patrimonialização e destacam a interconexão entre o reconhecimento das referências culturais dos povos quilombolas, a garantia dos direitos territoriais e a valorização e promoção de seus bens materiais e imateriais pela via do turismo.
Por fim, Lívia Aquino, no artigo “Picture ahead: a Kodak e a construção do turista-fotógrafo”, apresenta sua pesquisa sobre a construção do turista-fotógrafo e as transformações nas percepções da experiência turística.
Trata-se de um tema com grande significado nos tempos atuais, assumindo a fotografia e o turismo como experiências modernas que se
implicam uma à outra. A fotografia possibilita o acesso a qualquer lugar, ocupando o “lugar simbólico do predador, um sujeito ‘devorador de paisagem’ ou um ‘consumidor da natureza’”. Para se adequar a essa demanda,
transformam-se, por exemplo, cidades em cenários que nem sempre respeitam as relações sociais e a memória ali construídas, comprometendo opróprio direito à cidade e à cultura de seus residentes.
São temas que percorrem um pequeno passo da vastidão do debate que a atividade turística anuncia. Por toda sua complexidade, o turismo deve seguir objeto de reflexões e investigações, mote do Centro de Pesquisa e
Formação do Sesc São Paulo: um espaço de articulação entre produção de conhecimento, formação e difusão no campo da cultura, educação e
sociedade, incluindo a temática do turismo e suas múltiplas facetas. Neste sentido, mais do que realizar cursos, palestras e pesquisas, busca-se provocar encontros, potencializando reflexões e irradiando saberes centrados na construção deste modo crítico e ético de se pensar e de se fazer o caminhar.
Boa leitura!
Danilo Santos de Miranda
Diretor do Sesc São Paulo