Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Desenho, texto e contexto

 

Autora e ilustradora desenvolveu um universo próprio com uma estética cativante para crianças e adultos
 


Foto: Laura Furnari


Eva Furnari construiu uma trajetória profissional bem-sucedida como ilustradora e escritora, tendo publicado mais de 60 livros e vendido mais de 3 milhões de exemplares, entre Brasil, Itália, México, Equador e Bolívia. Nasceu na Itália em 1948 e se mudou para São Paulo com a família dois anos depois. O gosto pelo desenho e a apreciação estética das cores, formas e texturas apareceram na infância por meio de aulas de aquarela. Apoiada pela família, deu asas, lápis, tinta e papel à imaginação, que no decorrer da vida se transformou em sua profissão.

Vivenciando situações que variavam do entusiasmo com a arte a dúvidas sobre o exercício da profissão, Eva contou detalhes de sua biografia durante bate-papo no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc (CPF).


 

Incorporar o acaso
Desde criança tinha muito forte em mim o desejo de desenhar. Estudei num colégio de freiras onde via quadros de natureza morta, de que me lembro até hoje. E aos sete anos de idade dizia que sabia fazer aquilo. O que era mentira, pois não havia tocado em tinta até então.

Nessa época, eu morava em Moema (bairro de São Paulo) e era vizinha de um senhor aquarelista, o que foi uma sorte grande na minha vida. Minha família sempre me apoiou e economizou para comprarmos aquarela e um maço de papel canson. Dessa forma, comecei a pintar. Ele me deu um cartão-postal com o desenho de flores. Copiei e ele não acreditou que eu tinha desenhado, pois era muito nova e estudava desenho havia pouco tempo. A aula era um processo autodidata, porque ele não falava português. O que aprendi foi a construir a prática da técnica da aquarela, pois nela temos que lidar com a quantidade da água utilizada e o acaso da tinta. Trata-se de uma técnica delicada que exige paciência. Não é possível corrigir, mas sim incorporar o acaso.

Tentei a faculdade de Física, porque na minha casa todos eram físicos, químicos ou matemáticos. Nunca me passou pela cabeça fazer uma graduação em artes plásticas, naquela época não se discutia vocação ou aptidão para determinada carreira. Não sei como passei no vestibular da USP (Universidade de São Paulo). Cursei um ano e encontrei um amigo que me sugeriu a mudança para a FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo). No ano seguinte fui aprovada e encontrei meu ambiente. Lá existia a sensibilidade artística dos alunos.

 

Contadora de histórias
Casei no final da faculdade, tive uma filha e dava aulas de artes no museu Lasar Segall. Com o nascimento da minha filha, dei uma pausa no trabalho e comecei a pensar no que fazer da vida a partir de então. Comprava livros infantis e senti vontade de trabalhar com esse tipo de publicação, mas não tinha ideia de como entrar nesse mercado. Decidi começar como ilustradora e montei um portfólio. Uma amiga da minha irmã me disse que a editora Ática aceitava trabalhos de ilustradores. Eu era ao mesmo tempo tímida e corajosa, fui até à editora, que não se interessou pelo meu trabalho de cara. Voltei um tempo depois e produzi quatro livros com eles. Lembro de como essa resposta positiva me emocionou.

No entanto, o resultado foi muito aquém do que eu podia em termos artísticos. Comecei a frequentar bienais e conhecer pessoas. Tive muita sorte, porque a editora da Folhinha (suplemento voltado ao público infantil que circulava com o jornal Folha de S. Paulo) viu meus livros e me convidou para desenhar tirinhas semanais para o suplemento. Fiz esse trabalho por três anos: um ponto marcante da minha carreira.

Depois da bruxinha
Depois de um mês nessas atividades, apareceu a tal da bruxinha [a Bruxa Zelda, uma de suas personagens] que, acho, estava no meu imaginário. O primeiro desenho data de 1982. A partir daí me debrucei sobre as histórias e senti que estava dominando a técnica de criar histórias sem texto, uma técnica difícil, aliás. O trabalho no jornal me ajudou a desenvolver técnicas para o desenho feito em preto e branco. Era necessário ter uma graça ali. Usei pequenas sombras, desenvolvi expressões, porque não tinha outro recurso, era uma coisa natural em mim, mas eu tinha que fazer o desenho contar. Penso que, de certa maneira, passei a dominar essa questão da expressão [dos personagens].

Não inventei nada, mas representava no desenho o que existia na realidade. Ao fazer cara de nojo colocamos a língua pra fora, todas as expressões usadas em meu trabalho são uma linguagem absolutamente precisa. Se eu não buscar essa expressão não conto a história com propriedade. Além do mais, eu precisava saber quais momentos da narrativa utilizaria para contar aquela história e ter um fim com alguma graça. Se eu não dominar a expressão do personagem não tenho a graciosidade nem conto a história. Desenvolvi essa prática durante dez anos fazendo histórias sem texto.

Aprendemos na marra, publicando, experimentando, errando e acertando. Em 1991, comecei a experimentar a composição do texto, porque não sabia lidar com as palavras. Na minha fase de trabalho na editora Moderna, testei jogos de palavras experimentando brincadeiras. Essa coleção é usada até hoje por professores, as crianças sentem afinidade para criar suas próprias rimas. Enganamos os adultos, as crianças são muito difíceis de serem enganadas. Por isso é tão difícil educar. Criança não faz média.

_________________________

Se eu não dominar a expressão do personagem, não tenho a graciosidade nem conto a história. Desenvolvi essa prática durante dez anos fazendo histórias sem texto. Aprendemos na marra, publicando, experimentando, errando e acertando.

_________________________

 

:: @sescrevistae | facebook, twitter, instagram