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Escritura da história

Foto: Luiza Sigulem
Foto: Luiza Sigulem

 

Escritura da história

por Jorge Caldeira


Jorge Caldeira é doutor em Ciência Política, mestre em Sociologia e bacharel em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Foi publisher da revista Bravo!, editor-executivo da revista Exame e editor em outras publicações, como Folha de S.Paulo e Isto É. É autor de livros como Mauá: Empresário do Império (Companhia das Letras, 1995), A Nação Mercantilista (Editora 34, 1999), História do Brasil com Empreendedores (Editora Mameluco, 2009) e 101 Brasileiros que Fizeram História (Estação Brasil, 2016). A seguir, os melhores trechos do depoimento do escritor, no qual fala sobre personagens históricos brasileiros e a ligação entre história, empreendedorismo e oralidades.



Panteão da pátria

101 Brasileiros que Fizeram História é uma espécie de panteão da pátria. Nos meus 40 anos de pesquisa fui conhecendo personagens históricos, os comuns e os incomuns. Eu começo o livro por uma personagem chamada Sebastiana, retratada em 1827 na Chapada dos Guimarães por Aimé-Adrien Taunay, pintor francês que fez parte como aquarelista de uma expedição que correu o interior do Brasil. O que se sabe é que ela tinha 12 anos e que era de uma família muito miscigenada, com índios, brancos, negros em proporções muito variadas.

No livro, antes dela vem o José Bonifácio, que em 1823 tinha escrito uma memória sobre a escravidão, dizendo que o Brasil só seria uma nação civil e regular quando as questões que separavam as pessoas, como a escravidão e a perseguição aos índios, fossem substituídas pela uniformidade civil. Para ele, o processo que faria a unidade civil dos brasileiros seria a miscigenação. Dom Pedro I acreditou nessas ideias do José Bonifácio, mas não as praticou. Dom Pedro I era um nobre para quem o povo brasileiro seria um desvio do que deveria ser o povo europeu. Então nesse livro estão 101 pessoas que lidam com esses modos de ver o Brasil.
 

História e empreendedorismo

A minha obra andou na contramão dos próprios pressupostos que eu tinha quando comecei a pesquisar, e para ela ir para a frente exigiu uma espécie de desespecialização. Ou seja, tive que ir buscar instrumentos disponíveis em outras áreas de conhecimento que não a sociologia, a ciência política e a economia, como a estatística e a antropologia, que foram me dando elementos para responder ao problema. A universidade no Brasil, entre 1973, quando comecei, e hoje, andou no caminho da especialização, então minha obra exigiu que eu andasse de um jeito que não é o usual da universidade.

O cenário dos pequenos proprietários empreendedores brasileiros começou a aparecer nas minhas obras primeiro na figura do Visconde de Mauá [Mauá: Empresário do Império], que traz a questão de como se passou para o capitalismo no país, e depois com a biografia de um empresário do século 17 chamado Padre Guilherme Pompeu de Almeida [O Banqueiro do Sertão, 2 volumes, Edições Mameluco, 2006], que mostra uma rede de negócios no sertão do Brasil, em que não havia exportação, mas era marcada por negociações com os índios e com a América hispânica.

Tudo isso não nos aparece como história, então tive que lidar com duas fontes de informação que não são de uso comum de historiadores e economistas. Em primeiro lugar, com estatística. Além disso, uma segunda fonte, absolutamente essencial, é a cultura oral, memória oral e antropologia, já que as grandes estruturas brasileiras estão nos nossos hábitos, e não no nosso conhecimento.


Herança tupi

Darcy Ribeiro foi o primeiro dos grandes tupinólogos que estudei, junto com Roberto da Matta. Mais recentemente, se pegarmos o que Eduardo Viveiros de Castro escreveu nas últimas décadas, vemos em suas obras que a estrutura de casamento brasileira não é portuguesa, é tupi. A minha impressão é que a herança tupi no Brasil é infinitamente maior do que aquilo que está hoje nos livros.

Existem estruturas brasileiras que vêm do tupi e que a gente pratica sem saber. Por exemplo, mulheres que são chefes do lar, na colônia eram 40% dos focos, porque o homem estava viajando. Isso vem do tupi. Tenho a impressão de que, quanto mais antropologia dos tupi houver, mais a gente vai perceber que os hábitos brasileiros vêm dos tupi.


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